AULA 1 do COF – RESUMO

RESUMO DA AULA 1 

IDEIA CENTRAL: NORMAS GERAIS DO CURSO DE FILOSOFIA ON LINE (COF) 

Esta primeira aula é dedicada a expor as normas gerais do curso, o espírito geral que vai nos orientar, e a dar uma série de instruções práticas para que tudo corra bem e o curso chegue às suas finalidades.(PAG 1) 

Também desejaria que cada aluno tivesse um caderno específico para este curso, que será como um diário do curso. Você vai anotar não somente o conteúdo resumido da minha exposição, como também as suas próprias idéias, suas dúvidas e questões, as indicações bibliográficas que lhe ocorram ou que você ache que podem complementar o que foi explicado aqui, os exercícios que eu passar, e o registro da sua própria experiência.Nesse caderno você terá a documentação inteira deste curso.(PAG 2) 

Aqueles que se inscreveram no curso assumiram o compromisso de permanecer até o fim.Aos que toparam isso, eu quero enviar imediatamente as minhas mais efusivas congratulações. Porque em um país como o Brasil, onde o ensino de filosofia é de uma miséria absolutamente deplorável e deprimente, o fato de que haja algumas centenas de pessoas se dispondo a estudar Filosofia durante quatro ou cinco anos,sistematicamente, fazendo um esforço continuado, sem ter a expectativa de um diploma ou de um emprego, mas tão-somente por amor ao conhecimento, é uma coisa absolutamente notável.(PAG 2) 

No Brasil sempre existiram essas pessoas. O Brasil está cheio de pessoas talentosas e bem intencionadas, mas elas estão perdidas no meio de 180 milhões de habitantes e separadas umas das outras. Esta separação e a solidão enfraquecem as pessoas perante os grupos sociais que lhes são estranhos. Um dos segredos básicos da vida é você conseguir se aproximar de pessoas que têm os mesmos objetivos e os mesmos valores que você. São Tomás de Aquino já definia a amizade no seguintes termos: “idem velle, idem nolle”, ou seja, é seu amigo aquele que quer as mesmas coisas que você e rejeita as mesmas coisas que você. Sem você encontrar um grupo que se identifique com os seus objetivos e valores, é claro que você estará isolado perante grupos que serão ou estranhos, ou hostis ,grupos que não compreenderão você e julgarão você um ET, um doente mental ou um marginal , e isso vai enfraquecê-lo formidavelmente ao longo do  tempo.(PAG 2) 

Uma coisa ainda bastante óbvia é que a amizade é também um dos pilares sobre os quais se constitui a nossa personalidade. Se você não encontra os amigos adequados,que partilham dos mesmos valores que você, você vai acabar se associando a outros grupos, que lhe oferecerão apoio e amizade em troca da sua corrupção, em troca de você desistir de ser quem você é, em troca de você abandonar seus próprios valores e fazer sacrifícios inúteis e abjetos no altar de uma falsa amizade. Este curso deve também servir de ocasião para a formação de amizades verdadeiras, fundadas na comunidade de objetivos vitais e na comunidade de valores. “Idem velle, idem nolle”: querer as mesmas coisas e rejeitar as mesmas coisas, ou, dito de outra forma, amar as mesmas coisas e odiar as mesmas coisas.(PAG 2 e 3) 

NECROLOGIO 

Para começar as nossas práticas, eu desejaria passar a vocês um exercício (necrologio) que já experimentei em outros cursos e que tem os efeitos pedagógicos mais notáveis.Primeiro vou explicar a vocês como é o exercício, e depois dar a justificação. Cada um de vocês vai supor que morreu, e que você é um amigo seu, uma pessoa que o conheceu e que irá escrever o seu necrológio. Um necrológio é uma breve narrativa de toda a sua vida. Você vai supor que durante a sua vida você realizou o melhor de si, e que todas as suas aspirações mais altas foram realizadas de alguma maneira. Não digo suas aspirações mais altas em termos sociais, mas em termos humanos: você vai supor que você chegou a ser quem você sonha ser. Esse seu amigo vai então contar brevemente a sua vida como se estivesse escrevendo uma carta a um terceiro amigo: “ontem morreu fulano de tal, e durante a vida ele fez isso, e aquilo, e etc.” Ou seja, você vai contar sua vida ideal. Isso tem de ser feito com extrema sinceridade e seriedade: você vai mostrar para você mesmo quem você quer ser. É claro que essa imagem muda ao longo do tempo; o seu projeto de vida vai sofrer muitas alterações, aprofundamentos, correções e, sobretudo, amputações.Mas isso não interessa.O que interessa é que ele vai ser a imagem que vai te orientar durante toda a sua vida. Uma das coisas mais estranhas e, aliás, deprimentes que eu já observei na sociedade brasileira é que pouquíssimas pessoas fazem um plano de vida. Sem um plano de vida você não tem um ideal que te norteie, você não sabe quem você quer chegar a ser, e portanto você não tem sequer como julgar as suas próprias ações. Porque esse ideal de vida ,esse personagem ideal que expressa aquilo que existe de melhor em você, é o que julga as tuas ações e te orienta(……)(PAG 3) 

A finalidade técnica e filosófica deste exercício, desta prática do eu ideal, se tornará mais clara para vocês à medida que o tempo passe. Não há nenhuma outra maneira, nenhuma outra ,de você alcançar um mínimo de orientação moral nesta vida.(PAG 4) 

Todo o nosso curso é inspirado diretamente na pessoa de Sócrates. Isso não significa que nós teremos que ler aqui as Obras Completas de Platão ou conhecer toda a atividade pedagógica de Sócrates; não se trata disso. Nós vamos pegar uma espécie de imagem essencial e tentar revivê-la nas nossas próprias vidas; nós vamos tentar imitar, tentar tomá-la como exemplo naquilo que ela tem de essencial e de significativo para nós hoje em dia. Em muitas aulas minhas eu defini a Filosofia como “a busca da unidade do conhecimento na unidade da consciência, e vice-versa”. Aqui neste curso nós teremos uma visão prática disso, de como é que isso se realiza na prática.(PAG 4) 

Ao longo de toda a atividade de Sócrates, a coisa que ele mais faz é precisamente examinar as condições sociais e políticas imediatas nas quais ele vive e nas quais se desenrolam aqueles diálogos. Em cada diálogo socrático ele está consciente da sua posição social e da de cada um de seus interlocutores, e a meditação dele começa justamente a partir da constatação desta realidade social que eles estão vivendo. Se,decorridos 2400 anos, aparecem filosofias cujos autores ignoram, nos conteúdos dessas mesmas filosofias, as condições sociais que as geraram e que determinaram as suas formas, então nós tivemos não um progresso, mas um atraso. (PAG 5 e 6) 

(…..) Qual seria a obrigação número um do filósofo? Começar por meditar esse mesmo quadro sociológico dentro do qual ele está trabalhando e analisá-lo criticamente e isto praticamente jamais se faz. Esses filósofos aceitam a delimitação profissional burocrática das suas atividades, e continuam desempenhando os seu papéis como se estivessem em uma peça de teatro, onde os vários personagens são assinalados para os vários atores, que precisam então agir como se fossem mesmo esses personagens. Você jamais viu, por exemplo,durante uma encenação de Hamlet, Hamlet parar a peça e reclamar dos salários dos atores. A circunstância social na qual se desenrola o espetáculo de teatro não faz parte do espetáculo; são coisas absolutamente separadas. Não se vê um maestro interromper o concerto para discutir problemas funcionais da administração do teatro ou da vida sindical dos músicos, por exemplo, justamente porque o mundo artístico e do showbusiness remete a um universo ficcional que é absolutamente separado das circunstâncias sociais reais nas quais o espetáculo se desenvolve. Nesse sentido, o exercício da filosofia hoje em dia parece mais com um espetáculo de teatro do que com a filosofia no sentido em que ela foi inaugurada por Sócrates.(PAG 6) 

É claro que isso, para o conteúdo da filosofia, é gravíssimo. Nós não podemos esquecer nunca que a primeira filosofia que surge com Sócrates, não com os pré-socráticos, que embora estejam praticando algumas atividades filosóficas não têm ainda uma consciência clara do que seja a filosofia como atividade distintiva, começa como filosofia política, ou seja, começa como meditação e análise crítica não só da sociedade em geral, mas da própria situação social dos seus interlocutores. Há uma cena do Banquete, por exemplo, em que Alcibíades chega e faz uma proposta indecorosa a Sócrates, de ter uma relação homossexual com ele. E Sócrates então responde: “isso aí não é para filósofos, isso é para vocês que são gente chique.” Nessa frase você já tem toda uma descrição da situação social concreta do filósofo em face dos seus alunos, que eram membros da classe dominante de Atenas. Quando você verá, hoje em dia, um filósofo meditar a partir da situação social concreta de seus alunos? Jamais.(PAG 6) 

(……)Toda a análise de uma situação social e toda filosofia política têm de partir da consciência que você tem da sua posição. Você não é um desenho que você faz desde a estratosfera, você não é um observador externo da sociedade: você é um participante, e se você não tem consciência de qual é o seu papel dentro do espetáculo, você também não compreende a situação dos outros. No caso do filme, a discussão sobre a situação social da favela era toda feita desde um ponto de vista absolutamente hipotético e irreal: eles estavam falando como se todos fossem Michel Foucault e não como se fossem as pessoas que realmente são. Quem eram aqueles alunos? Os consumidores da droga distribuída na favela, os fornecedores do dinheiro para o narcotráfico continuar funcionando. Essa era a situação real, mas só aquele personagem, o Matias, tinha consciência disso. Essa é uma situação comum na nossa universidade, que expressa precisamente a anti-filosofia na sua expressão mais radical, mais estúpida e mais acachapante. Nós não podemos aceitar isso de maneira alguma. (…..) (PAG 7) 

Cada um desses conceitos, para se tornar uma coisa útil, tem de ser trazido de volta à experiência real, de onde eles surgiram na sua origem histórica e de onde eles ressurgem agora. É claro que a filosofia, tal como a praticava Voegelin, estava perfeitamente dentro da tradição socrática de fazer com que, de certo modo, todo o conhecimento seja autoconhecimento e todo autoconhecimento seja, ao mesmo tempo, conhecimento científico do mais alto grau. Isso é uma coisa que dentro da instituição universitária é extremamente difícil de fazer, porque você tem já toda uma estratificação de papéis sociais que determina de antemão a temática, o enfoque, etc., através de exigências por assim dizer disciplinares.(PAG 7 e 8) 

Ontem mesmo eu estava conversando com um amigo, que me dizia que o Alan Keyes estava um pouco perplexo por ter lido que eu considerava Nietzsche um filósofo de segunda ordem, e queria saber por que eu pensava assim. “Muito simples,” eu respondi, “Nietzsche, apesar do seu talento absolutamente formidável, jamais dominou a técnica filosófica.” Meu amigo então perguntou: “Mas o que é a técnica filosófica?” E eu disse: “Também é muito simples. A técnica filosófica é a técnica de você converter os conceitos gerais em experiência existencial efetiva, e vice-versa.” Se você não sabe fazer isso, quando você está no mundo dos conceitos você só raciocina sobre coisas que não existem, e quando você está no mundo da existência você não compreende mais nada. Ou seja, por um lado você tem uma experiência opaca e caótica, e por outro lado você tem uma estrutura conceitual que não tem relação efetiva com a sua experiência real. (PAG 8)

Nos diálogos socráticos, por outro lado, é constante a referência de Sócrates à sua própria experiência e à experiência vital dos seus interlocutores…… (PAG 8) 

É claro, por outro lado, que as Confissões não são somente um livro autobiográfico: as Confissões são um livro de filosofia da mais alta qualidade. E o segredo é que Agostinho percebeu a raiz do conhecimento filosófico no autoconhecimento, tomado no sentido da confissão cristã…. ..(PAG 10) 

Ora, toda essa parte da auto-investigação está hoje totalmente excluída da filosofia.Se você entrar na faculdade de filosofia e disser que está lá buscando autoconhecimento,todos vão rir da sua cara e te mandar procurar um grupo de auto-ajuda, de psicoterapia, ou um padre, um rabino, ou algo assim. “Nós não estamos aqui para resolver os seus problemas pessoais”, eles dirão, mas que raio de filosofia nós podemos obter se nós fazemos desde logo abstração da pessoa concreta que está buscando o conhecimento? Só pode sobrar uma encenação, o desempenho de um papel burocrático determinado por circunstâncias alheias ao próprio processo filosófico. (PAG 11) 

A situação social do estudante de filosofia no Brasil é uma situação calamitosa, e é por isso mesmo que apareceu este curso. O fato de ter vindo tanta gente para esse curso já é, ele mesmo, um sintoma de que a instituição universitária não está atendendo, não digo os mais altos propósitos da investigação filosófica, mas nem mesmo aqueles seus propósitos burocráticos usuais. Eu queria que vocês tomassem, desde já, consciência de uma coisa extremamente importante, que vocês têm de meter nas suas cabeças: se houver uma cultura superior no Brasil daqui vinte ou trinta anos, será devido a vocês e exclusivamente a vocês. Vocês têm o destino de uma cultura superior inteira nas suas mãos. São só vocês que vão fazer. Não é por nada, “não é pa mim gambar”, como diria o Lula , mas EU SOU O UNICO EDUCADOR QUE EXISTE NESTE PAÏS.OS OUTROS NAO SAO( grifo nosso).São todos charlatães, vigaristas, cabos eleitorais; isso é o que eles são.NAO HA MAIS NENHUM EDUCADOR NO BRASIL, A NAO SER ESTE QUE VOS FALA. Essa chance é única.Se não sair daqui, não vai sair de parte alguma, então está nas mãos de vocês. Este curso foi feito para isso. Eu creio que a única esperança do Brasil é formar agora, já, urgentemente, uma nova elite intelectual capacitada para compreender a situação real, discuti-la e criar uma atmosfera de circulação de idéias que seja um pouco mais luminosa, dentro da qual, mais dia, menos dia, possa surgir também uma discussão política um pouco mais esclarecida do que a que nós temos hoje. Hoje nós estamos em plena atmosfera de obscurantismo. Obscurantismo significa o seguinte: você tem de repetir a mesma bobajada politicamente correta e tem de repeti-la de todo o coração, com sinceridade, gritando, senão não vale. O que se pode esperar disso aí? Só besteira, mais nada.

Vamos deixar esse pessoal da universidade continuar brincando. Eles têm verba estatal para fazer isso,e às vezes nem é verba estatal, mas eles mesmos que pagam para participar dessa brincadeira. Vamos deixá-los com a brincadeira e vamos fazer a nossa parte. Nós, aparentemente, não teremos a recompensa social que esse pessoal tem, que é um diploma, um certificado ou uma autorização estatal para o exercício de certas profissões. Mas notem bem: eu exerço esta profissão, nunca pedi autorização estatal e a recusaria se me oferecessem. Várias vezes o Bruno Tolentino veio para mim e falou: “Nós temos que arrumar um título de Doutor Honoris Causa para você, para legitimar você perante a USP.” E eu respondia: “Escuta, e quem vai assinar essa porcaria? Você tem certeza que o sujeito que vai assinar isso está qualificado para ser meu aluno? Então eu não quero isso; eu não quero porque vai me desonrar, vai me rebaixar.” O dia em que eu tiver que ser reconhecido por uma porcaria como a USP, onde se considera que a Marilena Chauí é a grande filósofa, estará tudo acabado. Eu não fiz tudo o que fiz, não me esforcei tanto, não estudei tanto desde a minha adolescência, não passei noites em claro estudando para, no fim, colocar o meu serviço na mesa da dona Marilena e perguntar: “Estou aprovado, professora?” Eu jamais vou fazer isso.(PAG 12 e 13) 

Então esta chance é única: o destino cultural do Brasil está nas suas mãos. Isso aqui é uma coisa muito séria, não é somente um cursinho de Filosofia, e é por isso que eu exigi de vocês o compromisso de ir até o fim do curso. O interesse em aprender e o amor ao conhecimento foi exatamente o que moveu os primeiros que criaram a universidade na Idade Média; eles eram um grupo de aficionados, que queriam conhecimento e não necessariamente uma profissão. Eu não sei se vocês estão aqui por isso, mas se não é essa a motivação, o estudo não faz o menor sentido. (PAG 13) 

FORMACÃO DO JUIZ I NTERIOR 

Desenvolver a noção desse juiz interior, que é assinalado não só pela credibilidade, pela racionalidade e pela consistência, mas também pela seriedade e pela sinceridade: esse é o primeiro ponto. Você vai tentar exercer a filosofia tão sinceramente quanto Sócrates o fez. Sinceridade significa, no caso, simplesmente presença da sua consciência, ou seja, você não vai dizer coisas que saiam da periferia do seu ser, que no dia seguinte você vai esquecer, ou que você mesmo não vai levar a sério, porque senão nosso estudo vai virar apenas uma imitação da filosofia acadêmica contemporânea. Se você estiver interessado nisso, você tem de assistir ao curso do Paulo Ghiraldelli, não ao meu. 

Quem vai julgar a sua seriedade? Sou eu? É a instituição acadêmica? É o professor? Não, não pode ser assim, porque se você colocar o seu próprio julgamento íntimo sob o julgamento de um terceiro, acabou a filosofia. A filosofia é justamente a busca de uma capacidade interna que você tem de discernir a verdade dentro da máxima medida humana, e portanto você mesmo vai ter de ser o juiz da coisa. Mas se você quer ser o juiz, você tem de se preparar para isso. Você precisa buscar dentro de si um ponto de seriedade máxima para poder ter a credibilidade máxima. Eu passo esse exercício porque é justamente nessa imagem ideal que você faz da sua própria vida completada que vai estar o juiz.(PAG 18 e 19) 

Esse exercício que eu passei é um primeiro passo na constituição do seu juiz interior. Você não vai tomar como seu juiz interior qualquer idéia ou impulso que lhe ocorra, quaisquer dessas inúmeras sub-personalidades, desses “eus” improvisados que nós criamos para agradar certos grupos de referência ou para aplacar os nossos próprios temores. Você pegaria qualquer zé-mané para ser juiz de direito, para julgar casos graves, de homicídio, estupro, etc.? Não. Ao menos idealmente, para ser juiz de direito é preciso ser uma pessoa qualificada, séria, responsável, madura, que conheça as situações humanas. Hoje nós vemos juízes de 21 anos mandando gente para a cadeia, mas isso é uma pouca vergonha.Devia haver uma idade mínima para ser juiz: trinta e cinco anos, para que o sujeito tenha alguma experiência da vida e possa compreender como as coisas são. Mas se os juízes que compõem a justiça nacional não estão qualificados, ao menos você deve ter, dentro de si, um juiz qualificado de si mesmo, e esse juiz tem de ser a sua parte mais alta. A parte mais alta é a que enxerga todas as outras, e que consegue pesar e comparar os vários fatores. A justiça é representada por uma balança precisamente por buscar sempre o senso das proporções.Isto aqui será uma prática constante: você se reportar ao que há de mais alto e de melhor em você, para que você aprenda a se observar e a se julgar com sabedoria, com humanidade, e levando em conta o conjunto daquilo que você sabe. Não adianta nada definir a filosofia como “amor à sabedoria” e estudá-la, se você mesmo não busca a sabedoria dentro de si. E não se trata de uma simples busca pela sabedoria, mas da busca em transformar-se em um sábio. O sábio existe dentro de você apenas como um ideal remoto, mas este ideal remoto faz parte de você, e ele é você. Gradativamente, você irá absorvendo as outras partes inferiores, e essas partes comporão aspectos da personalidade do sábio. Essa personalidade jamais ficará pronta, pois sabedoria somente Deus tem , nós, como dizia Pitágoras, somos apenas amantes da sabedoria.(PAG 20 e 21) 

A filosofia começou com Sócrates, e entre Sócrates e Aristóteles o desenvolvimento da filosofia foi monstruoso, talvez maior do que em todos os vinte séculos seguintes. O salto que vai desde as primeiras especulações de Sócrates até aquele edifício de conhecimento articulado por Aristóteles é de um progresso imenso, e nunca mais se observou na filosofia um crescimento assim tão rápido. E nós também vamos percorrer o mesmo trajeto: começaremos com as especulações de ordem moral e política de Sócrates, e galgaremos os degraus até chegarmos a um domínio técnico no nível que Aristóteles definiu, e que é até hoje o parâmetro para julgar tudo. Ninguém saiu desse parâmetro até hoje: pode-se aperfeiçoar um pedaço ou outro da lógica, deste ou daquele método, mas o ideal de integridade filosófica já foi dado na Grécia de uma vez para sempre.(PAG 22)

 

FOTO DO OLAVO

Olavo de Carvalho: Resumo da aula 15

Ideia principal: Intuicionismo Radical

Queria começar contando para vocês uma historinha. Na Universidade de Iowa, o pessoal fez um experimento do seguinte teor: eles colocaram quatro pilhas de cartas de baralho: duas pilhas vermelhas e duas azuis. As cobaias tinham de escolher uma carta de qualquer uma das quatro pilhas. Conforme a carta que tirassem, eles ganhavam certa quantia em dinheiro ou tinha de pagar certa quantia em dinheiro. Entretanto, as cartas não estavam uniformemente distribuídas: as cartas das pilhas vermelhas davam prêmios altos, mas davam multas mais altas ainda ,você podia tirar uma carta e ganhar quinhentos dólares ou tirar outra e perder mil dólares. Ao passo que nas cartas azuis os prêmios eram pequenos, mas as multas eram menores ainda (você ganhava, por exemplo, cinquenta dólares ou perdia dez dólares) .Eles observaram que para as pessoas perceberem o que estava se passando (perceberem que havia um viés, que a distribuição não era aleatória ou casual),eles levavam, aproximadamente, cinquenta cartas, cinquenta rodadas. Após tirar cinquenta cartas, as pessoas percebiam que era mais vantajoso tirar as cartas das duas pilhas azuis. Ao mesmo tempo, os pacientes estavam ligados a uma máquina que media a quantidade de suor em suas mãos (o suor na mão é um índice muito claro de estresse: em situações desse tipo você sua muito mais nas mãos).Então, eles constataram que, para as pessoas perceberem o que estava acontecendo, levavam cinquenta jogadas. Após oitenta jogadas, elas já tinham a explicação inteira do que estava acontecendo ,isto em média, ,alguns demoravam mais; outros menos: cinquenta rodadas para perceber que as cartas das pilhas vermelhas estavam viciadas e oitenta para descrever mentalmente a regra do jogo. Mas a maquininha que media o suor nas mãos percebia que, a partir da décima jogada, o suor começava a aumentar quando as pessoas pegavam a carta da pilha vermelha, e que a partir daí havia uma tendência a pegar menos cartas das pilhas vermelhas e mais das pilhas azuis. Isto quer dizer que os indivíduos já tinham tomado a decisão de preferir as cartas das pilhas azuis quarenta jogadas antes de perceberem que tinham tomado esta decisão. Como nós podemos analisar isto? Os psicólogos criaram a noção do “inconsciente adaptativo” (não é o inconsciente freudiano, que é uma espécie de privada, em que só há o que não presta). O inconsciente adaptativo é um mecanismo inconsciente que permite a adaptação a certas situações antes de uma compreensão consciente e clara do que está se passando. Nota-se que no experimento de Iowa havia dois processos decisórios diferentes operando: um, inconsciente, que já decidia preferir as cartas da pilha azul antes mesmo de o sujeito tomar consciência do que estava se passando; e outro, que é o processo decisório normal, em que, por experiência e erro, o sujeito acumula indícios, monta um raciocínio completo e tira uma conclusão ;,o processo usual de aprendizado. Os pesquisadores chamaram o outro processo de “inconsciente adaptativo”. O fenômeno sem dúvida é real e o experimento é muito revelador e elucidativo. Contudo, a análise dos psicólogos é falha, não chega ao fundo do problema, justamente por ser um estudo psicológico ,a psicologia estuda apenas o que se passa na psique. Não há um meio psicológico de estudar a relação entre o processo cognitivo e o objeto do processo cognitivo,(o objeto não faz parte da psicologia).Os psicólogos estudam apenas a parte subjetiva da história e por isso não podem chegar até o fundo da análise. Como os psicólogos que fizeram a pesquisa e os outros que escrevem a respeito estão interessados apenas no processo psicológico, não são capazes de captar o processo inteiro, isto é, a relação que se estabelece entre a mente, o sujeito do processo cognitivo e a situação real. A situação real não faz parte da abordagem psicológica. A psicologia não tem como analisar a situação real, mas apenas as reações psicológicas. Mas nós podemos. Nada nos impede de prosseguir a análise de onde a psicologia parou. Minha análise é a seguinte: o processo chamado “normal” ou “longo” de aprendizado (aquele que acontecia entre a quinquagésima e a octogésima jogada) é o processo normal que nós chamamos de “raciocínio por indução”: juntamos vários indícios, vemos que eles se acumulam em certo sentido, então completamos este acúmulo de casos formulando uma regra hipotética que abrangeria todos os casos, não só passados, mas futuros. Em outras palavras: se até agora foi assim, se até agora as cartas do grupo azul se mostraram mais vantajosas, é porque há uma regra geral por trás disto. Na hora em que o sujeito capta essa regra geral, ele abrange os casos já conhecidos e a probabilidade dos casos seguintes ,(um raciocínio normal por indução).E qual é o processo cognitivo? Não do ponto de vista psicológico, mas do ponto de vista gnosiológico, do ponto de vista epistemológico? Qual é o processo usado na primeira apreensão, aquela que acontece após a décima jogada, em que o sujeito((por assim dizer, inconscientemente). antecipa, na prática, a regra que conscientemente, ele perceberá depois da quinquagésima jogada, e talvez só na octogésima? Qual é exatamente este processo? Normalmente os psicólogos se contentam em dizer que é uma apreensão intuitiva, inconsciente etc., mas é claro que não é possível falar propriamente de uma intuição ou um pressentimento, porque houve ali também um raciocínio indutivo. Depois de dez cartas, você já tem certo número de casos: por dez vezes a coisa se repetiu. Quando você vê que a mão do sujeito suava mais quando ele se aproximava da pilha de cartas vermelhas do que quando ele se aproximava das pilhas de cor azul, isto que dizer que a palma da mão dele já tinha feito o raciocínio indutivo, apenas com uma casuística menor. Enquanto a operação, digamos, “consciente-refletida” requer cinquenta casos para formar uma amostragem, criar uma regra indutiva que explique, neste outro processo, mais curto e mais breve, houve também um raciocínio indutivo: a mão do sujeito, depois de dez casos, já começa a suar mais quando se aproxima da pilha vermelha e, quase instintivamente, vai preferir cada vez mais as cartas da pilha azul. Para os psicólogos, a diferença entre os processos é que um é consciente enquanto o outro é inconsciente, mas não me parece ser este o caso. É claro que, do ponto de vista da estrutura lógica, isto é um raciocínio indutivo. Houve o raciocínio indutivo, que os psicólogos dizem que é inconsciente, e, a partir da quinquagésima jogada, há um outro raciocínio indutivo, que eles dizem que é consciente. Ser consciente ou ser inconsciente dá exatamente na mesma (não pode ser essa a diferença). Em que sentido você pode dizer que foi inconsciente a primeira decisão? ou a primeira percepção? Pode ter sido mais consciente em algumas pessoas e menos consciente em outras. Analisando filosoficamente, vemos que a diferença essencial não é de ser consciente ou inconsciente. Isso é mero acidente. A diferença essencial é que, no segundo caso (a decisão mais longa, o chamado “aprendizado normal”), o indivíduo raciocina com a recordação de tudo o que se passou, ou seja, pega a experiência percorrida, transforma-a em símbolos na sua memória (ele não está lidando com a situação que está vivendo, mas com a recordação da situação),cria signos para representar a situação e articula esses signos na forma de um raciocínio indutivo. Note bem que esses signos já não são as cartas que estão na mesa naquele momento ,são as cartas que estão na memória dele. Portanto ele está raciocinando com elementos que a sua própria mente criou para representar uma experiência já transcorrida. Ele está lidando inteiramente com materiais criados pela sua própria mente, materiais que, naturalmente, têm uma referência à experiência real. No primeiro caso ,(a decisão que é tomada inconscientemente” após a décima jogada ,),você está fazendo igualzinho ao raciocínio indutivo, mas com os próprios objetos com que você está lidando, e não com signos da sua mente. Então existem dois raciocínios indutivos: um feito com signos que reproduzem mentalmente a situação que foi vivida não mentalmente, mas realmente; e no primeiro caso, temos o raciocínio indutivo feito não com signos mentais, mas com os próprios objetos que se oferecem à experiência. Toda a nossa cultura atual e a educação que nós recebemos nos induzem a confiar sempre no segundo tipo de raciocínio e a duvidar do primeiro. Nós dizemos que o primeiro é apenas intuição, impressão ou pressentimento, e que o segundo é uma coisa racional, que pode ser confirmada cientificamente. Mas o segundo raciocínio só lhe parece mais certo porque você domina inteiramente o processo raciocinativo e ( você o domina porque o inventou).Na verdade você está vendo ali uma conexão lógica entre conceitos, e não uma conexão fática entre coisas. A conexão lógica entre conceitos pode representar a conexão fática, mas ela não é a conexão fática. Tanto é assim que os sujeitos submetidos a este experimento começavam, entre a quinquagésima e octogésima jogada, a construir teorias e hipóteses. Essas teorias às vezes divergiam: uns explicavam de um jeito, outros explicavam de outro. Mas a reação que tiveram a partir da décima jogada, e que se reflete no suor que apareceu na palma da mão, é idêntica em todos. A confiança que temos no que chamamos de “raciocínio lógico consciente” é altamente enganosa, porque o raciocínio lógico consciente é apenas uma conexão entre conceitos que a nossa própria mente criou. No primeiro caso (conexão fática) , você tem uma situação que se apresenta; e, no segundo(conexão lógica ou mental), você tem uma série de conceitos que a representam. Nós não podemos dizer que a primeira apreensão foi vaga ou incerta, já que a sua estrutura é como a de um raciocínio indutivo igual a qualquer outro. Por que você tem impressão de que não a domina? Por que você tem a impressão de que aquilo é vago ou incerto? É porque não foi você que criou as formas inteiras. Aquela sequência de formas está se apresentando a você desde fora. A conexão fática entre os dados está se apresentando a você ,não foi você quem a criou.(PAG 4)


Do ponto de vista da crítica do conhecimento, o primeiro destes processos é muito mais certo e muito mais confiável do que o segundo. Mas a impressão que temos é invertida porque confundimos o domínio que temos sobre os nossos próprios pensamentos com o domínio do conhecimento de uma situação externa de fato. É o legado de quatro séculos de subjetivismo filosófico que se introduziu até mesmo no mundo das ciências, sobretudo na educação. As pessoas são educadas, treinadas para fazer raciocínios cada vez mais precisos e mais exatos, mas não são educadas para captar a conexão lógica real, ou seja, a conexão entre os fatos em si mesmos. Não existe nenhuma disciplina que ensine isto. E tudo isto é relegado ao plano da intuição, do subjetivo. Como é possível chamar de objetivo aquilo que foi a sua própria mente que criou, e de subjetivo aquilo que está dado na própria situação objetiva? É uma inversão completa. Isto que eu estou lhes ensinando a respeito deste experimento pode ser visto aqui por nós de duas maneiras, pelo menos. Primeiro, como uma técnica: podemos estudar isto do ponto de vista de uma técnica psicológica de aprimorar a percepção das conexões de fato, em vez de ficar aprimorando inutilmente um raciocínio que um computador pode perfeitamente fazer no seu lugar e que certamente fará melhor do que você. O raciocínio é uma coisa para computadores. A percepção da realidade não pode ser feita por computadores, só pode ser feita por um sujeito humano real, vivo, com a totalidade de
suas funções operando e com a consciência da sua responsabilidade de conhecer a realidade. Esta função não pode ser dada por um computador porque um computador jamais poderá ter um elemento da responsabilidade moral pelo conhecimento. Se ele tivesse, nós poderíamos processar um computador quando ele errasse (ele seria um titular de direitos e obrigações), o que nos levaria a uma situação absolutamente fetichista. Toda a nossa educação é concebida para aprimorar certas funções que um computador exerce melhor no nosso lugar, e a função propriamente humana de perceber a conexão
fática dos elementos é totalmente desprezada. Quando as pessoas se dedicam a treiná-la, isso acontece no contexto de técnicas psicológicas: despertar a sua intuição, o seu terceiro olho, ou qualquer coisa assim. O negócio vem com toda uma aura errada, vem totalmente deslocada da situação. O treinamento filosófico (especificamente o treinamento filosófico que eu estou dando neste curso)é precisamente para aprimorar esta percepção das conexões fáticas. A dificuldade é a seguinte: a nossa mente está tão treinada para montar raciocínios, para criá-los – é a mente construtiva que aí entra em jogo – que, se tentamos prestar atenção no processo da tomada de decisão do primeiro tipo, nós interferimos nele
através do nosso raciocínio e estragamos tudo. Nós queremos tirar conclusões lógicas antes de permitir que a própria lógica dos fatos nos diga algo. Eu expliquei alguma coisa sobre isso na minha apostila “Da Contemplação Amorosa” – era exatamente disto que eu falava ali, embora não em termos tão simples. (PAG 4 e 5)


Existe algum meio de nós fazermos com que aquele processo de tomada de decisão mais simples, mais rápido, mais imediato se torne dominante para nós? Não, não existe nenhuma técnica que permita fazer isto. Isto não pode ser treinado e não pode ser desenvolvido diretamente. Só pode acontecer como efeito indireto de toda uma formação educacional apropriada (que é o que estou tentando fazer aqui com vocês). Se tentar desenvolver a sua intuição, você irá fazer uma meleca como esse pessoal da auto–ajuda
faz, vai fazer uma confusão dos diabos. A percepção espontânea e passiva da realidade dos fatos não pode ser treinada, pelo simples fato de que a substância dela não vem de você, mas dos fatos (os fatos são a parte ativa)você, apenas o receptor. O seu corpo – ou “inconsciente adaptativo”, como chamam os psicólogos – tem a passividade necessária para aceitar os fatos e percebê-los como são. O treinamento para isso, se algum houvesse, seria o treinamento de aceitar os fatos e ter diante deles uma atitude contemplativa. Mas isto não pode ser treinado diretamente porque depende da estrutura total da sua
personalidade. O que nós vamos fazer aqui é o seguinte: nós vamos dar para você um tipo de formação, de educação que aos poucos o ensinará a aceitar as coisas como são e a confiar na sua percepção direta mais do que nos seus raciocínios. Os raciocínios devem ser usados apenas para verificar, para confirmar o que você já sabe, mas o saber efetivo não é uma coisa que é criada na sua mente através do raciocínio construtivo. O saber é percepção da realidade, é uma reação efetiva de um sujeito vivente, presente e real a uma situação vivente, presente e real.(Pag 5)


Ora, como os dados com que você fez o primeiro raciocínio não foram criados pela sua mente, mas foram fornecidos pela realidade, esses dados não têm signos: eles não vêm como signos, mas como presenças reais, e, por isso mesmo, são inexpressáveis. Você só pode expressar o que você pensou valendo-se de signos, de palavras. Isso quer dizer que a primeira percepção é “muda”: como não é feita através de signos, você não pode expressá-la, você não pode dizê-la. Ora, como não pode dizê-la, você sente que não tem domínio da situação; e como não tem domínio da situação, você se sente inseguro. Assim você cria uma representação mental que você domina inteiramente – porque ela é construção sua mesmo e, ao fechar o raciocínio com a conclusão, acredita que dominou intelectualmente o assunto. Mas acontece que na passagem do fato aos conceitos e dos conceitos ao raciocínio pode-se introduzir uma multidão de erros.(PAG 5)


Na esfera da percepção nós somos capazes de fazer raciocínios indutivos de uma precisão incrível, com uma grande velocidade e uma margem de erro mínima, ao passo que na esfera da representação e do raciocínio construtivo nós cometemos erros uns após os outros. Não é você que comete erros, os grandes filósofos todos cometeram erros. Por quê? Porque na esfera do raciocínio construtivo tudo é criado pela sua mente. A relação que aquilo tem com a realidade é indireta, meramente simbólica e frequentemente
convencional – assim, a margem de erro é maior. Quando nós confiamos no segundo tipo de raciocínio porque dele podemos dar provas, repeti-lo, expressá-lo e fazer com outras pessoas façam raciocínios idênticos e confirmá-los, nós estamos nos enganando a nós próprios. Isso acontece porque você montou aquele raciocínio, expressou-o em palavras e o explicou para outras pessoas, de modo que elas pudessem explicar o mesmo raciocínio de novo e chegar à mesma conclusão. Desse modo, é claro que milhares ou milhões de pessoas podem conferir e dizer para você: “É isto mesmo! Você tem razão”. No entanto, o que elas conferiram na verdade? Apenas a lógica interna de um raciocínio. A conexão desse raciocínio com os fatos pode ser verificada através de experimentos, os quais, contudo, jamais vão reproduzir a situação inteira – serão apenas experimentos que coincidem, esquematicamente, com a situação em apenas um ou dois pontos. Ou seja, mesmo a verificação experimental do raciocínio lhe dará uma certeza muito precária. E, curioso, nós estamos em uma civilização que há quatro séculos só confia nisto. (Pag 6)


Se, por exemplo, você viu um sujeito dar uma facada no outro e só havia você ali presente. Você viu, mas não foi pura percepção: você percebeu toda a conexão causal entre o ato assassino, a facada e o efeito mortal que aquilo teve sobre a vítima. Então há um raciocínio ali, que, no entanto, não foi feito nem com imagens na sua mente, nem com signos, nem com palavras: foi feito diretamente com os fatos que você estava percebendo; ou seja, era a lógica interna dos fatos que estava se mostrando para você. Suponha que as pessoas ponham em dúvida o seu testemunho e queiram provas.(…..) Isso é o que nos últimos
quatro séculos se chama de ciência, todo o edifício da nossa ciência é baseado nisso. Primeiro: a confiabilidade maior da construção indireta em relação à percepção direta. Segundo: a confiabilidade do testemunho coletivo daqueles que fazem o mesmo raciocínio que você e o confirmam e que conseguem, no máximo, confirmar experimentalmente um ou outro ponto de coincidência entre o seu raciocínio e o fato. Isso é assim porque toda esta atividade científica é uma atividade social onde o que se busca é a confiabilidade coletiva de certas coisas. Agora, se nós não estamos buscando confiabilidade coletiva nem estamos fazendo questão de que todo mundo acredite em nós, mas estamos interessados em buscar o conhecimento para nós mesmos, então é claro que é a primeira modalidade de conhecimentos que deve nos interessar. Ela pode dar a certeza total e absoluta, mas dificilmente você vai poder transpor essa certeza de tal modo que ela se torne confiável para outras pessoas. (PAG 6 e 7)


Todo o esforço da filosofia, pelo menos na Grécia, foi o de habilitar as pessoas a perceber a realidade. Aristóteles, que codificou a lógica pela primeira vez, sabia perfeitamente que, de tudo o que fora percebido na esfera dos fatos, só uma parte mínima era transposta na demonstração lógica. E também sabia perfeitamente a diferença entre a conexão lógica entre conceitos e a conexão fática entre entes e dados da realidade. Quando você estuda para ser um cientista ou um filósofo, o que você está fazendo? Você está desenvolvendo conhecimento? De maneira alguma. Você está desenvolvendo uma linguagem que lhe permite falar com outras pessoas do seu grêmio e obter delas a confirmação do que você está dizendo. E o objeto, o assunto? As coisas mesmas? Estão completamente ausentes disso aí. Quando você, por exemplo, recebe o diploma de mineralogia, não tem nenhuma pedra ali presente. Só tem o grêmio dos mineralogistas, o reitor da universidade etc. Você está se movendo não no ambiente da relação dos objetos da sua ciência, mas no terreno das relações humanas ,no terreno, portanto, da subjetividade coletiva, no terreno intersubjetivo e não no objetivo. A relação objetiva com a realidade é pessoal, intransferível e muda. O conhecimento existe é na hora que o mineralogista pega a pedra, olha-a, e ela
revela para ele a sua estrutura, portanto a sua composição e, assim, algo da sua origem, da sua história. Depois disso só o que existe é a transfiguração disso em símbolos e a comunicação humana – e a perda que há nesse trajeto é imensa.(Pag 7)


Muitos anos atrás tive de colocar esse problema para mim mesmo (vocês também vão ter de fazer esta opção):eu quero o conhecimento ou a comunicação? Eu quero saber o que as coisas são mesmo, ou eu quero ter um discurso que seja aprovado pela coletividade dos que acham que sabem? Então percebi uma coisa muito importante: você saber algo é saber algo que os outros não sabem. Se você só sabe o que os outros sabem também, vocês estão se movendo dentro da esfera de um recorte comum que vocês fizeram da realidade. Mas quando você está em face da própria realidade que não foi você quem criou, que não é você quem domina e dentro da qual você está(você está ao mesmo tempo diante e dentro dela),é ali que se dá o momento do conhecimento: no momento da percepção da realidade. A transformação disso em linguagem humana é um processo altamente complexo e falível. Foi isso então o que tive de decidir: vou perceber um monte de coisas com uma evidência incrível e não vou poder dizer para ninguém, porque não vou conseguir provar nada do que estou falando. Bom, você tem de escolher. Você pode provar uma parte mínima. Mas a testemunha de um crime não tem de provar nada, porque ela é a prova. (PAG 8)


Esse conhecimento do testemunho direto é o que constitui a substância da filosofia. Por isso um livro de filosofia jamais diz tudo o que tem de dizer. Por isso sugeri a vocês o exercício da leitura lenta, de complementar imaginariamente o texto até que os fatos mesmos da experiência de onde o filósofo arrancou a própria experiência apareçam para você. Com o tempo você pode desenvolver uma habilidade muito grande de retornar dos textos à experiência. Isso certamente ajudará você a fazer o processo contrário, que é ir da sua experiência real até uma expressão culturalmente eficiente. Mas expressar uma coisa de maneira culturalmente eficiente não quer dizer que você vai poder prová-la. Mas você quer o conhecimento ou a prova? A prova é uma coisa que você oferece para os outros. A testemunha de um crime precisa de prova? Não. Ela tem o conhecimento direto.(PAG 8)


Anos atrás escrevi uma apostila chamada “Inteligência, verdade e certeza”, na qual eu lembrava os componentes da ideia pura de ciência tal como descritos por Edmund Husserl em seu livro Filosofia Primeira. Ele dizia que a primeira condição é a existência da evidência, que é a percepção direta de alguma coisa. Por exemplo: eu percebo que estou falando a vocês neste momento; eu percebo que estou aqui. Se não existisse a evidência, todos os pensamentos seriam duvidosos. Mas a evidência só vale, evidentemente, para quem a tem. A testemunha do crime testemunhou o crime e não precisa de prova nenhuma: é ela que pode ser usada como um dos elementos de prova. Mas quem não esteve lá, não viu nada e não tem conhecimento da situação? Do que necessita? De uma evidência indireta, ou prova. A prova então consistirá de uma série de afirmações que têm uma conexão lógica com os dados apresentados pelas testemunhas e pela própria situação. Esta conexão, por sua vez , a conexão lógica que você faz, por exemplo, entre duas premissas e uma conclusão, o famoso “Todos os homens são mortais, Sócrates é homem, portanto Sócrates é mortal” –, é uma conexão de tipo lógica ou do tipo evidente? Se fosse uma conexão apenas de tipo lógico ,portanto indireta , precisaria de outra prova e outra prova e outra prova, indefinidamente. Isto quer dizer que a estrutura da prova lógica depende, por sua vez, da evidência. E “evidência” então é o objeto do conhecimento intuitivo direto. Isso significa que a evidência é tudo, porque ela dá o fato e também a conexão entre os vários passos lógicos do raciocínio. Isso é o mesmo que dizer: a lógica nada prova ,nada, absolutamente nada. A lógica só cria conexões entre afirmações, mas essas conexões só podem ser percebidas intuitivamente. Concluo: não existe conhecimento racional, só existe conhecimento intuitivo. Todo o racional é baseado no intuitivo. Estou chamando de “intuitivo” aquele tipo de raciocínio que você faz com os elementos da própria situação, e não com signos, com elementos criados pela sua mente. É o que eu chamo “intuicionismo radical”: não existe conhecimento lógico, não existe conhecimento racional, só existe conhecimento intuitivo. O racional não passa de uma conexão intuitiva entre elementos que já não são dados pelos fatos, mas dados mentalmente pelos conceitos que você criou. A conexão entre dois conceitos só pode ser percebida intuitivamente, não logicamente. Por exemplo: como percebo que um animal pertence a uma determinada espécie? Eu tenho um esquema, uma definição geral da espécie, e vejo que aquele indivíduo em particular se encaixa nessa espécie. Como posso perceber isso racionalmente? Não posso! Só posso perceber isso intuitivamente. Isso quer dizer que o primeiro tipo de conhecimento (aquele que aparece no suor da palma da sua mão) é o único conhecimento que existe! O outro é apenas um esforço para você conquistar uma confiança subjetiva naquilo que você já conhece, é apenas um esforço de autopersuasão, é pura retórica. A substância do conhecimento é uma coisa de percepção individual, direta, dificilmente transmissível. Aquilo que é transmissível, que é objeto de prova, não é conhecimento: é um conjunto de esquemas mentais que se refere muito indiretamente ao conhecimento. Por isso que, hoje em dia, quanto mais as pessoas estudam, mais burras elas ficam. (Pag 9)


Anos atrás, coloquei este problema: eu quero um conhecimento auto-evidente, firme, efetivo, ou quero um conhecimento que seja fácil, que seja moeda corrente? Esta última é facilmente aceita por todo mundo. Mas ela é facilmente aceita justamente porque não traz em si o conteúdo de realidade que o conhecimento direto traz. Então, de certa forma, o critério de conhecimento que é aceito na nossa sociedade é totalmente invertido: nós damos confiança máxima ao que tem confiabilidade mínima, e confiança mínima ao que tem confiabilidade máxima. Isto por que nós estamos confundindo as condições de certeza do conhecimento em si com as condições da sua transmissão mais fácil. Repito: essa capacidade de percebermos as relações fáticas, diretas, não precisa ser inconsciente. Os pesquisadores que fizeram o experimento na Universidade de Iowa analisaram a coisa por esse lado, falaram em “percepção inconsciente”. Mas se esse processo fosse consciente, alguma coisa se alteraria? Claro que não. Então a diferença, nesse caso, não é de ser consciente ou não; a diferença é que num caso há raciocínio feito com os próprios dados da realidade, e no outro há raciocínio com signos. Por assim dizer, num caso o raciocínio está na própria estrutura do acontecer, e no outro caso o raciocínio está apenas no cérebro. Por que o segundo seria mais confiável? Isso não faz sentido. Ele não é mais confiável. É mais fácil de reproduzir, apenas, e, portanto, mais fácil de ser transformado em moeda corrente, de ser confirmado por um monte de gente. Mas ele jamais terá o coeficiente de certeza dado pela observação direta. Ao longo da nossa tradição de quatro séculos, a observação direta serviu apenas como matéria-prima para montar um raciocínio, como se ela mesma não fosse um raciocínio, como se ela fosse irracional. Então, a testemunha que observou o assassino esfaqueando a vítima tem um conhecimento “irracional”, e “racional” será a prova montada, entre outras coisas, com o testemunho. Ora, é claro que quando o sujeito fez o raciocínio, quando ele percebeu que as cartas vermelhas estavam viciadas, e as azuis, não, isto é estritamente racional, é uma estrutura inteiramente lógica. Ele apenas não fez esse raciocínio dentro do seu cérebro, mas fez com os seus olhos, usando não signos mentais, mas os próprios dados da situação. Este é o conhecimento de certeza máxima que nós podemos obter. Nesse momento, estamos dentro do domínio da verdade. Quando raciocinamos e tentamos provar alguma coisa, não estamos mais no domínio da verdade; estamos no domínio da representação da verdade. E cada um de vocês vai ter de tomar esta decisão: querer viver dentro da verdade, ou querer viver dentro do mundo da representação, do subjetivo, do discurso, mesmo sendo do discurso coletivamente válido. Toda a cultura superior dos últimos quatro séculos está viciada nisso, e quanto mais se aprimora o establishment universitário (quanto mais gente, mais dinheiro, mais poder), pior as certezas mentais uns dos outros. Consequentemente, não é possível corrigir isso no establishment. Nós temos de corrigir em nós, individualmente. (Pag 10 e 11)


O predomínio da prova sobre a realidade, do signo sobre o significado, é a grande perversão cultural. E é justamente isso que nós temos de evitar. A filosofia existe, foi inventada, como um remédio contra isso. Nos diálogos socráticos, permanentemente Sócrates puxa as pessoas de volta, desde o seu mundo de ideias, para o mundo da experiência real. E é o que nós temos de fazer permanentemente conosco mesmos. Mas desistam de aprimorar a percepção direta. Ela não pode ser aprimorada. Não há exercícios
para isso. Aliás, ela não pode ser aprimorada porque ela já é perfeita. Ela é a percepção da realidade, é o conhecimento, e não pode ser aprimorada. Nós é que temos de nos aprimorar; temos de aprimorar a nossa personalidade para que aceitemos os dados do real. E isto é trabalho para uma vida inteira. É exatamente isto que nós estamos tentando fazer aqui. Temos de criar outro tipo de formação ,uma formação que quebre a autoridade dessas formas culturais hipnóticas e que coloque, no lugar disso, a autoridade do próprio real, tal como experimentado imediatamente, como no caso em que a mão começou a suar enquanto pegava a carta vermelha. Nesse momento é quando estamos na plenitude do
real, e percebendo o que está acontecendo mesmo. Mas como estamos percebendo com os próprios elementos da situação, e não com elementos mentais, não podemos repetir mentalmente o processo. Para repeti-lo, precisaríamos converter a experiência real num esquema mental. A certeza que esse esquema nos dá refere-se à experiência real, mas não a reproduz (representar e reproduzir são coisas diferentes).Isto quer dizer que, quanto mais pudermos nos ater à percepção imediata, melhor, porque o raciocínio é trabalhoso, é complicado, é demorado, e a possibilidade de erro é grande.(PAG 11e 12 )


Ora, uma cultura que exige mais a prova do que o conhecimento é uma cultura totalmente pervertida, porque toda prova é relativa. Nenhuma prova pode nos dar certeza absoluta; certeza absoluta é dada apenas pela percepção direta. Se exigimos sempre provas, provas e provas, e não queremos a percepção direta, não queremos conhecimento nenhum; queremos apenas um pretexto socialmente aprovado para acreditar em alguma coisa. Isto quer dizer que a exigência de provas (não toda a exigência de provas, mas neste sentido que eu estou falando) é uma fuga ao conhecimento, e uma busca de refúgio na autoridade. É, na verdade, um puro argumento de autoridade.(PAG 12)

FOTO DO OLAVO

Olavo de Carvalho: resumo da aula 16

Ideia principal: a importância da alta cultura para o aperfeiçoamento da personalidade



Eu gostaria de explicar nesta aula algumas condições socioculturais nas quais vocês terão de exercer sua atividade intelectual no Brasil. Este é um panorama que vocês têm de conhecer muito bem desde já porque é onde vocês vão viver e ele será o cenário das suas vidas. Para entrar nesse assunto e poder entender como é que essa questão se coloca no Brasil de hoje, precisamos ter primeiro uma ideia do que é alta cultura. À medida que o ser humano vai se desenvolvendo, atravessa, desde o seu nascimento, uma série de apropriações da linguagem, linguagem no seu sentido mais amplo possível, não só linguagem verbal, mas toda a apreensão e domínio de signos e significados. Vê-se então uma espécie de escalada em que o indivíduo vai conquistando círculos cada vez maiores de linguagem, que lhe dão acesso à convivência com círculos maiores de pessoas e, portanto, a maiores e mais complexas possibilidades da ação humana.

O primeiro círculo que ele tem de conquistar é claramente o da comunicação imediata com a sua família: o pai, a mãe, o irmão etc. Nós sabemos que ali todas as deficiências de linguagem que a criança possua serão supridas, de certo modo, pela própria família. Por exemplo, no caso da criança que chora porque quer alguma coisa e não consegue dizer o quê, os pais fazem um esforço para entendê-la e frequentemente acabam adivinhando. Não é propriamente ela quem domina a linguagem. Existe em torno dela um sistema de amortecedores que visa a facilitar a sua comunicação por um esforço a mais do receptor, e não do emissor da informação. É claro que esse sistema de amortecedores vai diminuindo à medida que o tempo passa. À medida que você cresce, espera-se que você mesmo domine sua linguagem sem que outros tenham de facilitar sua expressão. E assim por diante. Depois, o indivíduo começa a ter amiguinhos, vai para a escola e passa a ter de conquistar não só um repertório, mas um sistema de signos cada vez maior, mais organizado, flexível e eficiente. Até o ponto em que, já próximo da vida madura, supõe-se que o indivíduo seja capaz de expressar e comunicar tudo o que é necessário para sua subsistência na sociedade humana. E se ele não souber, então “dane-se”: se ele não consegue explicar as suas necessidades e os seus objetivos, ninguém tem nada a ver com isso, ninguém tem a obrigação de ser tolerante e compreensivo com ele.


No período da adolescência, quando o foco da convivência vai sendo transferido da família para o grupo dos seus coetâneos, pessoas da mesma idade, surge uma dificuldade que pode chegar a ser muito dolorosa em certas circunstâncias: a dificuldade da conquista da aprovação pelo meio social, que implica você ter de ser aceito pelos seus professores, pelos vários grupos de alunos. E a aceitação depende de que as pessoas o sintam como um semelhante, como alguém que fala a mesma língua deles e quer as mesmas coisas. Em tudo isso vigora sempre a definição de Santo Tomás de Aquino: a amizade como idem vele, idem nole , querer as mesmas coisas e rejeitar as mesmas coisas. Se o que você quer é aquilo que eu quero, se o que você rejeita é aquilo que eu rejeito, então você é meu amigo, você faz parte do meu grupo etc. Aqui nos EUA é muito comum ver como a sociedade criou uma série de mecanismos para facilitar essa integração, porque a formação dos grupos de amigos aqui se dá sobretudo pelas afeições comuns que as pessoas têm a certas atividades. Existem, por exemplo, clubes de debates, de música, de roqueiros, de punks etc. Então você logo encontra sua turma, adquire a mesma linguagem deles. Mas isso não é coisa fácil. Pessoas que no aprendizado propriamente escolar podem ir até muito mal, às vezes revelam uma habilidade extraordinária nesse sentido. Quando tomam contato com um novo grupo social, assimilam facilmente a linguagem daquele grupo e nele integram-se facilmente. Isso levou os estudiosos das inteligências múltiplas a reconhecer aí uma forma específica de inteligência, habilidade específica que chamam de inteligência social. Essa inteligência social, umas pessoas têm-na mais, outras, menos. E, com frequência, um indivíduo que vai muito bem nas matérias escolares, em matemática, ou em línguas, pode ser péssimo nisso. Ele pode conseguir aprender uma língua se você a ensina pela gramática, exercícios etc.; mas não consegue apreender aquele código complexo de conduta deste ou daquele grupo e, portanto, integra-se mal ali. Essa conquista da aprovação dos grupos sociais, sobretudo do grupo dos coetâneos, é um elemento básico da personalidade humana. O indivíduo pode simplesmente se desgraçar se não conseguir passar com certo êxito por essa etapa. Pode tornar-se um sujeito socialmente desajustado, alguém cujo nível de comunicação com os seus coetâneos não é adequado. O período que vai da adolescência à primeira mocidade, dos doze aos vinte um, vinte dois anos, é o período em que seu meio fundamental deixa de ser sua casa, sua família e torna-se a sociedade maior. É justamente nessa fase que aparece o problema da integração ou da adaptação social do sujeito. Note que também o conceito dos inadaptados ,desajustados, marginais etc. ,é relativo, porque o marginal também está integrado em algum grupo. Um sujeito que está totalmente fora das leis, que está sendo perseguido pela polícia não está socialmente desajustado, posto que está perfeitamente ajustado dentro do grupo dos narcotraficantes ou dos batedores de carteira. Ninguém existe sozinho. A existência humana se dá através de uma trama de relações que implica expectativas, aprovação e desaprovação, simpatias e antipatias; e nós temos de lidar com isso 24 horas por dia. Qualquer atividade humana implica sempre uma expectativa quanto às reações que as pessoas em torno terão a respeito daquilo. E quem não tem conhecimento disso, fica completamente desorientado. Ser capaz de prever, até certo ponto, as reações das pessoas a suas ações e palavras é condição sine qua non para viver na sociedade humana. Imagine a quantidade de conhecimentos que uma pessoa, por mais burra que seja, precisa ter simplesmente para viver em sociedade. Imagine a quantidade enorme de códigos. Pode ser que ela não seja capaz de expressá-los verbalmente, mas saberá operá-los de algum modo, coisa muito mais complicada do que aprender gramática na escola. A diferença é que esse aprendizado é puramente empírico e, na maior parte dos casos, tácito, feito por impregna semiconscientente de hábitos. E nós sabemos que tudo o que é aprendido sem uma atenção específica é muito mais fácil do que o que você aprende com atenção deliberada. Por exemplo, ao aprender a andar de bicicleta, se você tivesse de explicar cada um dos movimentos que fez, quais dão certo e quais não dão, você precisaria escrever enciclopédias inteiras sem jamais chegar a aprender a andar de bicicleta. O que de fato ocorre é que você tem certas impressões que, uma vez gravadas na sua memória, articulam-se umas com as outras, fazendo com que você acabe aprendendo o que é preciso fazer. Esse aprendizado não é totalmente inconsciente, mas o processo do aprendizado é inconsciente. O que se passou, a forma como você aprendeu, não é possível explicá-lo. Toda essa fase da vida é enormemente problemática e o que está em questão durante todo esse período não é nenhum problema objetivo, mas você mesmo. Seu centro de preocupação é seu próprio umbigo, porque você está interessado em saber se as pessoas o aprovam, se o que fez será bem ou mal recebido, se é um sujeito socialmente simpático ou antipático, se está dentro ou fora do código e assim por diante. O problema é você mesmo: você é um problema ambulante, um problema para você mesmo. Durante todo esse período, qualquer preocupação que o indivíduo tenha com questões objetivas nunca é direta, mas passa sempre pela preocupação subjetiva. Por exemplo, se o indivíduo está tentando aprender a jogar futebol, ele tem duas preocupações: a preocupação primeira, que é ser aceito pelo time, e o aprendizado da técnica do futebol, que é somente um meio para isso. O olhar que o sujeito lança sobre as coisas é sempre duplo, está sempre medindo a dificuldade externa em confronto com a sua dificuldade interna, seu próprio estado, mas o objetivo de todas as ações é sempre o próprio indivíduo, ele precisa de algo: de se integrar no grupo, da aprovação de tais ou quais pessoas, que a namoradinha goste dele e assim por diante. Esse período da adolescência e juventude é de um subjetivismo atroz, em que o critério máximo de julgamento de tudo é o próprio umbigo. Só quando os problemas básicos da integração social estão resolvidos e já não são mais problemas é que sobra espaço no HD mental do sujeito para ele pensar sobre problemas objetivos. E isso acontece quando a situação social do indivíduo se estabiliza de tal modo que ele já tenha o domínio dos códigos habituais e não precise mais pensar nisso. O sujeito agora tem um emprego, e sabe o que se espera dele naquele emprego, sabe o que tem de fazer , uma família, um conjunto de obrigações e desafios a enfrentar. E essa atividade se desenrola dentro de um quadro de expectativas sociais já estabilizado e que não necessita mais de uma atenção específica, a não ser que aconteça algo de anormal como, por exemplo, a mudança de chefe. O sujeito tinha um determinado chefe e, de repente, chegou outro com a mentalidade completamente diferente; criou-se momentaneamente um desajuste. Se esses desajustes acontecerem a todo momento, o sujeito estará liquidado, pois não conseguirá sair da situação de insegurança juvenil. Mas uma vez estabilizado o quadro, então ele estará pronto para desempenhar alguma atividade real, para cuidar de problemas objetivos. Se ele for um mecânico de automóveis, ele já não precisará mais saber se o cliente da oficina gosta dele. Ele precisa consertar o carro e para isso tem de deixar o problema subjetivo de lado e dedicar-se a resolver o problema real. Todo o período que nós chamamos de educação do indivíduo, desde a infância até o fim da adolescência, é centrado, portanto, na própria pessoa e o problema que então está sendo trabalhado é o do ajustamento social. Quando você está estudando história no ginásio, você não está interessado propriamente nos fatos que aconteceram na história, mas em ser aprovado no exame de fim de ano. O foco central é você mesmo. O aprendizado da história é um instrumento para você conseguir certa aprovação da qual você necessita. Também é claro que há aí, fora os problemas do aprendizado escolar, o problema das afeições, daquilo de que você gosta ou não. Nesse período você pode descobrir que gosta de certas disciplinas na escola e que não gosta de outras. Algumas mexem com a sua imaginação e lhe dão uma satisfação subjetiva. Note bem que mesmo aí o foco não está no objeto propriamente dito daquela disciplina, mas na satisfação que ela lhe dá. Por isso mesmo, todo o processo da educação é um teatro. Tudo o que se passa na educação não corresponde à realidade do que está sendo ensinado, mas à situação pedagógica criada. Por exemplo, no ensino de uma disciplina qualquer, a ordem do ensino não refletirá a estrutura interna da disciplina, mas a ordenação pedagógica que for considerada a mais propícia ao seu aprendizado. Portanto, coisas que não têm grande importância na estrutura interna da disciplina podem ter importância pedagógica, porque elas são mais fáceis de ensinar. Eu me lembro que quando eu estava no ginásio, tinha um professor muito original de biologia; naquela época estava havendo um problema diplomático entre o Brasil e a França, pois os franceses estavam pescando camarões nas costas brasileiras. Estava um bafafá, todos os dias saía algo no jornal. Então ele tomou aquilo como pretexto para dar aula de biologia em torno dos camarões e ficou seis meses lecionando camarões. Não porque os camarões dentro da ordem da estrutura total das ciências biológicas sejam tão importantes assim, mas porque pedagogicamente convinha àquele momento. Isso mostra como a estrutura da experiência educacional é totalmente centrada na pessoa do estudante e não na objetividade da disciplina que está sendo estudada. Já na passagem para a vida adulta a situação realmente muda, pois o que as pessoas esperam de você é que você desempenhe certas funções realmente. Note que o que está em jogo já não é sua aprovação social. Se você obteve um emprego é porque já foi aprovado para ele, não está mais em teste. O que se quer agora não é mais que você demonstre sua capacidade de estar naquele emprego, mas que resolva os problemas reais que se lhe apresentaram, por mais simples que sejam. Você pode ser o faxineiro que cuida dos banheiros: as pessoas não querem saber se você é capaz ou não, querem que o banheiro esteja limpo! Se você é um sujeito totalmente incapaz, mas consegue fazer aquilo, então está ótimo! Não é mais você quem está em julgamento, mas o efeito real das suas ações. O tratamento que as pessoas lhe dão vai se tornando, assim, progressivamente mais impessoal. Quando você já tem um papel social definido, passa a ser tratado não mais como Seu Fulano, mas como o representante daquele papel social, o qual implica certas obrigações. O que as pessoas querem é que você cumpra aquelas obrigações já definidas. Por exemplo, ao consultar um advogado, (ele não está sendo testado se é capaz ou não de ser advogado),é tão claro que ele é capaz, que ele já o é. O que você quer é que ele trate do seu caso com objetividade e chegue ao resultado desejado. Ainda que as relações pessoais não sejam suprimidas, elas passam para um segundo plano. Todavia, acontece que aquela fase de adaptação social deixa marcas profundas nas pessoas, por sua própria duração. Praticamente toda essa fase ,desde o instante em você começa a sair de casa até o instante em que você é reconhecido como um cidadão adulto com direitos e deveres definidos, foi vivida em função do problema da adaptação (saber se as pessoas gostam de você ou não, se o aprovam ou não). A longa duração desse processo faz com que esse critério de vida, que é o de buscar a adaptação e a integração em grupos, tenha uma função enorme na sua psique total e com que ela continue existindo mesmo quando não é necessária. Mesmo porque a lista dos círculos sociais nos quais você pode se integrar não termina quando você chega à idade adulta, há outros grupos mais importantes com os quais você pode querer se comunicar. Por exemplo, no caso de uma militância política você terá que adquirir uma linguagem, um conjunto de códigos, que lhe permita falar com os demais militantes. É um outro diálogo do que qual você quer participar e que já não se dá mediante o encontro pessoal, mas através das publicações do partido, ou do site do partido etc. Você está convivendo com pessoas que não vê mais, que estão longe de você. Então como você vai se integrar num meio social que você não enxerga como um todo, que só existe para você através da linguagem, falada ou impressa? É preciso conseguir certas habilidades lingüísticas especiais que o identifiquem com aquele grupo, é preciso aprender a falar como eles. E você tem de falar como eles de tal modo, que sua palavra escrita ,por exemplo, numa carta ao jornal do partido, independente da sua presença física, o identifique como membro daquela comunidade. Essas habilidades não são nada fáceis de adquirir. Aquilo que chamamos de alta cultura não é nada mais do que a integração em outro grupo humano. Matthew Arnold definia a alta cultura como aquilo que se disse que se criou de melhor ao longo dos tempos. Ao adquirir alta cultura, você está tentando se integrar no grupo das pessoas que podem conversar a respeito do que se disse que se criou ao longo dos tempos. Ora, as pessoas que fizeram isso, os autores dos clássicos como Homero, Aristóteles e Goethe, já não estão mais presentes. No entanto, depois de ler alguns livros, você começa a perceber que essas pessoas frequentemente se reportam umas às outras: cada uma sabe o que as outras fizeram. E você só pode se considerar um membro desse diálogo quando entende o que eles estão falando e conhece todo o sistema de inter-referências ali presentes. (PAG 1 a 6)


Aos poucos, você vai notando que todas as ideias, valores, critérios etc. que estão presentes na sua sociedade imediata, nos seus grupos, têm uma origem remota em alguma ideia que alguém teve nas altas esferas do espírito. Essa ideia pode lhe aparecer já totalmente degradada, estragada, mas se você rastreá-la, verá qual sua origem. E só quando percebe essa origem é que você começa a entender as verdadeiras implicações dessa ideia, pois passa a saber de onde ela veio, como se integrou na corrente histórica, quais as transformações que sofreu e quais suas possibilidades reais. Se você não faz isso, o conhecimento que tem dessa ideia é apenas um conhecimento de dicionário. É o conhecimento de uma palavra e não de uma realidade.(Pag 7)

Acontece, pois, que se você não sabe as fontes das ideias que funcionam como chaves interpretativas da situação presente, se não sabe de onde elas vieram, também não saberá lidar com elas. Dado qualquer debate público sobre o que quer que seja, todos os conceitos, as palavras, os termos que as pessoas estão usando como ferramentas interpretativas e descritivas da situação vieram da alta cultura, todas elas. Só que se você não sabe a origem, também não sabe a aplicação correta dessas ideias e frequentemente as transforma em fetiches como, por exemplo, na questão da opinião própria. Você acha que a opinião própria existe e que existe como se fosse uma coisa. Mas opinião própria é quase uma utopia e quem quer que tenha realizado um trabalho original em qualquer área da ciência ou das artes sabe disso. Um escritor, quantos procedimentos estilísticos inventou? Um ou dois, o resto ele aprendeu. Um filósofo, quantas ideias criou? Uma ou duas, o resto ele aprendeu. Quem pôs a mão na massa sabe como as coisas funcionam. Os outros, não; falam bobagens e coisas utópicas.(Pag 10)


Em geral, as pessoas que participam de um debate público, se não estiverem esclarecidas pelo universo da alta cultura, irão usar instrumentos descritivos e explicativos que fogem completamente da realidade. O que elas estão discutindo nunca é o que está realmente em jogo, o que significa que não são capazes de prever as consequências de suas escolhas e decisões e não têm controle nenhum do que estão fazendo, são um bando de loucos. É só rastreando as ideias até sua origem que se sabe para que essas ideias foram criadas, como é que esses conceitos funcionam e qual a diferença e a semelhança deles em relação à situação concreta que o momento lhe está apresentando.(Pag 10)


Esse ingresso no mundo da alta cultura significa que aquilo que foi criado de mais valioso e importante ao longo dos tempos por vários seres humanos tornar-se-á atual para você como possibilidades cognitivas e existenciais que você está realizando de novo. Você está repetindo, imitando, esses mesmos experimentos interiores e cognitivos que foram feitos por Homero, Aristóteles, São Tomás de Aquino, Shakespeare, Goethe etc. etc. E todas essas coisas vão tornar-se atuais para você no sentido de que são possibilidades que você
está realizando. Talvez você não as realize tão bem quanto eles, mas tem de apropriar-se daquilo. Eu conheço muita gente que estudou grego, latim, alemão, italiano etc. e lê esses livros, mas não chega a incorporar isso. Por que isso acontece? Porque o ingresso deles no mundo da alta cultura é feito por motivo subjetivista e egocêntrico. Por exemplo, o sujeito quer testar as suas forças para saber se pode ser professor não sei onde, ou quer tornar-se um intelectual famoso. Ou seja, está entrando numa conversação mais elevada com objetivos da fase anterior. É como um mecânico de automóveis que não quer consertar o automóvel, quer apenas agradar o cliente. Não consegue prestar atenção no automóvel, pois está prestando atenção no seu próprio umbigo. Ora, todo o ensino universitário dessas coisas é assim: você tenta conseguir um lugar na sociedade e, por isso, realmente não está livre para participar de um diálogo supra-temporal entre homens que já morreram, o qual não lhe trará nenhum proveito senão de tipo interior. Qual é esse proveito? Esse proveito é que na medida em que você participa desse diálogo, acaba adquirindo algum conhecimento sobre quem você é realmente, sobre quais são as suas possibilidades reais. Por exemplo, é impossível ler Shakespeare como se deve sem que todos aqueles personagens apareçam para você como possibilidades suas e como outras tantas superfícies nas quais você vai se espelhar e nas quais verá a complexidade das emoções, dos desejos, dos temores que se agitam dentro de sua própria alma. Foi para isso que Shakespeare escreveu as peças. Se você ler um grande filósofo como Aristóteles, São Tomás de Aquino ou Leibniz, estudando-os você perceberá as possibilidades mais extremas da inteligência humana em confronto com problemas dificílimos; e você vai acabar percebendo o que a sua inteligência pode e não pode. Durante o aprendizado de integração social acontece uma coisa muito curiosa: você se interessa, sobretudo, em você mesmo, mas tudo o que você sabe sobre você mesmo por esse meio não se refere a você realmente, mas apenas ao que os outros pensam de você. Então você está orbitando no mundo da autoimagem e não da sua realidade. Quer dizer, a sua identidade efetiva você só vai conhecendo ao testar suas últimas possibilidades de conhecimento, ou quando, por exemplo, lendo as Confissões de Santo Agostinho você vê que ele admite que desde pequeno, ainda no bercinho, tinha maus pensamentos contra a própria mãe, o que leva você a pensar: “será que eu também sou um filho-da-puta assim?” E você verá que é. “E se eu tentar melhorar, realmente? Agora eu quero ter outros pensamentos. Eu quero ter pensamentos de bondade, de generosidade etc.” E você tenta e vê que a coisa maligna volta, e volta, e volta, e volta e que frequentemente você tem de fazer um arranjo entre as duas coisas, porque não consegue melhorar efetivamente ,às vezes consegue, mas só um pouquinho. Então aí você está testando as suas possibilidades na esfera moral e começa a ter alguma ideia efetiva do que você pode e do que não pode; e isso naturalmente modificará o julgamento que você faz sobre a conduta alheia. Por exemplo, já vai fazer mais de 20 anos que eu adotei como norma para mim nunca esperar que alguém faça algo que eu mesmo não sei fazer. Então, se o sujeito tem uma má conduta, eu penso assim: “bom, e se eu tivesse, como é que eu faria para modificar isto?” Penso, penso e chego à conclusão de que não sei. E se não sei, como é que eu posso exigir que ele saiba? Então, deixa ele do jeito que ele está. Aí você começou a fazer um julgamento moral responsável, porque você considerou o outro como aquilo que ele realmente é, ou seja, como um semelhante. Ele é um ser humano e tem a mesma estrutura sua, ele tem mais ou menos o mesmo corpo de possibilidades que você. Ele não é Deus, não pode fazer mágica. Mas tem também de considerar as coisas que ele pode. E como é que eu sei que ele pode? Porque eu também posso. A partir daí sua vida moral começa a ter uma consistência. O conselho de São Tomás de Aquino: “tem sempre diante de ti o olhar dos mestres”. Ou seja, o que São Tomás de Aquino, Aristóteles ou Shakespeare pensaria do que eu estou fazendo agora? Note bem, na fase do aprendizado de integração social você quer saber o que um monte de idiotas pensaria a seu respeito, de pessoas que nem são melhores que você. E você se submete ao julgamento delas e tenta parecer bonitinho diante dessas pessoas, frequentemente você se submete a humilhações. Leia o meu escrito “O Imbecil Juvenil” e você verá quantos sacrifícios auto humilhantes uma pessoa faz para conquistar a afeição de quem às vezes não merece amarrar o sapato dela, só porque essa pessoa precisa daquele grupo. Agora você começa a se pôr a julgamento por pessoas muito melhores, que não estão interessadas em lhe enganar e que não precisam de você para nada que seja. Então, você começa a pensar não no que o seu Zé Mané ou a dona Fulaninha pensariam de você, mas o que São Tomás de Aquino ou Shakespeare pensariam do que você está fazendo. Adaptar-se a isso não lhe trará prêmio social nenhum. O único efeito que isso terá será o seguinte: você deixará de ser uma bolha de sabão e irá se tornar um ser humano de verdade, um ser humano que é capaz de falar a palavra “eu” com conhecimento de causa, um ser humano capaz de assumir responsabilidade perante si mesmo, um ser humano capaz de conhecer seus próprios méritos e deméritos e de tomar decisões com toda firmeza e sinceridade.(Pag 14 e 15)


São somente as pessoas investidas realmente da alta cultura, no sentido mais sério da coisa, que podem dar um senso de medida ao debate coletivo, porque todas aquelas “ideias” em circulação, que refletem apenas necessidades subjetivas de pessoas ou de grupos, só adquirem sentido quando se referem a um diálogo mais universal, que é, no fundo, a origem de tudo isso. Fora isso, essas ideias são apenas expressões de anseios subjetivos totalmente desencontrados entre milhares de pessoas que estão tentando buscar uma identificação umas com as outras. Qualquer que seja o assunto sobre o qual
elas falem, elas nunca falarão de fato do assunto, mas estarão sempre falando de si mesmas e de suas necessidades. E há pessoas sendo bem pagas para fazer essa porcaria. Nos artigos de jornal e suplementos culturais de uns 50 anos atrás, você via que havia algumas pessoas que personificavam de certo modo a alta cultura. Ou seja, elas elaboravam esses problemas profundamente, referindo-os àquilo que se disse e se pensou de melhor sobre o assunto ao longo dos tempos. Tudo isso vivenciado não apenas como leitura exterior, mas como experiência interior efetiva. Hoje não há mais isso; e como não há mais, o debate público se esfarela em um festival de loucuras, evidentemente. Todo esse debate não tem importância nenhuma, porque ninguém sabe do que está falando,
cada um só sabe o que quer. “Eu sei o que eu quero, eu sei os meus anseios, as minhas necessidades e estou aqui como num grupo de psicoterapia para falar de mim, para que vocês atendam às minhas necessidades subjetivas, para que vocês me digam que eu sou alguém”. É para isso que as pessoas falam. Isso é uma usurpação de altas funções por pessoas que não estão absolutamente qualificadas nem intelectualmente, nem moralmente e muito menos existencialmente para isso. É por isso que o debate é tão oco, tão pobre, tão vazio, tão miserável! (Pag 16)


E o que é que se pode fazer contra isso? O que nós estamos fazendo aqui: treinar uma nova geração de pessoas para que adquiram esse aprendizado com toda a seriedade, com toda a sinceridade e depois ocupem o espaço e tirem aquelas pessoas de lá, porque elas estão fazendo mal para a sociedade. Eu não posso ler um Contardo Calligaris, um Luís Fernando Veríssimo ou um Leonardo Boff sem entender que o que eles estão fazendo é um crime. E não é por causa do conteúdo do que elas dizem, pois o pessoal dito da direita faz a mesma coisa. O sujeito só escreve para mostrar-se: “olha como eu pertenço a este grupo, olha como eu estou bem encaixadinho aqui, olha como as outras pessoas do mesmo grupo gostam de mim”.Até um sujeito católico faz isto! Ele escreve, por exemplo: “olha como eu sou fiel à hierarquia” ― que palhaçada é essa, meu Deus do céu? Se ele fosse realmente fiel à Igreja, essa fidelidade seria interior e ele estaria livre para analisar as coisas como realmente as vê, sem precisar ver a todo momento se o que está falando está de acordo com a hierarquia. Quer dizer, a sua fidelidade à hierarquia é puramente exterior, imitativa, mecânica e falsa. Os grandes escritores católicos, como Leon Bloy e George Bernanos, nunca se preocupam em saber se o que eles estão falando está de acordo com a hierarquia. Aliás, esses escritores são os mais personalizados que existem. Quando você os lê, vê que são almas humanas de verdade, que estão ali falando com você, não um Código de Direito Canônico que ali está a abrir a boca. Mas depois que a literatura católica chegou a esse nível, com o Leon Bloy, Bernanos, Chesterton, meu Deus! Olhem o que hoje se considera um formador de opinião católico! É um bocó de mola que só quer mostrar como ele é um bom menino, quer agradar o bispo. E alguém ainda acha que com isso vai conquistar um lugar no céu? Vai para o inferno, é certo que vai!(……)(Pag 16 e 17)


Vocês têm, então, uma missão a cumprir. Vocês irão fazer este curso até o fim, adestrar-se nessa coisa, irão virar seres humanos de alto valor e inteligências de alto gabarito e ocupar o lugar dessa gente. E é para tirá-los de lá a pontapés. Por exemplo, que um sujeito como o Luis Fernando Veríssimo se considere um escritor é um insulto à literatura. Não é que ele não seja um escritor, ele não sabe o que é. Ele não sabe, Paulo Coelho não sabe, Marco Maciel não sabe ,essa gente toda que está na Academia Brasileira de Letras. A Academia Brasileira de Letras está cheia de iletrados! Não iletrados no sentido escolar, mas no sentido da grande literatura. Meu Deus do Céu! Preste bem atenção, este é um ponto já bastante assentado dos estudos literários no mundo: um escritor é alguém que participa da tradição de uma arte, ele não é um sujeito que, partindo do nada, decidiu escrever alguma coisa. Há sim alguns escritores que conseguem se acertar na tradição mesmo tendo pouca cultura literária, porque do pouco que leram, absorveram tudo, sem nem saber como, por uma aptidão especial. Um sujeito que não lia muita coisa era Nelson Rodrigues. Mas do que ele lia, ele ficava impregnado. Então ele entra na tradição, ele é um escritor. Ora, para que servem os escritores? Os escritores são pessoas que servem para tornar dizível a experiência direta humana. É uma função da mais alta importância, é função salvadora, porque tudo aquilo que se passa na alma humana que o ser humano não consegue dizer adquire um poder fantasmagórico em cima dele. Na hora em que você domina aquilo e consegue exprimir pela palavra, você exterioriza aquilo e aquilo deixa de ter poder sobre você. Então é quase uma função de exorcismo. Sem essa função não existe civilização, não existe cultura, não existe sociedade humana, não existe lei, não existe ordem, não existe liberdade, não existem direitos humanos, não existe ciência, não existe nada! As civilizações foram fundadas pelos poetas, eles tornam a experiência dizível e por isso permitem a convivência humana. Não fosse isso, estaríamos isolados nas nossas experiências, nos nossos sofrimentos, como cachorros. Às vezes o nosso cachorro sai, vai pro mato e volta chorando. E a gente olha e pergunta “está machucado, levou um susto, alguém te bateu, a raposa te mordeu, o que é que foi?” Ele não sabe dizer! Aquela experiência ficará guardada nele para sempre, ele nunca irá se livrar daquela porcaria. O ser humano não, ele fala. E na hora em que ele fala, aqueles monstros que se agitam dentro dele tornam-se reconhecíveis pelos outros e através disso ele se liberta dessa coisa.(……)(Pag 17)

A LINGUAGEM É TUDO PARA O SER HUMANO

A linguagem é tudo para o ser humano. Quando Aristóteles fala no “animal racional”, esse “racional”, do grego logos, quer dizer “linguagem” também, refere-se ao animal que fala. É através da fala, é através da linguagem que você conquista a sua participação nesses vários círculos de intercâmbio humano, desde o círculo da sua família, passando depois pelo círculo do ginásio, até o círculo da alta cultura. Agora, depois do círculo da alta cultura tem mais algo?Tem, porque quando se chega aí você já aprendeu a conversar com os mestres, você se põe diante do olhar deles, sob o julgamento deles , não sob o julgamento do Seu Zé Mané ou do seu professor. Não, não, não! Você se põe sob o julgamento dos melhores. Depois você começa a ter uma ideia do Interlocutor universal, interlocutor onisciente, e então passa a pensar não mais no que São Tomás de Aquino pensa de você, nem no que Shakespeare pensa de você, mas no que Deus pensa de você. E isso começa a fazer sentido para você. Fora disso, a palavra Deus não quer dizer nada para você; e se você acredita nele ou não, é absolutamente irrelevante.(Pag 18)


(……). E entendam, por favor: eu peço que durante o curso vocês se abstenham de dar palpites, de dar opiniões. Fiquem quietinhos, estudem e preparem-se para, quando entrarem na arena, entrarem com tudo, com toda a força, como eu mesmo entrei. Quando se publicou o meu primeiro livro que teve um alcance público, O Imbecil Coletivo – o primeiro de fato foi O Jardim das Aflições, que teve uma tiragem mais modesta – toda esta pseudo-intelectualidade tremeu nos alicerces, porque sabia que eu não era mais um. E se, em vez de haver um sujeito fazendo isso, houver quatrocentos? Estará acabada a brincadeira. E nós temos que acabar com essa brincadeira, é nosso estrito dever, dever de cada um de vocês, preparar-se não só intelectualmente, mas humanamente, moralmente, psicologicamente para enfrentar essa responsabilidade. E eu tenho consciência de que não estou só espremendo e exigindo algo dos outros, sei também que não estou exigindo nada que não sei fazer, porque eu sei fazer isso; não só sei, como já estou fazendo. Nós temos que sanear intelectualmente o Brasil: isso é a coisa mais urgente que existe. Urgente significa uma coisa que vai levar vinte, trinta anos… mas em história isso aí não é nada.(Pag 19)

FOTO DO OLAVO

Resumo da aula 14 do COF

Ideia principal: o problema da busca da verdade


Eu quero dedicar esta aula a um problema que todo mundo se coloca: o da busca da verdade. Vemos muitas discussões sobre o tema da verdade, sobretudo no confronto entre os relativistas e os que acreditam na existência de uma verdade objetiva que pode ser alcançada. Essas discussões todas só fazem mal para a cabeça. A verdade é um conceito tão importante, tão decisivo para nós, que perder tempo com essas polêmicas é um verdadeiro pecado. O que você tem de fazer é colocar o problema
seriamente para si mesmo: fazer deste problema uma questão da sua orientação na vida e enfocá-lo com toda a responsabilidade possível.(PAG 1)


Qual foi a primeira vez em que isso apareceu para você? Suponhamos que você esteja montando um quebra-cabeça e, depois de tentar várias peças, você vê que umas se encaixam, e outras não, mesmo que você force. Ao encontrar a peça que se encaixa, isso tem para você um valor um pouco maior do que a mera experimentação das outras peças, você tentou várias, mas uma efetivamente se encaixava ali. Essa peça certa tem um valor especial, que aparece justamente no contraste com as outras peças que não se encaixavam.(PAG 1)


Num segundo nível, você tem aquela experiência diferenciada, e percebe que ela vale um pouco mais do que as outras. Isso já é um componente que vai entrar na sua idéia da verdade. A partir do momento em que o ratinho aprendeu qual é a alavanca certa, ele já sabe que não adianta apertar as outras alavancas ,ele pode até tentar, mas não vai dar em nada. Portanto, ele sabe que as coisas são de um certo modo e não são de outro, esse contraste já ficou bastante claro para ele. Até um animal bem burrinho como o rato consegue ter essa base inicial. Isso ainda não basta para compor a noção de verdade, mas é um dos seus elementos. Claro que o rato não chega com isso a adquirir a noção da verdade, mas ele tem um dos seus componentes, que é a distinção entre uma certa ação, ou uma certa experiência, que significa algo para ele, e outra que não significa a mesma coisa.(PAG 2 )


Então, nós temos essa duas características da verdade: primeiro, ela vem por contraste; segundo, ela nunca vem sozinha. Além, evidentemente, de ela ser uma coisa que você sabe que não adianta negar. Mas a experiência efetiva da verdade, que vai lhe dar toda a dimensão do que está em jogo, não se trata nem de apertar uma alavanca, nem de encaixar uma peça num quebra-cabeça, mas de reconhecer aquilo
que você mesmo fez ou pensou.(PAG 2)


Para a quase totalidade dos seres humanos, o problema da verdade surge neste momento. Esta é a experiência mais caracteristicamente humana da verdade: a verdade como oposta à mentira , não somente oposta a um erro. No caso do quebra-cabeça, quando você tenta encaixar a peça e ela não entra, há apenas um erro, não houve nenhuma mentira, não houve implicação moral alguma. (PAG 3 )


Portanto, a experiência da verdade vem junto com a noção de que você pode mudar a situação. Ao mudá-la, você inaugura uma outra situação que não existia antes, inteiramente da sua invenção, e você terá de sustentá-la dali em diante. Mas se você confessa a verdade, o que acontece? Você encaixa a situação presente num passado que só você conhece, e que agora se torna de domínio público: os papéis não mudaram, nem as funções. Sua ação do momento é então reencaixada dentro de uma linha normal de tempo. (PAG 3)


Em geral, os filósofos (no sentido profissional da coisa) analisam a questão da verdade fazendo abstração do problema da sinceridade: eles querem resolver o problema da verdade em si, o problema teórico da verdade. Eu acredito que isso não é possível de maneira alguma. Por exemplo ,na lógica analítica, há as tábuas de verdade, uma sequência de proposições expressas por símbolos (estas são verdadeiras; aquelas são falsas). Coloca-se um signo de verdadeiro aqui, um signo de falso ali. Tudo isso, evidentemente, são verdades hipotéticas, porque você pode preencher aquilo com afirmações que não se referem a nada. Por exemplo, quando se diz que A=A, você não precisa saber o que é A para saber que ele será igual a outro A. (PAG 3 e 4)


Quando nós transferimos o problema da verdade para uma abordagem lógica, em vez de uma abordagem descritiva como a que eu estou usando, nós automaticamente fugimos do problema, porque lógica nunca, nunca se refere à realidade. A lógica é uma articulação de relações possíveis entre conceitos, ou proposições, ou até entre signos, como se fosse uma regra do jogo, e essa regra do jogo funcionará igualzinho se você preenchê-la com referências verdadeiras, factuais, ou se você a preencher com conteúdos completamente imaginários. De cara, nós vemos que a lógica não é o instrumento certo para a investigação da verdade e, sobretudo, para a sondagem do próprio conceito de verdade. Em lógica é considerado verdade aquilo que é confirmado por uma proposição anterior. (PAG 4)


Aristóteles tirou a lógica do estudo das espécies animais, no momento em que tentava classificá-los segundo as suas várias aparências, sua estrutura anatômica etc. Ele inventou a anatomia comparada. No instante em que tentava descobrir o parentesco entre os animais, Aristóteles já tinha ali o problema das categorias: como é que eu vou classificar? Com base em quê eu vou classificar? Se, ao observar um animal, eu olho a cor da sua pele, e, ao observar um outro, eu observo o seu tamanho, eu não posso
compará-los. A comparação tem de ser feita com base em caraterísticas unitárias: o mesmo aspecto deve ser olhado neste e naquele animal. Mais ainda: um aspecto separado não basta; você tem de ver um aspecto e a articulação dos vários aspectos, e daí você pega a estrutura inteira aqui e compara com outra estrutura inteira lá.(PAG 5)


Aristóteles disse que o discurso lógico (que ele chamava de analítico) por si não fornece conhecimento; apenas averigua a coerência do discurso. Verificar a coerência do discurso é uma providência preliminar para se descobrir se ele é verdadeiro ou falso: a coerência do discurso é uma condição para que ele possa se referir à realidade. Porém, a investigação propriamente dita, que enfocava o objeto concreto real (fosse objeto da natureza, da sociedade humana, da alma humana),funcionava de uma outra maneira. Aristóteles acreditava que todas as coisas, tudo o que existe, seja material ou imaterial, possui em si uma forma, uma estrutura, e que essa estrutura é inteligível, o ser humano consegue percebê-la, o que aliás, é uma obviedade. (PAG 6)


Qual é a maneira correta de investigar o problema da verdade? É rastrear como a noção da verdade passou a existir para você. Talvez você não chegue a um conceito da verdade, mas terá uma noção suficientemente clara para poder reconhecê-la, quando ela se apresentar de novo. É isso aí que eu chamo de método da confissão. A confissão começa pelo procedimento oposto àquele que se tornou comum depois de René Descartes: em vez de colocar tudo em dúvida, você vai começar por reconhecer o que você já sabe e o que não pode deixar de saber para poder colocar essa questão que você está colocando.(PAG 8)


Quando eu digo que existe uma relação intrínseca entre o conhecimento da verdade e a sinceridade, eu estou dizendo que a mesma armadura lógica que você usou para contar os fatos transcorridos antes é a que se aplica ao fato que está ocorrendo agora. Para você reconhecer um simples ato anterior que você praticou, e para confessá-lo, você tem de, no mesmo ato, afirmar a unidade do real, a unidade da sequência temporal e a inseparabilidade das causas e efeitos. Portanto, o ato da sinceridade, o ato do reconhecimento sincero, não só coloca você numa posição real em relação ao seu próprio passado e em relação à pessoa com quem você está falando, mas reafirma a unidade de tudo isso. Para você reconhecer o que fez, tem de reconhecer também:
(a) o que está fazendo agora;
(b) a realidade da pessoa que está presente, fazendo-lhe a pergunta;
(c) a relação entre você e o seu ato;
(d) a relação entre o seu passado e o seu presente;
(e) a relação entre o seu presente e o seu futuro, que é a resposta, a reação que você
espera dessa pessoa.


Você articula tudo isso. Mas teve de articular mentalmente? Teve de inventar isso? Não, não teve de inventar nada. Você teve de pensar tudo isso? Não. Conscientemente, você só lembrou do ato passado e o falou e você não poderia fazer isso sem automaticamente afirmar a unidade daquilo tudo. Assim, você se colocou dentro de um conjunto de relações que não foi criado na sua mente, mas que se impôs
a você como realidade da sua vida. Esse é o único método de investigar a verdade. Se você, ao investigar a verdade, começa a transformá-la num conceito abstrato e a trabalhar com ela separadamente do elemento de sinceridade, do tecido de relações com a sua experiência, você não está falando da verdade, mas apenas do conceito da verdade.(PAG 7 e 8)

Esse conceito, por sua vez, adquire uma espécie de independência em relação experiência real. Quando você diz que está procurando a verdade, mas determina que ela é uma verdade separada da experiência, você já está dizendo, neste ato, que ela é incognoscível – daí você não a encontra e conclui que não existe verdade nenhuma! Realmente, essa verdade, tal como você a concebeu, não pode existir mesmo. Se você está procurando a verdade e, ao mesmo tempo, a separa do tecido real da experiência, é claro que você não poderá encontrá-la. Você fez aí uma espécie de armadilha e se prendeu dentro dela: você se colocou uma questão impossível e, não encontrando a resposta, diz: “Não se pode encontrar verdade nenhuma.” Não, essa verdade que você está procurando não existe, mas talvez alguma outra exista.
Qual é a maneira correta de investigar o problema da verdade? É rastrear como a noção da verdade passou a existir para você. Talvez você não chegue a um conceito da verdade, mas terá uma noção suficientemente clara para poder reconhecê-la, quando ela se apresentar de novo. É isso aí que eu chamo de método da confissão. A confissão começa pelo procedimento oposto àquele que se tornou comum depois de René Descartes: em vez de colocar tudo em dúvida, você vai começar por reconhecer o que você já sabe e o que não pode deixar de saber para poder colocar essa questão que você está colocando. (PAG 8)


Aristóteles, quando inventou a ciência da lógica, teve a preocupação de que ela não fosse um esquema verbal totalmente independente da realidade, mas a expressão formal de relações abstraídas da própria realidade, de modo que, do discurso lógico, se pudesse retornar à experiência – o que é a base mesma de tudo o que nós entendemos como ciência. No outro extremo, depois de passados dois mil e duzentos
anos, já no ano 1800, Hegel vai dizer que a capacidade cognitiva mais fundamental que o ser humano possui é a de se isolar de toda a realidade existente, de todo o dado, e concentrar-se apenas nas relações lógicas que estão no seu pensamento: abstrair o mundo. Na hora em que você abstrai o mundo, diz ele, você sobe para a esfera da universalidade, porque não estará mais dependendo do fluxo das experiências, passando a se mover agora na esfera do universal absoluto e incondicional. Tudo isso é verdade, mas esse incondicional é puramente hipotético, não tem conteúdo nenhum. O método que Hegel considera certo para investigar a verdade é um método que só serve para investigar a armadura lógica, não das coisas, mas do próprio discurso. E você não pode ter nenhuma certeza de que esse discurso tem alguma coisa a ver com a realidade. O que Hegel propõe é a total ruptura com aquele mesmo universo que Aristóteles pretendia entender. Existe uma longa tradição dessa separação. Uma das etapas é com o próprio Descartes: é duvidar de tudo – colocar o mundo inteiro entre parênteses para sobrar só eu pensando. Spinoza faz a mesma coisa, nega toda validade ao conhecimento por experiência. Ele diz que nós temos de nos colocar no plano da dedução pura e racionar da seguinte maneira: nós inventamos uma coisa e, em seguida, vemos as condições internas que essa coisa precisa para ser ela mesma. Ele dizia: “Você desenha mentalmente uma linha, um segmento de reta. Tomando um ponto qualquer desse segmento de reta, você traça um semi-círculo, como num compasso mental – daí você
terá uma linha e um semi-círculo. Em seguida, você gira mentalmente esse semi-círculo e obterá necessariamente uma esfera.” Esse é o modelo do método dedutivo de Spinoza; tudo tem de ser construído assim.Tudo isso funciona, mas do que ele está falando? De absolutamente nada. Ele está
falando de formas mentais que ele concebeu e cuja coerência interna ele mantém. Ora, mas nada mais fácil do que ser coerente num jogo que você mesmo está inventando! O difícil é ser coerente quando essa coerência não se refere apenas a formas inventadas, mas a dados do mundo real, que nos vêm fragmentados, incompletos e estão sempre mudando. Toda a escola que se chamou racionalista acreditava que se podia conhecer tudo por dedução pura, e esse racionalismo vai culminar em Hegel. Mas o que há de comum entre todos esses filósofos tão diferentes – Descartes, Spinoza e Hegel? É que eles não querem nada com a realidade; eles querem com a universalidade. O próprio Hegel reconhecia que esse dom que o ser humano tem de se levantar até o plano da universalidade lógica, negando o dado, negando o universo inteiro e negando até a si mesmo, era extremamente perigoso, porque daí vinha a tentação de o ego impor as suas próprias regras ao mundo – e essas regras, como eram todas baseadas em universalidade abstrata, só podiam ser a regra do niilismo e da destruição total. Eu
escrevi um artigo, pouco tempo atrás, para o Diário do Comércio, chamado “A lição de Hegel”, isso está explicado lá. Hegel pelo menos tinha consciência de que estava mexendo com fogo; os outros não tinham – Spinoza e Descartes falam tudo aquilo com a maior inocência, acham que estão fazendo uma coisa linda. Hegel era um pouco mais inteligente do que eles e dizia: “Olha, esse negócio que eu estou fazendo pode dar bode.” Esse procedimento é exatamente o contrário do que se usava na filosofia grega.
Sócrates apela ao método da anamnese: quando, no diálogo Mênon, ele interroga o escravo e mostra que ele tem implicitamente o conhecimento de certas regras da geometria, ele está apelando à memória do escravo, não à capacidade construtiva da mente dele. Então, quando você entra na memória, você está entrando na sua verdadeira história – seja a história externa, seja a história interna. O que o escravo
está fazendo? Está confessando que ele sabe uma coisa que ele não tinha percebido que sabia. Vocês imaginem aonde se pode chegar só por esse método: você contando para si mesmo as coisas que você fez, as coisas que você pensou, e procurando dentro de você a resposta para a pergunta: para saber isso, o que mais eu precisei saber? (PAG 8 e 9)


O que Sócrates, Platão e Aristóteles faziam é exatamente o contrário: eles procuravam reinserir o sujeito na sua história real. Ao ser interrogado por Sócrates, o escravo dizia as coisas e olhava para ele, como que perguntando: “Não é isso?” E Sócrates dizia: “É exatamente isso.” Havia ali um duplo testemunho. Na primeira experiência da verdade – o primeiro conhecimento sério que você tem da verdade, a primeira vez em que a palavra “verdade” significa alguma coisa para você –, ela lhe aparece ligada à sinceridade, à responsabilidade e à presença do outro, do seu semelhante. É a confissão mútua. Esse reconhecimento entre os dois personagens, no instante em que as palavras que você está dizendo agora restauram, perante a sua mãe (no exemplo do móvel quebrado), a seqüência real dos acontecimentos, faz com que inúmeras linhas de conexão apareçam todas articuladas ali: conexão de passado e presente, conexão de
sujeito e objeto, conexão de agente e paciente da ação, conexão de causa e efeito. Tudo isso forma um tecido de uma densidade formidável, e é essa densidade que lhe permite dizer que você está na presença do real, porque você está presente ao real. Ninguém precisou ensinar isso aos gregos, eles nasceram sabendo. Sócrates, quando interrogava as pessoas, baseava-se na sua própria experiência: “Você sabe algo a respeito de tal ou qual coisa, então me diga o que você sabe.” E ele notava que o que a pessoa dizia não conferia exatamente com a experiência dela, então ele falava: “Não foi bem isso o que você viu; você só está dizendo isso agora. Você não está reproduzindo a experiência real que você teve, mas está criando, construindo uma outra verdade hipotética agora, neste momento, para mostrar para mim.” Por exemplo, quando ele pergunta o que é justiça, e o sujeito diz: “Justiça é favorecer os amigos e sacanear os inimigos.” Seria o caso de dizer: “Foi isso o que você sempre fez? Quando fazem isso com você, você acha que é justo?” É claro que não. Se eu tenho certos méritos para obter um cargo, mas o chefão dá cargo para outro, que é amigo dele, eu me sinto injustiçado. Então é claro que aquele sujeito não praticava essa definição de justiça que ele ofereceu só para enganar ao Sócrates, ou para enganar a ele mesmo. A definição que ele apresentou foi inventada na hora; é uma construção, e não uma expressão da experiência real que ele tinha.(Pag 10)


Quando a Europa inteira estava brincando com esse negócio de construir estruturas racionalistas, tinha um sujeito totalmente desconhecido na Itália, uma camarada chamado Giambattista Vico, que dizia o seguinte: “Nós só conhecemos perfeitamente aquilo que nós mesmos fizemos. Nós não podemos
conhecer o mundo da natureza perfeitamente, porque não fomos nós que o fizemos, mas podemos conhecer o mundo da alma humana, o mundo da história humana, o mundo da sociedade. Por quê? Porque nós mesmos os fizemos.” Então, esse conhecimento vem antes do outro (o da natureza). É incrível, porque hoje em dia todo mundo acredita que existe um conhecimento objetivo das ciências naturais, onde a verdade é muito fácil de alcançar, e existe um outro mundo, duvidoso, nebuloso, que é o mundo da sociedade humana. Isso é totalmente esquizofrênico! É claro que é muito mais fácil compreender ações humanas do que compreender a natureza. Acontece que faz muitos séculos que a ciência não se ocupa em compreender a natureza, mas apenas em observar certas relações mensuráveis e compará-las com outras relações mensuráveis. Com a finalidade de quê? De compreendê-la? Não; de operá-la tecnicamente –é o que Bertrand Russell chamava de “a verdade técnica”. Russell, expressando muito corretamente, diz que, desde a Renascença, o que nós entendemos por verdade não é o que as coisas são, mas aquilo que nos permite operá-las de uma certa maneira. Mas, quando você descobre ser possível fazer uma certa operação técnica sobre um certo objeto, você só descobriu uma única
coisa a respeito dele, e essa coisa não diz respeito a ele, mas às ações que você pode fazer com ele. Ora, qualquer objeto do mundo pode ser objeto de infinitas ações humanas. Por exemplo, o porco: você pode matá-lo e comê-lo, ou você pode criá-lo como se fosse um cachorro de estimação. São ações completamente diferentes. Mais ainda: a capacidade que você tem de transformar os dados da natureza revela sempre um potencial que esses objetos têm, mas esse potencial pode não ser o principal. Você
nunca sabe se o que você está observando da natureza pelos métodos da ciência moderna é importante ou não na estrutura geral da natureza. É impossível saber isso por esses métodos. Ou seja, a característica fundamental da ciência moderna é ter desistido de compreender a realidade e passado a encarar todo o conjunto da realidade apenas como um conjunto de possibilidades de ação técnica sobre a natureza. É claro que, quando você ajuntar centena de possibilidades de ação técnica sobre tal ou qual coisa, talvez você conheça algo sobre ela. Mas essa centena de possibilidades vindas de várias ciências diferentes é inarticulável. Todo o conceito moderno de conhecimento não é propriamente conhecimento; é uma
outra coisa. Não quer dizer que não tenha o seu valor. Se tem um sujeito que gosta de tecnologia, que aprecia tecnologia, sou eu. Mas eu sei que a tecnologia não é um conhecimento dos objetos; é o conhecimento de possibilidades de ação humana sobre esses objeto. A impressão que nós temos de que a natureza é um conjunto de dados objetivos e que o mundo humano é uma confusão, uma névoa total, é uma exata inversão da realidade. Mesmo porque, o que a ciência conhece da natureza são as possibilidades de ação humana sobre esses objetos. Em toda essa tecnologia, nós estamos conhecendo o quê? O ser humano ,mais o ser humano do que o objeto sobre o qual incide a ação dele. O simples fato de existir tecnologia, de nós podermos estudá-la, mostra uma quantidade imensa de processos de ação humana que são perfeitamente cognoscíveis (para você obter o efeito “x”, você tem de fazer isso, mais isso). Tudo isso é o que? É ação humana. (PAG 12)


A passagem do mundo medieval para o chamado mundo moderno é quase que universalmente, ou popularmente, descrito como a passagem de um universo regido pela fé, misticismo e princípio de autoridade para um novo mundo regido pela razão, pela ciência, pelo conhecimento experimental dos fatos e pela análise crítica. Isso aí chega ao cúmulo no Iluminismo, que Kant define como “o fim da servidão humana”, quer dizer, o ser humano não tem de seguir nenhuma autoridade: ele tem de usar a
sua própria razão, tem de se libertar do jugo da autoridade e ousar usar a sua própria inteligência para compreender o mundo real. Essa imagem vem associada a uma série de corolários. Corolário número um: a emancipação em relação à autoridade era também a inauguração de uma época de liberdade civil – direitos humanos, governo constitucional etc. Segundo: a libertação não era somente civil e política, mas era uma libertação intelectual e espiritual. Todos os seres humanos agora despertavam para o uso da razão e, portanto, chegavam ao que Kant chamava “maturidade”. Ele diz que a imaturidade é se submeter voluntariamente a uma autoridade, não por incapacidade, mas por covardia. E, em terceiro lugar: a emancipação do homem não seria apenas civil, política, intelectual e espiritualmente, mas uma libertação do jugo da própria natureza, porque aumentaria o poder do homem sobre ela e nós estaríamos então
livres de processos naturais que nos oprimem, que seriam agora por nós manipulados e usados em nosso próprio proveito. Essas são as três promessas do Iluminismo. É claro que as três promessas não se cumpriram. Em vez de um mundo de liberdade civil, houve uma sequência de guerras, revoluções e tiranias opressivas que seriam inimagináveis para um homem do ano 1.000. Se você dissesse para um homem do ano 1.000, por exemplo, que o governo controlaria as pessoas à distância, como hoje
acontece – você põe um satélite e ele observa tudo o que você está fazendo dentro da sua casa –, ele ficaria aterrorizado, morreria de susto. Isso lhe pareceria tão horrível, que era impensável. Se você dissesse até a um camarada do Iluminismo que, dali a cem anos, o governo ficaria sabendo de tudo o que ele comprasse e vendesse; que ele não poderia ter dinheiro guardado em casa, o burguês que fez a revolução iluminista ficaria horrorizado. No entanto, isso aconteceu. Quanto ao famoso controle humano
sobre a natureza: as pessoas dizem que o homem aumentou seu poder sobre ela. Mas que homem, cara pálida? Eu? Não, o que aumentou foi o poder de uns homens sobre outros homens. É claro: o aumento do poder sobre a natureza supõe uma organização hierárquica das ações humanas, em que nem todos podem participar no mesmo nível. Nem todos os seres humanos podem construir um satélite para observar os outros seres humanos, mas alguns podem. Aumentou o poder do homem sobre a natureza?
Não, aumentou o poder de uns homens sobre outros, eliminando, portanto, as duas promessas anteriores. Por fim, a ideia de que haveria um florescimento extraordinário da inteligência e da consciência humana… Vendo do ponto de vista de hoje – essas massas totalmente estupidificadas pedindo para ser enganadas o tempo todo ,percebe-se que o tiro saiu pela culatra. Mas se essas três coisas saíram pela culatra, se essas três expectativas deram errado, é porque a própria autodefinição da nova época, a autodefinição da nova fé, estava falsa. Essa ideia de que nós passamos de um período de fé, misticismo e autoridade para um período de razão, ciência e análise crítica, é apenas figura de linguagem, é um estereótipo. Não correspondeu à realidade. (PAG 12 e 13)


Quando a autoridade intelectual da Igreja começa a vacilar, quem é que vem substituir? Os cientistas? Não; os magos, alquimistas, astrólogos, macumbeiros etc. Tudo isso serviu para minar a autoridade da Igreja. Depois de feito o serviço, eles dizem: “Bom, agora nós vamos varrer a poeira para debaixo do tapete e vamos dizer que foi um negócio chamado ciência moderna”. Mas acontece que os praticantes da ciência moderna são todos maçons; tudo o que negam em público, praticam na loja fazem aqueles rituais astrológicos, alquímicos, místicos etc.(PAG 16)


(…..)Se o sujeito vai à maçonaria, faz todos aqueles ritos e depois cospe em cima do ocultismo, ele está cuspindo em cima dele mesmo. Ele está criando uma imagem externa que não corresponde à realidade. Existem aí várias camadas de falsificação.(Pag 17)


A primeira é a famosa matematização dos objetos, que se substitui à presença real dos próprios objetos. Leibniz dizia que se nós tivermos todas as características quantitativas de uma coisa, nós ainda não podemos explicar a existência dessa coisa, nem saber o que ela é. Ele diz que matematizar as medidas está certo, mas nós precisamos saber o que estamos medindo, e esse o que é dado pela velha teoria
aristotélica da forma substancial. Se nós temos a forma substancial, então sabemos o que estamos medindo; se não, acabamos por trocar os objetos pela suas medidas. Se temos somente as medidas, estamos falando de um mundo hipotético. (PAG 17 )


A segunda mentira é a de que houve uma revolução científica. Não houve uma revolução científica ,mas uma revolução ocultista da qual aos poucos foi saindo o que se chamou de revolução científica. Não
houve ruptura, rompimento com o mundo do ocultismo – ele apenas foi encoberto e ainda está presente. À medida que as pesquisas avançam, isso vai ficando cada vez mais claro.(PAG 17)

A terceira mentira é a falsificação da própria história das ciências. Aonde esses caras pretendem chegar com tudo isso? Em parte, temos o fenômeno da paralaxe cognitiva, com o fenômeno da proliferação das falsas autobiografias, como a do René Descartes, Michel de Montaigne e outros tantos. Justamente nessa época surge a concepção do mundo como teatro. Descartes, quando escreve a parte científica da sua obra, faz como se fosse um teatro, uma obra de ficção. Então começa a haver uma mescla de ficção e realidade, e uma mescla indistinta do que era cultura popular, na Idade Média, com o que era cultura letrada, de modo que fica quase impossível se contar a história. O famoso Iluminismo na verdade foi um obscurantismo: encobriu-se tudo para que ninguém entendesse nada, e é essa a situação na qual nós estamos. (PAG 17 e 18)

SOBRE O CURSO DE FILOSOFIA ONLINE (COF)

Eu prometi a vocês: vocês vão sair daqui muito inteligentes, isto aqui vai ser uma fábrica de gênio. Agora, pelo amor de Deus, tem muita gente que estudou comigo um tempo e daí já saía se achando superior e botando banca. Não façam isso. Vocês vão botar banca depois que vocês tiverem feito alguma coisa. Não tem coisa mais feia do que a arrogância. Arrogância vem do latim ab-rogare, quer dizer, você está exigindo uma coisa antes, está exigindo aplausos antes do espetáculo. Faça alguma coisa boa, séria, valiosa, e depois você não vai botar banca, você vai dizer “eu sou o sujeito que fiz isto”, não tem arrogância nenhuma. Eu escrevi Aristóteles em Nova Perspectiva. É o único trabalho filosófico importante produzido no Brasil nos últimos trinta anos; o resto é trabalho técnico (na área de lógica tem certos trabalhos muitos bons). Trabalho de filosofia, não tem nada. Então eu falo: “Eu sou filósofo; esses caras, não.” Estou me gabando? Não, eu estou falando a simples realidade! Eu não estou dizendo que eu sou um filósofo grande ou pequeno; só estou dizendo que eu sou filósofo, e eles não são (pior, não sabem o que é isso). Daí você não precisa se gabar, não precisa se inflar; você vai simplesmente dizer a realidade. Enquanto a gente é jovem, não realizou nada, a gente tem de ser modesto. Por que você tem de dar opinião sobre tudo? Por que, em vez de simplesmente dar opinião, você não faz um trabalho, uma investigação, uma coisa séria, publica um livro, se expõe à crítica de pessoas qualificadas? Daí você fica sabendo quem você é. Saber quem a gente é, é uma questão de contar a história: eu sou o sujeito que fez isso, mais aquilo, mais aquilo, mais aquilo. Você conta os seus grandes feitos e conta os seus pecados, põe na balança, e sempre vai achar uma média: daí você vai saber quem você é.(…..)Isso aqui é saúde espiritual mesmo, é auto-ajuda elevada à enésima potência. Eu tenho certeza. Disso eu posso me gabar. Milhares de alunos meus recuperaram o senso de integridade das suas pessoas, recuperaram o respeito por si próprias, recuperaram a capacidade de se orientar na vida e de dizer sim e não, recuperaram a capacidade de olhar seus superiores hierárquicos como iguais e discutir com eles de igual para igual. Muitas pessoas se fortaleceram. Agora, o único conselho é este: à medida que vocês sintam que estão ficando mais fortes (e todos sentem, eu acho que já estão sentindo), não se gabem disso, não sejam arrogantes, não saiam dando opinião sobre tudo e todas as coisas. Se puder se abster de dar opinião sobre qualquer coisa, faça isso durante cinco anos. E, quando for dar a sua opinião, não saia aí escrevendo artigo de jornal; faça um livro. Pegue um assunto, conheça-o a fundo. Mais tarde nós vamos discutir isso aí, a partir do terceiro ano nós vamos começar a discutir o seu trabalho pessoal. Com isso nós vamos criar um outro patamar de vida intelectual no Brasil. Um dos objetivos deste curso ,talvez o principal, é fortalecer a autoconfiança real baseada na modéstia. A modéstia é não querer mostrar mais nada além daquilo que você realmente já fez. A melhor maneira de autoconhecimento é a auto-narração: contar o que você fez, o seu curriculum vitae, eu fiz isso, mais aquilo e mais aquilo. Chega um dia em que você já fez tanta coisa, que a opinião dos outros sobre você não mais interessa: “Eu já fiz isso, mais aquilo e mais aquilo, eu sei o que estou fazendo. O que você acha de mim? Vai lamber sabão. Você não gosta de mim, o problema é seu.” Mas no começo da vida você não pode fazer isso, porque não tem ainda uma história de realizações que lhe dê firmeza. Por isso eu pretendo que cada um de vocês saia daqui com uma realização efetiva, uma realização intelectual boa, de peso, valiosa, que sirva não só para demonstrar sua força, mas que sirva para algo.

Desvendando os segredos da Oratória e Retórica

Você já se imaginou diante de uma plateia, com a habilidade de cativar e persuadir as pessoas por meio das palavras? Dominar a arte da oratória e retórica é como ter uma super poderosa ferramenta em suas mãos, capaz de abrir portas para o sucesso pessoal e profissional.

Neste artigo, desvendaremos os segredos dessas duas habilidades fundamentais para uma comunicação eficaz. Acompanhe-nos nessa jornada para aprender como dominar essa incrível habilidade!

O que é a oratória e a retórica?

Oratória e retórica são duas habilidades essenciais para quem deseja se destacar na vida social e profissional. Embora muitas vezes usadas como sinônimos, elas possuem significados distintos.

A oratória refere-se à capacidade de falar em público de forma clara, persuasiva e cativante. É a arte de transmitir ideias, argumentos e emoções por meio da palavra falada. Um bom orador é capaz de influenciar sua audiência, conquistar a confiança do público e transmitir sua mensagem com impacto.

Já a retórica está relacionada ao uso estratégico das palavras para persuadir ou convencer alguém sobre um determinado assunto. Envolve o domínio das técnicas discursivas, como o uso adequado da linguagem, figuras de estilo e recursos retóricos para criar uma argumentação convincente.

No próximo tópico deste artigo iremos explorar a importância da oratória e retórica na comunicação contemporânea. Acompanhe-nos nessa jornada rumo ao domínio dessas poderosas ferramentas!

A importância da oratória e da retórica

A importância da oratória e retórica na comunicação é indiscutível. Essas habilidades são essenciais não apenas para líderes políticos, advogados e professores, mas também para qualquer pessoa que busque se expressar de forma clara e persuasiva.

Quando dominamos a oratória, somos capazes de transmitir nossas ideias com eloquência, envolvendo nosso público-alvo. Através do domínio da linguagem corporal, entonação vocal adequada e estrutura coerente do discurso, conseguimos capturar a atenção dos ouvintes e transmitir nossa mensagem com clareza.

Já a retórica nos auxilia no desenvolvimento de argumentos sólidos e convincentes. Ao conhecermos as técnicas retóricas como o uso de metáforas, analogias ou exemplos concretos podemos impactar emocionalmente nossos interlocutores e conquistar sua confiança.

Independentemente da área profissional em que atuamos, saber se comunicar com eficiência é uma vantagem competitiva. Dominar a oratória e a retórica nos permite expor nossas ideias com segurança durante reuniões importantes ou apresentações públicas.

Portanto, investir tempo no desenvolvimento dessas habilidades pode abrir portas para oportunidades pessoais e profissionais significativas. Quanto mais praticarmos a oratória e a retórica, mais confiança teremos em nossa capacidade de comunicação e mais eficazes seremos ao transmitir nossas mensagens.

Como desenvolver habilidades de oratória e retórica?

Desenvolver habilidades de oratória e retórica pode parecer um desafio intimidante para muitas pessoas. No entanto, com dedicação e prática, é possível dominar essas habilidades tão importantes na comunicação.

  1. Leitura e estudo

Ler livros, artigos e discursos de grandes escritores, líderes políticos ou profissionais renomados pode fornecer insights valiosos sobre como utilizar as palavras de forma persuasiva.

  1. Praticar o exercício da fala em público

Participar de debates, palestras ou grupos de discussão são ótimas maneiras de ganhar confiança ao expressar suas ideias diante dos outros. O feedback recebido durante essas experiências também permite identificar pontos fortes a serem mantidos e áreas que precisam ser trabalhadas.

  1. Conhecer bem o assunto sobre o qual você irá falar

Quanto mais familiarizado você estiver com o tema, mais fácil será transmitir sua mensagem com clareza e convicção. Pesquise bastante, organize seus pensamentos em tópicos principais e esteja preparado para responder perguntas ou argumentações contrárias.

  1. Nunca subestime a importância do treino constante

Pratique regularmente suas técnicas de oratória e retórica em diferentes situações do dia-a-dia: seja no trabalho, na escola ou até mesmo entre amigos. Quanto mais você se expuser à comunicação oral, melhora sua capacidade de se expressar adequadamente em qualquer ambiente.

Conclusão

Dominar a habilidade da oratória e retórica é essencial para se comunicar de forma clara, persuasiva e impactante. Essas duas técnicas milenares são fundamentais não apenas no campo profissional, mas também na vida pessoal.

Através da oratória, aprendemos a organizar nossos pensamentos de maneira coesa e transmitir nossas ideias com segurança. Já a retórica nos ensina o poder das palavras, como usar argumentos convincentes e cativar nosso público.

Desvendar os segredos da oratória e retórica é um investimento valioso em si mesmo. Aproveite todas as oportunidades disponíveis para aprender e evoluir nesse sentido.

Por fim, lembre-se: cada pessoa possui seu próprio estilo de comunicação. Não tente imitar outras pessoas, mas busque encontrar sua própria voz e autenticidade. Com prática e dedicação, você será capaz de dominar a arte da oratória e retórica, tornando-se um comunicador eficaz e persuasivo.

Quer saber mais? Acesse o blog da Educação Supremo Bem e aprofunde seu conhecimento!

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Olavo de Carvalho: resumo da aula 13 COF

IDEIA PRINCIPAL: Comentário sobre transcrições e anotações do aluno Mário Chainho

Eu queria começar esta aula comentando uma mensagem colocada no fórum do Seminário pelo Mário Chainho, de Portugal. Ele fez uma espécie de STATUS QUAESTIONIS, mostrando até onde nós chegamos neste curso e quais foram os vários exercícios e práticas sugeridos aos alunos até agora. Essa mensagem é muito importante e oportuna. Eu agradeço ao Mário, e sugiro que todos dêem uma olhada na mensagem, colocada no fórum no dia 1º de julho de 2009. Eu vou ler a mensagem e comentá-la e esse, na verdade, será o assunto da nossa aula de hoje. “Senti necessidade de fazer um ponto de situação sobre o Curso de Filosofia na óptica dos deveres do aluno. Elaboro aqui uma lista comentada de ‘deveres’, pois talvez isto possa servir de alguma coisa para mais alguém, ao mesmo tempo que poderei receber comentários que me ajudem a elucidar vários pontos.”

1- AULAS, ASSISTÊNCIA, TRANSCRIÇÕES E NOTAS

“Foi dito pelo professor Olavo que o centro pedagógico do curso estaria nas aulas e não nas leituras.”


Bom, isso se refere sobretudo a esta primeira parte do curso. É natural que esse nosso processo de aprendizado vá passando do passivo para o ativo. No começo a única função de vocês é sentar e ouvir o que eu estou dizendo. Depois vocês começarão a trabalhar em cima do que eu estou dizendo, e mais adiante, aos poucos, eu vou lhes indicar certos trabalhos de investigação (e não somente de exercício, como vocês estão fazendo até agora). No fim do curso, eu espero que vocês tenham tomado alguma autonomia de vôo, e estejam em condição de programar os seus próprios estudos daí para diante.


“Tenho conseguido assistir à maior parte das aulas em directo mas ainda consigo reter muito pouco à primeira.”

Ninguém consegue reter muito da primeira vez. Se você não recebe o conteúdo da aula pelo menos três vezes — uma vez ao vivo, outra na gravação, e outra na transcrição (feita ou lida) —, você não vai pegar nada. Essa primeira impressão de compreensão da aula não quer dizer que você compreendeu; quer dizer apenas que você está capacitado para compreender. A verdadeira compreensão é quando aquilo se incorporou em você; é quando, sem precisar lembrar das minhas palavras ou mesmo de em qual aula você ouviu o que eu disse, aquilo se incorpora em você como um instrumento cognitivo adquirido, como se fosse um novo órgão de percepção que
você adquiriu.


“Fiz a transcrição completa da primeira aula, à mão, e fiquei num terrível dilema. Por um lado, ao fazer a transcrição ficava com um entendimento infinitamente maior ao que tinha anteriormente (…)”“(…) mas tinha levado tanto tempo até à conclusão que não era praticável continuar.”

Esse é o grande problema da transcrição: ela é um negócio trabalhosíssimo e, por mais útil que seja, eu não creio que seja possível fazer a transcrição de uma aula dessas com menos de uma semana de trabalho.


“Decidi, então, tirar notas das aulas, que são quase tão completas como uma transcrição integral (…)”


Tomar notas, desse jeito que ele está fazendo, e depois redigir, é mais útil ainda. Claro que você pode perder um ou outro detalhe, mas você sempre tem a possibilidade de conferir esses detalhes na gravação. Quando eu falo em “transcrição”, isso não significa que você precise seguir palavra por palavra, porque a expressão oral é naturalmente imprecisa, vaga e hesitante; portanto, não adianta nada querer ser muito exato na reprodução de uma coisa que por si mesma não é exata. O ideal seria realmente tomar essas notas.


“(…) mas, aliviando alguns requisitos da transcrição, levam cerca de um terço do tempo a tomar, dando para completar durante a semana antes da aula seguinte.”


Claro. É muito mais rápido você tomar as suas próprias notas e depois tentar articular uma redação.

Eu sugiro que esses seus resumos sejam colocados à disposição de todos. Todo o
material que foi colhido, anotado pelos alunos, deve ser posto em circulação. Isso é um
patrimônio comum, não um patrimônio pessoal. Na medida em que vocês sintam que o
que vocês tiverem anotado já adquiriu algum valor documental, por favor, coloquem
isso em circulação, ou postando no próprio fórum, ou enviando ao Sílvio, para que ele
coloque em algum lugar da página do Seminário.

2-EXERCÍCIO DO NECROLÓGIO

Penso que a maior parte dos alunos já terá feito o exercício do necrológio. Como bem disse o professor, não será à primeira que vamos acertar no exercício, teremos de o refazer muitas vezes. Sem entrar em detalhes sobre o meu “eu ideal”, sinto que o exercício que entreguei já está um pouco desajustado, mas não sei bem como, a ponto de o poder refazer. Curiosamente, o que ponho menos em causa na vida do meu “eu ideal” é o que ele faria aos 50, 60 ou 70 anos. Aquilo que me levanta mais dúvidas são precisamente o que devia eu e o meu “eu ideal” fazer nos próximos anos. De certa forma isso é natural, porque quando fiz o exercício do necrológio ainda não tinha noção do impacto do próprio curso de filosofia.”


Isso é inevitável. Nossa imagem do futuro de algum modo orienta os nossos atos, mas de maneira hipotética e provisória, porque, no dia seguinte, a situação já mudou e, à medida que muda, essa própria imagem do futuro também vai mudando. Em grande parte ela vai se tornando mais precisa. Na medida em que você se aproxima de realizar o que queria, aquilo que era abstrato e hipotético vai adquirindo uma consistência de realidade. Por outro lado, você vê que houve vários caminhos que foram abandonados (a famosa road not taken do poema do Robert Frost) que são também elementos estruturais da sua vida, coisas que você foi abandonando para fazer uma outra coisa. A desistência, a renúncia é um componente essencial deste plano de vida. De certo modo, o exercício do necrológio não é um exercício. Na primeira vez você o fez por escrito porque eu pedi para fazer, mas você vai voltar a fazer isso muitas vezes sem ser por escrito. Você ter sempre em vista essa imagem de quem você quer ser quando crescer é uma necessidade permanente. A gente sempre se orienta com base nisso. Pelo menos, nas principais situações da vida, nós somos confrontados com aquilo que nós podemos fazer no momento e o que nós achamos que deveríamos fazer. Essa tensão permanente é que vai dar a nossa verdadeira história.


“Relativamente ao exercício do Louis Lavelle:

“Há na vida momentos privilegiados em que parece que o Universo se ilumina, que a nossa vida nos revela sua significação, que queremos o destino mesmo que nos coube como se nós mesmos o tivéssemos escolhido; depois o Universo volta a fechar-se, tornamo-nos novamente solitários e miseráveis, já não caminhamos senão tateando num caminho obscuro onde tudo se torna obstáculo aos nossos passos. A sabedoria consiste em salvaguardar a lembrança desses momentos fugidios, em saber fazê-los reviver e fazer deles a trama da nossa existência cotidiana e, por assim dizer, a morada
habitual do nosso espírito.” (Louis Lavelle
)(PAG 3)

Note bem, a tendência quase incoercível da mente humana é se refugiar na banalidade para evitar os grandes dilemas, os grandes conflitos. O sujeito se fazer de pequenininho, de inocente, para fingir que não sabe o que está realmente em jogo na sua vida. Particularmente na cultura brasileira, esse é um dos elementos mais permanentes e de maior peso, de maior impacto na mente das pessoas. É claro: se você se preocupa com qualquer coisa que vá além do seu estômago e do seu bolso, já começa a ficar angustiado, então o que você faz? Se refugia no estômago e no bolso e recusa qualquer preocupação acima disso. Isto é, de fato, o medo da responsabilidade da existência, e este medo impede que as pessoas cheguem à maturidade, ficando num perpétuo estado de puerilismo moral, intelectual, espiritual etc. Graças a esse puerilismo, não são capazes de avaliar as suas próprias ações cotidianas, ou seja, fazem coisas horríveis, mas sentem que são perfeitamente inocentes. Isso é um caso crônico daquilo que Igor Caruso chamava de repressão da consciência moral: você sufoca a consciência moral e se refugia na noção de que você é apenas um bichinho, uma criancinha, numa afetação de falsa modéstia “Esses problemas são demasiado elevados para mim; eu só tenho que me preocupar aqui com as minhas coisinhas.” No fundo isso tudo é simples medo da responsabilidade da existência.


Essa semana aconteceu uma coisa extraordinária. O Denny Marquesani (que é um rapaz que há anos vem fazendo um trabalho maravilhoso de recenseamento de tudo o que eu escrevi e falei em entrevistas, aulas etc., desde que eu comecei ter uma atuação pública – e ele tem de fato a bibliografia mais completa do meu trabalho até hoje) viu na página do Luiz Pontual que é um guenoniano, um homem da tradição,
segundo ele diz uma bibliografia do René Guénon e, com toda a boa vontade, informou (“Olha, está faltando aí na sua lista das traduções de René Guénon uma tradução da Metafísica Oriental, feita pelo Olavo de Carvalho.”). O tal do Pontual ficou bravíssimo com ele e escreveu um monte de coisas — “Eu não vou colocar essa tradução aqui porque está uma droga; esse Olavo de Carvalho não presta, é uma figura tenebrosa, sinistra etc.” —, ficou bravíssimo. O Denny, evidentemente perplexo diante da reação histérica, passou a carta para mim perguntando o que eu achava. Eu, que não vou levar esse Pontual a sério ,conheço a figura há muito tempo, é um tipinho ridículo) coloquei umas piadinhas lá na minha página. No dia seguinte aparece o tal do Pontual indignado de que o Denny Marquesani tivesse contado para mim. A indignação do Pontual com o Denny era totalmente sincera, você vê que ele estava bravo mesmo, “Onde já se viu, ele foi fofocar de mim para o Olavo!”, ou seja, ele acredita que tem o direito sacrossanto de falar mal pelas costas sem que o sujeito jamais fique sabendo o que ele falou. Você vê que este é um nível de moralidade extremamente baixo. Uma criança tem de saber que não se fala das pessoas pelas costas; que você nunca pode falar pelas costas algo que você não diria na cara da pessoa. Eu, aos oito anos de idade, já sabia disso. Esse Luiz Pontual, que já está quase virando líder espiritual, ainda não aprendeu isso, não passou da fase de educação doméstica. Não digo que ele seja culpado disso, porque esse é um problema crônico no Brasil. As pessoas não têm a noção da responsabilidade moral elementar. Como é que uma pessoa que se ocupa de assuntos tão elevados e tão complexos pode ser moralmente tão tosca? Isso aí é comum no Brasil, e vem justamente dessa cultura da insignificância, do apego à insignificância, que é algo totalmente defensivo: um anestésico para que o sujeito não tenha de se confrontar com as grandes responsabilidades morais da vida. Em suma: para evitar o sofrimento moral. Acontece que o sofrimento moral é a parte mais elevada e mais bonita do ser humano. O ser humano praticamente só se distingue dos outros animais porque é capaz de ter sofrimento moral, de imaginar as ações possíveis que ele poderia realizar e de se horrorizar perante elas. Ele tem a capacidade de se negar a si mesmo, de ficar com horror de si mesmo, só em imaginação. Você se imagina fazendo certas coisas e tem horror daquilo. Não tem ninguém vendo, ninguém está sabendo. Você, na total solidão, se confronta com a possibilidade da exteriorização do mal que existe na sua imaginação e você recua, se policia e tenta melhorar. Isso é a parte mais importante do ser humano. Inclusive, para o exercício da filosofia, a pessoa que não se aprimorar nisso, que não buscar isso, jamais entenderá o que é a filosofia. Não esqueçam que a filosofia, com Sócrates, começa como filosofia moral e filosofia política. Ela não começa como metafísica, lógica, teoria do conhecimento, nada disso. Ela começa como um apelo do filósofo à responsabilidade moral e cívica das pessoas.


É curioso que, a partir da década de 90, entrou em moda no Brasil o negócio da ética, mas todos procedem como se a ética fosse uma coisa que deve ser só para os políticos. O cidadão que critica o político não precisa ter ética nenhuma, (ele pode ser mentiroso, embrulhão, um fofoqueiro dos diabos. A ética se torna simplesmente um porrete para você bater na cabeça dos outros). Você imagine uma pessoa com essa composição moral estudando filosofia e querendo discutir com Platão, Aristóteles, com Leibniz, com René Guénon, que seja. O que vai se formar aí é um monstrinho, são figuras disformes. O Brasil está cheio dessas figuras disformes, praticamente toda nossa intelectualidade falante é constituída dessas pessoas que não têm mais a mínima consistência interior. Tanto não a têm que, no Brasil, em geral, se cobra das pessoas uma espécie de coerência lógica impossível. Consistência interior é o seguinte: é a consciência dos elementos contraditórios que se agitam dentro de você, consciência das suas diferentes possibilidades de ação, consciência da multiplicidade de impulsos em luta dentro de você , ou seja, é a consciência das alternativas. Se fosse possível termos a coerência de um livro de lógica, não haveria nada disso. A coerência de um ser humano não é a coerência de um tratado filosófico; é a consistência das atitudes pessoais na luta da alma consigo mesma. Não é uma coerência linear, mas uma coerência opositiva, uma coerência dialética, extremamente complexa e dolorosa. Quantas pessoas no Brasil são capazes de ter uma visão do que seja uma personalidade complexa, como a personalidade de um Goethe, de um Dostoiévski, de um Platão ou Sócrates? Eu vejo que, em geral, a imagem que as pessoas têm desses personagens é extremamente simplória, esquemática e desumanizada, no fim das contas. O que é você compreender uma pessoa, senão compreender os vários elementos, inclusive contraditórios que compõem a alma desse indivíduo e saber medir a envergadura moral do sujeito, a amplitude da problemática moral com que ele lida? Não precisa nem ser um Goethe, um Shakespeare; não é que as pessoas não compreendam Goethe e Shakespeare, elas não compreendem nem a mim! Não são capazes de imaginar a personalidade do Olavo, porque isso ultrapassa o horizonte delas. Há componentes ali que elas não podem perceber, então começam a imaginar coisas……

3-ESTUDO DA GRAMÁTICA LATINA


“A Gramática Latina de Napoleão Mendes de Almeida é realmente um achado, até para o ensino do japonês ela consegue dar uma ajuda.”


Eu nunca vi um livro para ensinar língua nenhuma como o Napoleão ensina o latim. Uma tartaruga é capaz de aprender latim com aquele livro!


“Se bem que o ritmo de estudo possa variar para cada um, parece-me que seria mais proveitoso conseguir logo avançar umas boas dezenas de lições. Penso que isso iria ajudar na imitação dos grandes escritores.”


É claro! A língua latina tem certas propriedades, sobretudo na construção das frases e a construção das frases latinas é uma obra de engenharia , e você se exercitando nisso automaticamente aprenderá a construir as frases em português. Mas, claro, o problema da escrita latina é um, e o da escrita portuguesa é outro. Em latim, por exemplo, você pode modificar a posição das palavras na frase, muito mais do que pode em português (como a função das palavras é designada pela terminação delas, tanto faz você colocar aqui ou acolá). Eu lembro de um processo que nós movemos contra o Ziraldo (que acabou não dando em nada, o Ziraldo veio, pediu penico e nós entramos em acordo). O juiz, falando a respeito de nós, leu lá na minha página a frase
“sapientiam autem non vincit malicia” e
traduziu como “a sabedoria não vence a malícia”. Ele estava lendo o latim como se fosse português, o sujeito da frase vem antes etc, sem ter a menor noção do que seja o caso acusativo. Em latim você pode fazer isso: o sujeito da frase está lá no fim e o objeto no começo. Mas, de qualquer modo, existe o problema da estrutura da frase latina: não dá para você ler latim; você tem de traduzir latim e reconstruir a frase em português (o que também acontece no alemão. Esse é um exercício muito bom para você se tornar consciente da função das palavras na frase.(PAG 5)


4-IMITAÇÃO DOS GRANDES ESCRITORES


“Não sei por que motivo, mas a minha tendência foi querer logo começar por um difícil, Aquilino Ribeiro.”


Você arrumou uma encrenca, hein!. O próprio Aquilino Ribeiro reconhecia que as pessoas, para lê-lo, não precisavam entender todas as palavras: elas iriam mais ou menos pulando e, se entendessem cinquenta por cento das palavras, já conseguiriam se virar. Eu leio Aquilino exatamente assim, senão eu teria que consultar o dicionário três vezes a cada linha. Leio assim uma primeira vez e depois eu volto com o dicionário. Eu garanto que a segunda leitura revela então nuances que eu jamais poderia ter suspeitado na primeira. O problema com Aquilino Ribeiro é justamente a extensão do vocabulário. O pessoal gabava muito o vocabulário do Rui Barbosa, Coelho Neto, Euclides da Cunha, mas perto do Aquilino isso é brincadeira de criança. É um escritor absolutamente maravilhoso. Os efeitos semânticos que ele consegue, que você geralmente não percebe na primeira, são uma coisa do outro mundo.


“Quando o professor disse que este era um dos quase impossíveis de imitar, de certa forma fiquei com mais vontade ainda, se bem que não esteja a ver como o farei. Por enquanto vou reunindo algum vocabulário menos usual e recortando algumas frases emblemáticas, mas na verdade isto está mesmo a ser um acto de fé, espero que este caos lingüístico, através do milagre da convivência, dê origem a algum sistema inteligível.”


Eu não começaria jamais pelo Aquilino Ribeiro, mas se você sente uma afinidade por este autor, porque não fazê-lo? A coisa mais espantosa do Aquilino é que, mesmo quando você não está entendendo as palavras, o negócio é morbidamente atraente,você não consegue parar de ler aquilo. Você sabe que a cada três linhas você entendeu apenas uma, mas continua. Você entende o enredo.(PAG 6)


5-CONFISSÃO – SANTO AGOSTINHO E ADOLPHE TANQUEREY


“Para refazer a nossa educação moral e até a social o antídoto está na Confissão, cujo estre é Santo Agostinho. Adolphe Tanquerey ajuda a preparar a confissão e a prática platônica de recordar tudo o que fizemos no dia poderá oferecer um complemento.” A técnica do Tanquerey é muito simples: consiste em pegar os dez mandamentos e desenvolver dez perguntas para cada um. Essas dez perguntas são apenas sugestivas; não quer dizer que, no caso de você estar se preparando para uma confissão ritual na Igreja Católica, você vai ter de chegar com uma lista e dizer cada um daqueles. Isso não é ainda a técnica da confissão, a técnica do exame de consciência; é para a sua informação. As perguntas podem se multiplicar, muitas podem parecer deslocadas para o contexto da sua vida, então você naturalmente as troca. Eu acredito que, desde o tempo em que esse livro foi escrito até hoje, a situação social, cultural e também psicossocial mudou demais. Surgiram tantas oportunidades de falsificação da personalidade humana que, comparados com elas, os pecados de antigamente parecem de uma simplicidade quase paradisíaca – que bom o tempo em que os pecados eram esses; agora complicou formidavelmente!( PAG 6)


6-LEITURA LENTA DE UM LIVRO DE FILOSOFIA


Este será um exercício que irá mudar a nossa vida intelectual. Resume-se a ler um livro de filosofia, apenas algumas frases por dia, procurando achar o seu conteúdo experiencial, como se as frases já fossem um pouco nossas pois já sabemos efetivamente do que o autor está falando. Os livros de Louis Lavelle podem servir para esta leitura e Aristóteles só pode ler assim. Alguns autores, como Mário Ferreira do Santos, têm tantas referências embutidas em cada frase que poderão ser difíceis de compreender antes de ter maior cultura filosófica.” Lembre-se que este exercício não é uma análise do texto, mas uma exemplificação mental do que está sendo dito no texto. Você vai partir do princípio de que você pensa exatamente como o sujeito disse e vai tentar preencher aquilo com conteúdo existencial sensível. Quanto mais visíveis e sensíveis forem os exemplos que você encontrar na sua experiência pessoal, melhor. A análise de um livro de filosofia só vale a pena se você tiver feito isso primeiro. Essa fase de absorção passiva do livro é a mais difícil. A análise não é difícil. O problema é que geralmente se passa para a análise, ou até mesmo uma análise crítica, sem ter feito isso. Você não absorveu em profundidade o que o sujeito está dizendo, não se identificou com ele. Você não sintonizou a sua imaginação com a dele, os seus sentimentos com os dele, suas percepções com as dele. Então, de fato, você não leu o livro (você apenas deslizou por cima daquelas estruturas verbais e, no fim, serão essas estruturas verbais que você vai analisar).Todo o aprendizado da filosofia depende da possibilidade de você compartilhar certas experiências interiores com os filósofos do passado, partindo, sobretudo, do preceito de que a expressão verbal que eles utilizaram pode não ser suficiente para designar o que eles estão falando. Primeiro: nem todo filósofo é um grande escritor, um escritor expressivo. Segundo: nem todo filósofo tem tempo para traduzir em termos literariamente aceitáveis aquilo que ele está dizendo. Os escritos de Aristóteles, por
exemplo, são apenas rascunhos de aula. Você imagine a diferença que existe entre um rascunho de aula e a exposição em classe; quanta coisa mais poderia aparecer ali. Você vai ter de preencher isso mentalmente. Lembre-se que, como eu disse, cada filósofo que você venha a estudar deve se tornar mais um Instrumento seu de percepção. É preciso fazer com que a sua alma, a sua inteligência, abra várias janelas (uma janela platônica, uma janela aristotélica, uma janela hegeliana etc), para você conseguir enxergar a realidade da experiência de acordo com essas várias perspectivas, encarando-as não como teorias, mas como experiências humanas. A teoria vem depois, é uma coisa que é elaborada em cima da experiência humana. E pouco importa que você não consiga refazer a experiência que historicamente eles
tiveram; você pode achar um análogo.”( PAG 7)


Na medida em que você está tentando reproduzir, revivenciar as experiências interiores de um Platão, de um Aristóteles, você está lendo um Platão imaginário, um Aristóteles imaginário. Muito bem, mas se você não consegue compreender nem o Aristóteles imaginário que existe na sua cabeça, como é que você vai entender o real? Quando um ser humano qualquer lhe diz algo da sua experiência anterior, conta algo que se passou com ele, qual é a sua primeira reação? Você tem de revivenciar aquilo mentalmente, e você não está revivenciando nos termos dele, mas nos seus. Em seguida, você pode fazer alguma pergunta do tipo “mas foi isso que você quis dizer, foi exatamente assim?”, mas se você não tem esse primeiro material imaginativo, você não tem nem o que trabalhar.(Pag 9)

7- EXERCÍCIOS DO NARCISO IRALA


“Não consegui encontrar o livro Controlo Cerebral e Emocional de Narciso Irala, mas existe um resumo aqui: http://www.scribd.com/doc/6719200/Irala.Além disso, o professor já descreveu alguns exercícios e prometeu dar mais. Os exercícios já falados nas aulas servem para compreender o que é a Presença Total de que fala Louis Lavelle.”
(…..) Eu dei esses exercícios não para o aprimoramento do seu controle cerebral e emocional, mas apenas como amostras da diferença entre o que é percepção e o que é construção mental. É claro que, no exercício dado (que é o de perceber os sons), você está apenas percebendo estímulos sensíveis que vêm de fora. Mas, com o tempo, você pode desenvolver outras coisas baseado nisso. Por exemplo, a consciência da sua presença física num determinado lugar: eu, neste momento, estou sentado nesta cadeira, que está em cima deste chão, que por sua vez se prolonga por dois lados: em profundidade, quer dizer, ele tem uma densidade, é por isso que eu tenho uma confiança de que a cadeira não vai afundar; e ele se prolonga para todos os lados ilimitadamente. Essa experiência da sua presença no espaço já não é uma experiência sensível; ela abarca algumas experiências sensíveis, mas ela vai além disso. E, no entanto, é uma experiência imediata. A consciência do espaço dentro do qual você está, a consciência da sua presença no espaço ,note que não é uma dedução, não é um pensamento, não é uma construção: é uma percepção. Você pode contrastar isso com um outro experimento, que é de construção mental. Vamos inventar uma história aqui: um dia um sujeito acordou, levantou da cama e, na hora que ele foi sair do quarto para ir ao banheiro, ele abriu a porta e viu que em torno não existia mais nada. Tudo tinha desaparecido. Não havia mais a casa, não havia mais a rua, não havia mais o banheiro, não havia mais nada. Havia apenas o quarto dele. A experiência é aterrorizante, horrível. Só que a coisa prossegue: havia espaço em torno? Se havia espaço em torno, não havia um “nada”, pois o espaço é a possibilidade de comportar coisas dentro (o espaço não é nada mais do que isso; ele não pode ser compreendido como uma “coisa” – a atmosfera é uma coisa, o ar é uma coisa.) Neste “nada” que havia fora do quarto do sujeito havia ar? Se havia ar, então ele não estava no nada. Façam a experiência de suprimir o universo, e vocês verão que não conseguem. Sempre sobra alguma coisa. Mas force, force. Isso é um exercício construtivo, de imaginação. Se você retirar tudo o mais, você tem de sumir também. Imagine que o sujeito ficou como no poema do Manuel Bandeira, “meu quarto intacto, suspenso no ar”
(derrubam o prédio mas o quarto do Manuel Bandeira fica no ar); imagine que ele estivesse lá dentro. Então você não tem mais a densidade do chão, porque o assoalho estava onde? Qual era a espessura desse assoalho? A espessura de uma tábua, digamos, uns dois centímetros? Mas, para que a tábua tivesse a espessura de dois centímetros, seria necessário existir algo fora do quarto, porque só a superfície da
tábua aparece para dentro. Então você vê que, na ideia do quarto suspenso no ar, ele já não está tão isolado do ambiente. A espessura da tábua é um elemento externo. Agora, suprima isso. A tábua agora não mede nada, só sobrou a superfície. Então nós estamos num mundo kantiano de meros fenômenos: não existe tábua alguma, existe apenas uma aparência fenomênica de tábua. Muito bem, a tábua não mede nada, mas ela tem um outro lado, mesmo que seja de espessura infinitesimal. Se ela tem um outro
lado, este outro lado está fora. Então você não conseguiu isolar totalmente o seu quarto do mundo exterior. Essas duas experiências, você pode refazer mil vezes, eu sempre refaço, sempre penso nisso. Eu estou aqui, em cima do chão, este chão se prolonga para baixo e para os lados, quando ele termina tem outra coisa, e depois desta tem outra coisa e outra… sempre tem outra coisa para adiante. Esta é a experiência da densidade do mundo e da densidade da minha própria presença neste mundo.(Pag 10 e 11)


8- OUTROS EXERCÍCIOS


O professor foi deixando ao longo das aulas uma série de outras sugestões: ” Imaginar a vida de pessoas nossas conhecidas como um romance.” Isso é um negócio espetacular, porque, primeiro, você vai vendo que a vida das outras pessoas tem uma forma. Os vários fatos que sucedem a elas só adquirem sentido em face de tudo que aconteceu antes e de uma expectativa do que vem depois, ou seja, não há apenas uma sucessão, mas há efetivamente um drama. Esse drama surge porque as pessoas, além de serem aquilo que elas são presentemente, querem ser alguma coisa (mesmo que queiram apenas continuar sendo o que são agora). Elas podem querer ser o que são agora, mas a vida pode forçá-las a mudar. Por exemplo, o sujeito mais rotineiro, mais burguês, mais banal, colocado no meio de uma crise, de uma revolução, de uma guerra. O sujeito estava vivendo na sua repetitividade plácida e medíocre e, de repente, é colocado dentro de um campo de concentração. Pronto, acabou. O que acontece, os fatos que acontecem, mesmo que venham de fontes absolutamente aleatórias, se incorporam na vida de cada um como elementos de um enredo dramático, e, de certo modo, cada pessoa que você conhece tem o direito de ser tratada como personagem desse drama. Ela tem uma vida própria, ela pode contar a sua vida, e os fatos da vida têm para ela um significado, mesmo que seja um significado ilusório (mesmo sendo um significado ilusório, não quer dizer que essa ilusão não exista mesmo, e que não tenha para ela, dentro do drama da sua vida, um papel específico).Você é capaz de contar a vida de quantas pessoas em torno? Em geral, a compreensão que você tem das pessoas em torno é meramente esquemática,
e não dramática; você não as entende como personagens de um drama, como elas mesmas se entendem. Você as entende como personagens ocasionais de cenas separadas, e estas cenas você incorpora ao seu próprio drama. Enquanto você faz isso, você está no egocentrismo, na ilusão egocêntrica. Você só sai disso se tentar contar a vida das pessoas como você conta a sua. Quando você conta a sua vida, você
tem um sentimento de unidade do seu personagem desde o começo até o fim. Pelo simples fato de você contar agora cenas que se passaram quando você era bebê, ou seja, o “eu” que está contando a história agora é o mesmo “eu” que você coloca dentro do bebê, de tal modo que ele fale. Mas raramente você concede esse privilégio aos outros. Isso significa que você está em um mundo onde existe somente um “eu”, e existem personagens ocasionais que vão compondo o seu “eu”. Mas será que a vida é realmente assim? Não pode ser, pois cada uma das pessoas acha que tem um “eu”. Só de você tentar contar a vida das pessoas, você verá como esse seu horizonte vai se enriquecer e como as pessoas em torno começam a ser mais reais para você. Isto é um exercício que todo romancista faz. O romancista lê uma noticiazinha, “fulano matou não sei quem”, e imediatamente começa a imaginar tudo para frente e para trás – como
começou essa história. Isto fez da arte do romance um instrumento cognitivo formidável. Muitas vezes os romancistas entendem as coisas melhor do que os filósofos. No século XIX, quando tudo quanto é filósofo estava dizendo besteira, estava lá Dostoiévski que entendia as coisas mais ou menos como elas eram. “A partir de um romance conceber um roteiro de filme, e vice-versa.” Transforme um filme em narrativa verbal, e a narrativa verbal em filme, ou em peça de teatro. Isto serve, sobretudo, para você entender o que é a narrativa em si, e o que é a sua tradução ou condensação em símbolos que podem ser símbolos visuais, como no cinema, ou corporais, como no teatro. “Exercício de aceitar tudo o que nos acontece, sem queixas e lamentos. Apenas referido para ser feito mais tarde.” É claro, este exercício é um pouco mais complicado; ele se desdobra em uma série de outros. Um deles é você imaginar que tudo o que lhe acontece é responsabilidade sua. Na verdade não é, isto é falso, esse é um exercício construtivo. Mas você vai imaginar como se tudo que lhe acontece fosse o seu carma. Ora, se tudo o que me acontece fosse o meu carma, então só eu poderia ter um carma, e os outros não têm carma nenhum, porque tudo acontece em função da minha ilustre pessoa. Então isso é falso. Mas esse exercício é bom para você depois fazer o lado comparativo, ou seja, você se imaginar como se fosse uma vítima inerme dos acontecimentos, e tudo são os outros que fazem, nada é você. Então você vai ter essas duas perspectivas opostas, as duas falsas, mas em algum ponto elas têm uma tensão, e é nessa tensão que está a realidade das coisas.


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Olavo de Carvalho: Resumo da aula 11 do COF

Ideia principal: os três tipos de Educação

O tema de hoje é o seguinte: em circunstâncias normais, numa sociedade na qual você tem ideia de como ela funciona, quais são as instituições que existem, quais são os valores e critérios, quais são os hábitos consolidados; você normalmente estuda para obter um lugar dentro de um quadro que você mais ou menos já conhece. Existindo as várias profissões intelectuais, existindo as funções públicas, profissionais ou não, associadas à vida intelectual, você quer um lugar dentro delas. Essa condição não se cumpre no Brasil de hoje. A sociedade está numa mudança tão acelerada e existe uma decomposição tão rápida dos padrões da vida intelectual que, simplesmente, não há postos a serem preenchidos. Nós vamos ter que criar novas funções, criar novas identidades públicas, criar novos papéis dentro do cenário da vida intelectual e, de fato, nós vamos ter de criar a própria vida intelectual brasileira que não existe mais. Esta é uma situação muito peculiar que vai exigir de nós uma modalidade de ensino completamente diferente do que seria em outras circunstâncias. Por isso, tudo o que se faz aqui nos EUA, em matéria do que eles chamam liberal education, para a circunstância brasileira já não serve. Claro que nós vamos ter de aproveitar o que eles fizeram, mas de fato isso não resolve o nosso problema, nós precisamos de algo a mais. Em geral, a educação abrange os seguintes aspectos: em primeiro lugar, a educação da personalidade, das emoções, das reações básicas, dos valores etc. Isso é feito, em geral, quase tudo na educação doméstica. Quer dizer, é na sua casa, no meio de sua família, que você vai receber aqueles valores primários que, de alguma maneira, vão lhe orientar para o resto de sua vida, quer você permaneça fiel a eles, quer você os mude depois. Mas, de qualquer modo, eles são o quadro inicial de referência, é onde se forma realmente a sua personalidade. Não há comparação entre a função da escola e a função da família no tocante à formação da personalidade. A escola pode depois interferir em alguns hábitos, alguns valores, mas são hábitos e valores que dizem respeito mais à vida pública do sujeito. A personalidade de base, nós podemos dizer, já está formada quando você vai para a escola. Hoje em dia a tendência é mandar o sujeito para escola cada vez mais cedo, para que a própria escola molde a personalidade de base. Já não somente os códigos sociais e os valores que vão orientar a convivência na sociedade maior mas desde as próprias reações íntimas do sujeito. Hoje a tendência é fazer com que a própria escola as molde.(PAG 1) 

O que eu estava dizendo é o seguinte: hoje em dia, a tendência é mandar as crianças para a escola cada vez mais cedo, de maneira que a escola, sobretudo a escola pública, possa exercer sobre as crianças a mesma função da família: formar a sua personalidade de base. A personalidade de base é o mundo emocional que você vai carregar o resto da sua vida. Já não somente aqueles valores, hábitos e códigos que servem para a convivência social no plano da sociedade maior, mas até aquelas reações elementares de natureza quase inconscientes,que estão profundamente arraigadas em você. Hoje, a tendência é fazer com que até isso seja moldado pela escola. Mas esse processo não se consumou ainda, por enquanto ainda é a família a responsável pela formação da personalidade de base.(PAG 2) Depois dessa educação, que chamaremos de educação moral(o que é só uma convenção, não é um nome técnico), em seguida, começa a formação do cidadão para a convivência social, que naturalmente é feita na escola. Na escola é que você, pela primeira vez, vai receber regras formais que são válidas para toda uma comunidade. Essas regras são muito diferentes daquelas que você recebe em casa. Em casa você tem a autoridade do pai e da mãe que lhe dá certas ordens, coloca certas obrigações e coloca certas proibições, mas que só valem naquele contexto imediato, e que seria bem diferente do que você observaria numa outra casa. Neste plano você vê a infinidade de diferentes códigos familiares que podem existir. Eu me lembro, por exemplo, que, quando era criança, eu praticamente jamais apanhava, e ficava horrorizado de ver como as mães dos meus amiguinhos batiam neles com uma frequência extraordinária. A minha mãe era muito boazinha, além de ser uma mulher muito bonita. E eu às vezes olhava as mães dos meus colegas, elas eram feias, brutais e cruéis, viviam batendo neles, fazendo ameaças terroríficas. Eu me considerava um sujeito muito afortunado, eu falava: “Estou no paraíso aqui.” Havia esse contraste.(PAG 2) 

Agora, quando você ia para a escola, não. Você começava a receber códigos que eram válidos para toda uma comunidade de mil, duas mil, três mil, dez mil pessoas. Ali começava a tal da formação para a cidadania. Ser um cidadão é você estar submetido às mesmas regras que valem para toda a sociedade. Então, em um colégio grande com três ou quatro mil alunos, você tinha uma sociedade em miniatura, na qual o tratamento já não era direto e pessoal. Por exemplo, ninguém ia gritar com você como as mães, que às vezes tinham crises histéricas com as crianças. Algumas mães choravam, faziam chantagem emocional e se desesperavam quando os filhos não as obedeciam, o que era até pior do que bater neles. Você não via nada disso na escola, o tratamento era muito mais impessoal. Se você cometesse uma infração qualquer, ninguém descarregaria sobre você as suas emoções pessoais, simplesmente o castigariam, suspenderiam, expulsariam ou você seria exposto alguma humilhação pública, mas era uma coisa impessoal e mais ou menos mecânica. Muito pior, é claro, do que a coisa doméstica, porque a sua mãe, por mais brava e histérica que ela seja, você também pode fazer a chantagem emocional em cima dela, mas ali no colégio chantagem emocional não ia funcionar, eles estavam pouco se lixando para você. As suas emoções pessoais já não contavam, contavam apenas os seus direitos e deveres iguais aos direitos e deveres de todas as outras crianças. Esse era um segundo tipo de educação.(PAG 2 e 3) 

Essa educação não somente ia passar os direitos e deveres, mas ia passar certo número de códigos que permitiam que você agisse, que se virasse dentro da sociedade e aprendesse a obter dali aquilo que desejava e que era possível nas circunstâncias. Então, essa educação é o conjunto de habilidades práticas requeridas para a vida em sociedade. Inclusive já com até alguns rudimentos de vida comercial. Por exemplo, eu me lembro que a gente podia abrir uma conta no bar da escola para comer um sanduíche, mas você tinha de pagar. Você começava a entender que existe isso: você contrai uma dívida, você tem um prazo para pagar. Você começava a entender tudo isto. Aos poucos essa educação social, vamos chamar social, se transfigurava numa educação propriamente intelectual: o adestramento para as ciências, para a linguagem etc. De início, essa educação também tinha um caráter puramente disciplinar, eles lhe ensinavam regras que você tinha de cumprir. Então, eu digo que ainda não era uma educação, mas apenas um adestramento. A educação do intelecto propriamente dito começa na hora em que se requer de você uma compreensão e uma elaboração mais pessoal das coisas. Isso, de fato, não só não era exigido como era até proibido. 

A partir dos anos 60, em que as universidades são ocupadas por esse pessoal militante, gramsciano etc., aí é que se torna assim. Pior ainda, porque o objetivo ali não é despertar efetivamente a capacidade intelectual do sujeito, mas moldá-la para que ele se comporte desta ou daquela maneira. Para que ele se integre no grupo, diga as mesmas coisas que o grupo está dizendo, sinta as mesmas coisas e seja facilmente mobilizável para esta ou aquela reivindicação ou organização política etc. Podemos dizer que, no Brasil, praticamente toda a educação se transformou em educação social e adestramento.(PAG 3) Quando você vê as coisas que aconteceram na semana passada na USP, aqueles movimentos reivindicatórios, aquela coisa toda. Em nenhum momento aparece na cabeça daquelas pessoas a idéia de que aquilo é uma universidade pública e, portanto, eles não pagam nada pelo que estão recebendo, é tudo de graça. E tudo o que é de graça foi extraído dos impostos pagos não por moleques, mas por pessoas de 40, de 50 anos que estão trabalhando — que vão desde a classe média até o operariado mesmo — está todo mundo ali pagando imposto. Você não compra nada, não compra um maço de cigarro sem pagar imposto, não compra um saco de feijão sem pagar imposto. Todo mundo está pagando imposto, menos aqueles camaradas, eles só estão recebendo, quer dizer, eles não estão fazendo nada pela sociedade, eles estão recebendo tudo e de graça. E na hora em que um sujeito desses sente que tem direito a reivindicar, ele já se transformou num bandido automaticamente. Ele não tem direito de reivindicar nada, nada, nada. Quem está recebendo de graça tem de calar a boca e fazer o que lhe mandam. Quem tem o direito de reivindicar é quem está trabalhando, é quem está produzindo.(PAG 4) 

Curiosamente, embora esse tipo de atitude induza o indivíduo ao servilismo grupal mais extremo, ao ponto dele sentir que quem não pertence ao seu grupo não presta, é um fascista etc. Acabo de ver o documentário da USP, o pessoal chamando os outros de fascistas só porque os outros não queriam entrar na greve também, não queriam entrar no movimento também, até batendo nos caras. Essas pessoas foram adestradas para não saber onde estão, não saber qual é a sua verdadeira posição social, mas saber o que eles têm de fazer para serem aceitos no grupo. Embora essa educação concebida assim seja extremamente autoritária , o máximo do autoritarismo possível, onde tentar compreender a realidade é proibido e a única coisa permitida é comportar-se do jeito que se espera que você se comporte, as pessoas acreditam que, ao contrário, elas estão lutando pela liberdade. Quando chega nesse ponto está tudo perdido, as pessoas intelectualmente se transformaram em lixo e dali nunca vai sair nada.Para um sujeito desses um dia começar a raciocinar criticamente — eles falam tanto em pensamento crítico, análise crítica etc., mas onde eles exercem essa crítica? Eles exercem essa crítica sobre coisas que nunca viram, e jamais raciocinam criticamente sobre a sua própria situação.(PAG 5) 

Quando você não tem ideia de si próprio como agente produtor da situação, então você está totalmente alienado, porque, às vezes, nós não entendemos como é que a sociedade funciona e o que está acontecendo, mas, pelo menos, nós temos de saber o que nós estamos fazendo, quais são as conseqüências das nossas ações e qual é o peso delas dentro do contexto.(…….)(PAG 5) 

Eu vejo quando eu escrevo alguma coisa contra um sujeito, por exemplo, quando houve aquele problema com o Quartim de Moraes, quando ele disse que havia sido condenado por um crime de homicídio e eu disse que ele era um homicida, condenado, ele ficou bravo. Eu me limitei a reproduzir o que ele disse, e então ele disse que eu sou um caluniador fascista, um perseguidor fascista. Houve uma manifestação de quase dois mil professores da USP, todos indignados; organizações inteiras reunidas para defender o Quartim de Moraes e eu, sozinho, do outro lado. E eles achando que eu sou o opressor fascista, que eu estou oprimindo toda essa gente. Isso aí é uma fantasia psicótica tão óbvia! Como poderia eu oprimi-los? Eu tenho uma organização do meu lado, tenho as tropas policiais, eu tenho o aparelho do Estado? Tenho nada! Eles é que têm tudo. Um sujeito falando alguma coisinha contra um deles se torna automaticamente o opressor fascista e, eles, heroicamente, se reúnem.(PAG 6) 

Quando você vê as pessoas interpretando a sua própria situação existencial de uma maneira tão deslocada da sua própria realidade, nós temos de nos perguntar: onde é que começou isso? Isto começa exatamente na educação. No momento em que o que deveria ser educação intelectual se transforma somente em educação disciplinar, o indivíduo que está acostumado a raciocinar não de acordo com os cânones do conhecimento, mas com os cânones de uma conduta socialmente aprovada, daí para adiante ele sempre vai pensar não para conhecer, mas para adequar-se ao que os outros esperam dele. Ele vai usar o pensamento, o conhecimento (a imitação de conhecimento) como um meio de obter a aprovação, o amor, os bons sentimentos, os bons favores do seu grupo de referência. Ou seja, todo seu pensamento adquire uma estrutura mentirosa. E se o indivíduo continuar fazendo a mesma coisa e se adequar bem a isto, ele pode até se transformar em professor universitário. Prestem atenção: todos os professores de Filosofia e ciências humanas da USP que eu conheço raciocinam assim. Eles só querem mostrar que são bons meninos para o grupo que os aprova. Eles não têm nenhum interesse por conhecer nada.(PAG 6)

No Brasil não existe intelectuais tentanto compreender a Realidade

Não existe no Brasil uma categoria de intelectuais que estão tentando analisar a realidade, compreendê-la e esclarecê-la de algum modo. Isto simplesmente não existe mais, são apenas pessoas tentando mostrar bom-mocismo para seu grupo de referência e tentando demonizar a aparência de um adversário freqüentemente inexistente, totalmente imaginário! Como nosso objetivo não é entrar nessa pantomima, mas justamente estourá-la, nós vamos ter de criar novos papéis sociais ligados ao exercício efetivo da vida intelectual. Como este exercício efetivo não existe no Brasil, e essa é uma situação específica do Brasil que não se repete nem mesmo aqui nos EUA.Aqui, até mesmo os professores ativistas das universidades têm noção do que é vida intelectual, porque eles já tiveram isto desde o ensino secundário. Eles sabem o que é estudar, o que é a busca da verdade etc. Tanto que entre essas pessoas você vê um grupo bem maior de enganos bem intencionados do que no Brasil. São pessoas que efetivamente erraram no seu diagnóstico da realidade. Mas eu garanto para você que em geral, estes esquerdistas que tem por aqui, eles aceitam conversar, discutir e, se você provar o seu ponto, em geral, eles cedem, não que vão ceder no todo, que vão mudar, mas naquele ponto que você está discutindo eles cedem. Isto eu já testemunhei várias vezes. No Brasil não.(PAG 7) 

No Brasil, o pessoal que representa a classe intelectual (as “Marilenas Chauís, os Giannottis, os Safatles, os Emir Sader”),este pessoal vive não só na mentira efetiva, mas na mentira existencial total. Eles estão mentindo para eles mesmos, não sabem o que são e não querem saber. Toda sua vida é um jogo de esconde-esconde para que não percebam o que estão fazendo. Isto é uma coisa tão deprimente, tão horrível, que nós temos de examinar este fenômeno com certo cuidado, com certa prudência. Existe uma dose máxima de exposição a este fenômeno além da qual aquilo começa a exercer um efeito entorpecente, venenoso e possivelmente letal para a sua inteligência. Eu, em outras épocas, tive mais resistência para ler este tipo de coisa. O que eu li de besteira na vida, eu acho que sou recordista. Por exemplo, o livro da Marilena Chauí sobre Espinosa, eu garanto que fui o único sujeito que leu aquele livro. Por quê? Porque todos os críticos que elogiavam o livro, diziam que o livro estava acima de sua capacidade de julgamento, quer dizer: eles não entenderam. Todos eles diziam isso. E eu li o livro inteiro e raciocinei sobre tal. Ninguém foi mais bondoso com a Marilena Chauí do que eu. Li o livro dela inteiro , li este, li O que é Ideologia? e li o livro sobre a Repressão Sexual , eu li três livros da mulher! Puxa vida, então vão reclamar de mim? Nem a mãe dela leu! Eu acho que mãe dela é falecida ( eu conheci a mãe dela, muito boa pessoa), o pai dela que também era meu amigo, já falecido, Nicolau Chauí, eu garanto que ele não leria, pois não ia entender uma palavra daquilo.(PAG 7) 

No Brasil, este tipo de coisa é normal: você vai elogiar o livro não porque você o leu e o compreendeu, mas porque a pessoa pertence ao seu grupo de referência que é o grupo do que você imagina que são os bons — os bons e heróicos combatentes em luta contra o fascismo. Quando nós chegamos a este ponto, fique sabendo então que dentro deste mesmo curso, nós vamos ter de dar uma boa parte da sua educação social, mas eu não posso dá-la sob modalidade disciplinar. Não é possível. A educação disciplinar você só pode dar com aquelas pessoas reunidas e tendo um sistema de punições e recompensas; você tem um corpo de funcionários capazes de aplicar estas punições e recompensas, ou seja, precisa ter uma escola fisicamente instalada; então isto não é possível e, mais ainda, eu não tenho nenhuma vocação em educação disciplinar. A educação disciplinar consiste em você repetir cinqüenta vezes a mesma ordem e cada vez que o sujeito descumpre você o manda de castigo. Eu não tenho a mínima paciência para fazer isto. Aqui nós vamos ter de passar a educação social sob a forma de uma meditação crítica sobre a sua própria experiência: aquilo que você aprendeu, aquilo que a você foi acostumado e recolocar a questão de se é isto o que você quer, se é isto o que você aceita e se era isto que você queria ser quando crescer.(PAG 8) 

Quanto à educação intelectual propriamente dita, o que nós estamos fazendo aqui é, evidentemente, uma coisa que não se pode encontrar em nenhuma escola brasileira, porque o que nós queremos é despertar a sua inteligência, mostrar a sua capacidade de compreender a realidade da experiência. Esta é uma experiência que a maior parte das pessoas nunca teve. É incrível! Eu já dei aula para milhares, dezenas de milhares de pessoas e, muitas vezes, eu tive este feedback. As pessoas me diziam: “Ah, então dá para fazer isto?” Mas é claro que dá! O ser humano nasceu para fazer isto. Nós temos esta capacidade. Ou seja, você vai olhar a situação com os seus próprios olhos e vai entendê-la. E, em geral, você vai entender da mesma maneira que outro sujeito que examinou a situação e a enxergou. E isto não é milagre nenhum, sempre foi assim. A capacidade intelectual mínima, a experiência da capacidade intelectual é algo do qual todos vocês foram privados na escola, desde o primário e até mesmo universidade. É claro que isto tudo configura um crime. Hoje, quando o Estado já está educando as crianças para a prática da pedofilia, isto é, transformando as crianças em clientela de pedófilos e proclamando que a pedofilia consentida não é crime etc. (já existe sentença do STF nesse sentido), é isso que está sendo ensinado na escola. E daqui uns anos, eu aviso a vocês, o uso da palavra pedófilo será proibido. Você não poderá chamar a um pedófilo de pedófilo. Assim como hoje não se pode chamar um abortista de abortista, não será permitido chamar um pedófilo de pedófilo, pois você irá para a cadeia se fizer isso. Isso está sendo programado e será feito. Já que é nessa sociedade que vocês vão viver, não há nenhuma possibilidade de adquirir uma formação intelectual para se encaixar harmonicamente, pacificamente dentro dessa sociedade, porque ela é incompatível com o exercício da vida intelectual. Vocês estão recebendo aqui um tipo de educação que vai colocá-los em uma situação conflitiva e, evidentemente, vocês não vão entrar neste conflito para perder: vão entrar para se imporem como verdadeiros conhecedores do assunto, como autoridade e mandar aos outros calarem a boca. Esta é a sua função: tentar se transformarem em intelectuais sérios e criar um novo modelo de conduta que a sociedade desconhece e vão ter que impor este modelo. Para impor este novo modelo é necessário que vocês comecem a examinar desde a sua formação emocional de base para ver se ela os qualificou para isso. Porque o normal na situação brasileira de hoje é ser educado para se tornar um pusilânime, um covarde. Isto é a norma.(PAG 8) 

Quando a ameaça não vem da realidade, mas vem do seu imaginário, então não há limite para o medo que você pode ter. Você pode ter medo de respirar. E é assim que se mantém as pessoas sob domínio: espalhando um vago temor não definido e de fato jamais concluindo a ameaça, porque se ela se cumpre, você vai ver que não era ameaça, não é tão grave assim. Por exemplo: por que o pessoal tem medo dessas organizações de esquerda? O que elas podem fazer contra você? O que elas podem fazer contra mim? Elas podem falar mal, mas eu posso falar mal delas também. Elas vão me olhar feio, elas não vão gostar de mim e dizer: “agora eu não gosto mais de você”. E quem quer o amor delas? As pessoas são educadas para se tornarem carentes afetivas e estar sempre esmolando amor e compreensão. Então eu sugiro: qual é o antídoto contra isto? Você faz a lista das pessoas que você gosta e respeita e diz: eu quero que estas pessoas aqui gostem de mim e os outros não. Agora, se você vê que um desses começa com chantagem emocional… Porque quem gosta de você quer que você se desenvolva e se realize e que você se torne forte, independente e capaz — não é isto? Agora, se quer te manter na escravidão, é claro que não é teu amigo, então este você corta da lista.(PAG 9) 

(….)O exercício da vida intelectual, sobretudo da Filosofia, não é compatível com nenhuma espécie de covardia; nem covardia física, nem moral, muito menos covardia intelectual ,medo de saber como as coisas são mesmo. Nós vamos ter de rever tudo isto. Nesse sentido, é um problema para mim, porque eu não posso entrar direto numa formação intelectual partindo do princípio de que as pessoas estão emocionalmente e socialmente prontas para aquilo, porque não estão.(…..) 

Como os brasileiros ,por terem recebido a educação emocional que eu mencionei,são pessoas medrosas, carentes afetivas, incapazes de lutar por si mesmas e sempre necessitadas de um apoio, de uma aprovação social, é precisamente isso que elas buscam na leitura também. Elas querem sentir que pertencem a um grupo, que são amadas, que são aceitas, que encontraram seus semelhantes, é só isto que estão procurando. Ora, essas funções todas de integração grupal são problemas que qualquer cachorro, coelho, esquilo ou rato tem. Todos eles têm necessidade de um grupo de referência. Quando um cachorro sai cheirando a bunda dos outros cachorros, ele está querendo saber quem é esse cara, de onde ele vem, se ele é amigo ou inimigo etc. Então é uma função puramente animal.A possibilidade de saltar disso para o mundo cognitivo, que é o mundo da objetividade, da realidade, é nula. E o mundo da realidade está para essa experiência da identificação grupal mais ou menos como o oceano está para uma poça d´água. Você está acostumado com aquilo como um girino está acostumado a nadar na poça d´água, e de repente alguém te bota o mar na frente.(PAG 11) 

Agora, se você vai discutir com o seu colega de faculdade, com o seu colega de trabalho, com o pessoal da sua família, para que você está fazendo isto? Você não vai trazer nenhum benefício para eles, nem para você, nem para terceiro. Você está apenas tentando conquistar a adesão deles a você, para que eles gostem de você, e isto está profundamente errado. Porque você está caindo de novo na mesma armadilha. Caiu de novo na armadilha da busca da aprovação social. Só que você se tornou um cara diferente e quer que eles aprovem o diferente. A resposta para isso é muito simples: “Vai procurar a sua turma.” Quem é a sua turma? São os outros estudantes do Seminário. Tem um montão, aqui tem centenas. Você não vai se sentir sozinho porque há aqui outras 400 pessoas que estão buscando aquilo que você está buscando, e isso é a base da amizade. São Tomás de Aquino dizia que a amizade consiste em querer as mesmas coisas e rejeitar as mesmas coisas. Aqui nos Estados Unidos as pessoas compreendem isto, porque a rede de amizades aqui costuma formar-se pela afinidade na busca de certas coisas. Há, por exemplo, pessoas que gostam de caçar, então você vai lá e faz amizade no círculo de caçadores. Aqui está cheio, aqui na Virginia está cheio. Ah, você não gosta de caçar, mas gosta de poesia, então tem lá o clube de poesia; os caras vão lá recitar poesia e você faz amizade ali. Ou seja, a amizade não é feita na base da pura simpatia pessoal momentânea que é totalmente enganosa, meu filho. Você pode simpatizar com uma pessoa, mas você não sabe quem é ela realmente. Então aqui, nos Estados Unidos, esse problema está resolvido. As amizades aqui são mais sólidas por causa disso. No Brasil, o que é a amizade? O sujeito ser seu amigo significa o seguinte: ele está no seu círculo de amizade, no seu círculo de convivência, então ele adquiriu o direito de falar mal de você. Todos nós sabemos que é isto. Isto é o máximo que você vai obter de um amigo. Agora experimenta pedir um dinheiro emprestado para o desgraçado que você vai ver que a amizade acaba naquele mesmo momento. Você está lá desesperado, sem emprego, sua mulher está doente, seus filhos estão sem leite pra tomar, e você vai pedir um dinheiro pro sujeito. O que ele faz? Ele não lhe dá o dinheiro e ainda lhe dá um discurso moral. Dá uma série de conselhos onde ele prova por A + B que você é um irresponsável, moleque etc., e você sai dali muito grato e mais necessitado do que nunca da aprovação daquele sujeito. É isto que é a amizade no Brasil. Vocês sabem, vocês têm a experiência disso.Se você tenta discutir com essas pessoas é porque quer a aprovação delas. Só é lícito começar a discutir e começar a falar em público quando você está realmente empenhado numa missão e não espera mais a aprovação das pessoas, e você não quer isto. Se você quiser a aprovação delas você já está numa posição fraca. Quando eu começo a falar ou discutir em público com um sujeito qualquer, eu não quero a aprovação dele, eu digo: “Se você me aprovar, isto é vantagem para você. Eu não vou ganhar nada com isso.” Se você disser: “Ah, agora você mudou minha idéia, agora entendi, agora estou acreditando em você.” Eu digo: “Bom para você, porque para mim você só vai fazer uma coisa: você vai começar a mandar e-mail, fazer perguntas, vai começar a me encher o saco. É isso o que eu ganhei de convencer você. Agora, você não, meu filho, você ganhou uma nova perspectiva, uma nova vida. Então, sorte sua que acreditou em mim.” 

Eu realmente não preciso mais da aprovação dessas pessoas. Não preciso da aprovação de mais ninguém. Eu tenho algo a dar para vocês. Se pegarem, sorte sua, bom para vocês. Se não pegarem, problema seu. Eu me sinto amplamente recompensado simplesmente por estar fazendo o que estou fazendo, porque é algo que eu planejava fazer a minha vida inteira. Então você, no curso da sua formação intelectual, moral e social que vai adquirir aqui mesmo, sábado após sábado você vai consolidando estas coisas, você vai ficar muito mais forte do que está. E vai adquirir aquele tipo de respeito por si mesmo, aquela consciência clara daquilo que está fazendo que lhe permitirá adotar, como eu mesmo adotei, a divisa do Dom Quixote: “Yo sé quien soy”. Eu sei quem eu sou, eu sei o que estou fazendo, eu sei quando eu estou certo, eu sei quando eu estou errado e a sua opinião a meu respeito, para mim não significa nada, nada, nada. Só que para isso você tem de adquirir a condição de objetividade. A condição de reconhecimento da realidade, e isto é um treino. Vai muito tempo para adquirir isto. A vida intelectual, compreendida tal como estamos compreendendo aqui, ou seja, como a condensação e um upgrade da educação social e do adestramento que você recebeu, ela significa a conquista da maturidade. Aristóteles já dizia que o homem ideal para o estudo da filosofia é o homem maduro(…..).(PAG 13) 

Para você progredir na vida intelectual e lembre-se, toda essa fase desse curso é uma fase introdutória, uma fase de preparação do imaginário, de aprimoramento da sua maturidade ou conquista da maturidade para que quando nós tomarmos as questões filosóficas substantivas, vocês tenham a atitude certa, que é atitude de sincero interesse pela verdade e não de busca de uma pura auto-satisfação. A auto-satifação deve ser buscada na atividade em si e não no conteúdo das respostas buscadas. Você deve estar disposto a aceitar qualquer verdade. Diz que Maomé rezava sempre assim: “Deus, me mostra as coisas como são.” Eu acho isso maravilhoso. O que quer que você pense de Maomé sobre outros aspectos (…) Esta prece é exemplar. E eu, antes mesmo de saber isto, eu me lembro que na juventude eu li os livros de uma psiquiatra, psicanalista chamada Karen Horney, A Personalidade Neurótica do Nosso Tempo e vários livros clássicos da psicanálise. Eu não me lembro de quase nada, mas eu me lembro que ela mostrava muito bem o que eram as racionalizações ou auto-enganos. Eu, quando vi aquilo, falei: “Meu deus do céu, esse negócio é realmente perigoso! Eu me enrolo a mim mesmo de uma maneira fantástica. A nossa tendência é nos enrolar. Só que se eu me enrolo eu obtenho aquela satisfação momentânea, mas eu estou cada vez mais pulando fora da realidade e isto pode ser perigoso.” Quer dizer, eu andar em minha própria companhia é muito perigoso. Minha mãe sempre dizia para eu evitar as más companhias, mas eu dizia: “Eu não posso mãe, eu estou comigo mesmo o dia inteiro aqui.”(pag 14) 

Então, eu, desde muito cedo, desenvolvi essa coisa de tentar descobrir qual é o meu auto-engano. E, sobretudo, eu lembro que na hora em que eu ia dormir, eu me deitava um pouco antes de ficar com sono, e falava: “Olha, eu vou permitir que venha de dentro de mim qualquer informação que tenha aqui. Por mais decepcionante, vergonhosa ou temível que seja, eu quero saber. Eu estou aqui deitado, tranqüilo, não vai me acontecer nada, se eu descobrir as piores coisas a meu respeito ninguém vai saber. Estou aqui, comigo mesmo, em perfeita segurança. Eu quero saber a verdade a meu respeito.” Quantas vezes eu não vi que durante o dia eu tinha enrolado as pessoas, tinha enganado, milhares de vezes. De tanto você ver isso, você começa a perceber isso nos outros também. E isso significa que dali para diante você não tem mais que mostrar que você é melhor do que as pessoas, porque você não é. De fato você não é, você é apenas mais um. E se alguma vantagem você tem é porque você começou a descobrir em você mesmo a raiz do mal, da mentira, da falsificação etc. A vantagem que você tem é essa qualidade a mais que os outros não têm, ou seja, você conhece a sua maldade.(pag 14) 

Eu não sei onde eu li, quem falou, eu não lembro se foi León Bloy, ou Jules Barbey d’Aurevilly, eu não lembro. Barbey d’Aurevilly é um escritor maravilhoso do século XIX, que pouca gente leu, mas é incrível. É tão bom quanto Balzac. E ele dizia o seguinte: o mundo se compõe de dois tipos de pessoas: pessoas boas que acham que são más e pessoas más que acham que são boas. Isto aqui é para você guardar na sua cabeça o resto da sua vida. [Se] o nego está querendo se fazer de bonzinho, mostrar bom-mocismo, mostrar bons sentimentos é porque ele não presta. Fuja disso aí. Sobretudo quando você lê esses artigos de jornal e vê aquela exibição, aquele esforço para agradar a certos grupos, mostrar certos serviços para certos grupos, você está lidando com hipócritas, bandidos, mentirosos, gente perigosa mesmo. Se o sujeito começar a querer se mostrar muito mal demais também está mentindo, é porque ele está fazendo diabolismo, ele está fazendo a apologia do mal, o prestígio do mal. Tipo Marquês de Sade, Jean Jacques-Rosseau, Jean-Paul Sartre faz isso. Esse também está com treta.(PAG 15) 

Existem inúmeros livros que você pode ler e que irão ajudá-lo nesta aventura do autoconhecimento. O primeiro são as Confissões de Santo Agostinho. Aquele é o modelo: naquelas confissões, pela primeira vez, e não antes, o homem ocidental adquire a noção da sua responsabilidade por tudo o que se passa dentro da sua alma. Esta foi uma conquista da civilização e não algo que veio naturalmente. Claro que todo homem tem a capacidade para realizar esta confissão, pelo simples fato de ser homem. Porém, o confronto com a realidade existencial da sua própria vida não é uma idéia que ocorra naturalmente aos seres humanos. Quando Agostinho começa a fazer isso já havia quatro séculos de experiência da confissão cristã. A confissão é um sacramento, mas ela também é uma arte, e também é uma técnica, e esta foi se aprimorando com o tempo. 

PREPARAÇÃO PARA A CONFISSÃO: “COMPENDIO DE TEOLOGIA ASCÉTICA e MÍSTICA

Eu me lembro, por exemplo, que havia o livro do Adolphe Tanquerey: COMPÊNDIO DE TEOLOGIA ASCÉTICA E MÍSTICA. Neste livro, ele ensinava a preparação para a confissão. E o que é esta preparação? É o que se chama exame de consciência. Esta é uma prática que tem dois mil anos! E o primeiro que fez a confissão não acertou tudo: ele teve que ir aprendendo.A confissão, claro, tem um lado puramente ritual. É um rito pelo qual o sacerdote, investido do mandato divino para isto, concede a absolvição dos seus pecados. Porém, existe a articulação entre este lado exterior ritual e o lado interior. O sacerdote o absolve dos seus pecados desde que a confissão tenha sido sincera. Entretanto, a confissão sincera é um problema gravíssimo, porque freqüentemente nós não sabemos sequer o que é e o que não é pecado. Freqüentemente, estamos confusos com relação a nossa vida interior. Além disso, você não pode ir ao confessionário e lá permanecer por dez dias fazendo as “confissões de Santo Agostinho” , isto não é possível! Então, você vai ter de agrupar os seus pecados por gêneros e espécies e mencioná-los ali de forma mais ou menos genérica. Mas, para isso, você precisa saber quais são eles.Havia no livro do Adolphe Tanquerey a técnica do exame de consciência, que é uma técnica muito simples. Você tem dez mandamentos a cumprir e, então, com relação a cada um desses dez mandamentos, você vai responder a uma série de perguntas para si mesmo: eu fiz “isto”; eu fiz “aquilo”; eu pensei “aquilo outro”; eu tive “tal e qual” intenção. Era algo maravilhoso! O sujeito respondia a cem perguntas e, convenhamos: é impossível fazer isso e não sair sabendo algo sobre si mesmo, mas desde que se faça isso não com um espírito masoquista, porque é quase inevitável que se introduza dentro desta prática aquela hipocrisia de querer parecer um bom menino perante o próprio Deus. Entenda: você precisa ter em mente que não está lá para ser aprovado por Deus, pois Ele já te desaprovou! Pois existe o pecado original, que significa o seguinte: estamos todos ferrados! Ninguém presta! Ninguém, ninguém, ninguém! Tirando Jesus Cristo e Nossa Senhora, ninguém presta. Não adianta você querer agradar a Deus, porque você já desagradou. Ele não está ali para aprová-lo. Ele está ali para quebrar o seu galho. Fazer um discurso de auto-acusação perante Deus também não vai resolver seu problema, porque Ele sabe muito mais do que você sabe. Esta prática é para que você fique sabendo, de si mesmo, algumas coisas que Deus já sabe. É uma prática de abertura e de tomada de consciência. Ela tem de ser feita com certa tranqüilidade e neutralidade. Não é para você ficar batendo no peito: “Eu sei que sou um filho da puta, eu sou isso, eu sou aquilo…” Não é isso! Se fizer assim, você já inverteu tudo. Aquilo deve ser feito com serenidade e até com certa alegria, porque você sabe que, descubra você o que descobrir a respeito de si mesmo, por mais decepcionante que seja…(PAG 16) 

Refazer as três etapas da Educação

Para chegar a dominar com proveito os instrumentos da vida intelectual e os conteúdos todos que você pode adquirir, sobretudo do estudo da própria filosofia, você vai precisar refazer as três etapas da educação: a educação moral, a educação social e, finalmente, o adestramento intelectual e a educação intelectual propriamente dita. Eu chamo de adestramento a aquisição das simples técnicas repetitivas. É tal como, por exemplo, quando você vai aprender uma língua, você decorar os tempos verbais etc. Em cima disso é que vem a educação intelectual propriamente dita. Você vai ter de refazer estas três etapas. E como é que você as refaz? A educação moral você refaz a partir da prática da confissão. Todos têm de fazer esta prática. Não é que você tenha de ser católico. Pode ser budista, protestante, judeu, qualquer outra coisa, e mesmo assim vai lhe fazer bem. E, sobretudo: não há outra técnica.(pag 16) 

Não há outra modalidade de autoconhecimento a não ser a técnica da confissão. É claro que você mesmo pode completá-la, mas apenas acrescentando, sem jamais tirar nada! Eu sugiro esse livro do Adolphe Tanquerey: COMPÊNDIO DE TEOLOGIA ASCÉTICA E MÍSTICA, do qual há uma tradução portuguesa antiga. Se não a encontrarem não se preocupem, pois em breve nós a colocaremos em circulação, ou ao menos este trecho, seja sob forma impressa ou como arquivo PDF.(pag 17) 

É através da confissão que você vai corrigir as inumeráveis distorções da sua educação primeira. Preste atenção! Isto não está incluído nas perguntas do Tanquerey, mas adaptando à situação brasileira específica, preste atenção ao seguinte: na sutil indução de covardia que houve desde que você era pequeno. Você é induzido, em primeiro lugar, à busca de segurança, à busca de proteção. É incrível! As pessoas estão mais preocupadas com que você se autoproteja, em vez de estar preocupadas com que você vença. Eu, por exemplo, não eduquei meus filhos para que eles se protegessem, mas para que vencessem. Quando eles querem enfrentar um desafio, eu sou o primeiro a incentivá-los. Eu digo: “Vai! Toma cuidado, mas vai!”. Eu vejo que, na sociedade brasileira, existe essa indução a uma autoproteção excessiva e à busca de proteção e de aprovação. Preste muita atenção nisso: onde você procurar dentro de você, irá encontrar mecanismos que você possui para cortejar a aprovação ou de um grupo de referência, ou do chefe, ou de alguma outra pessoa.(PAG 17) 

(……)Você tem de se preparar. Entre na briga apenas quando estiver seguro de que o está fazendo por motivo moralmente relevante e não por auto-satisfação. Isto pode levar o tempo que for necessário, mas não saia por aí convencendo ninguém, nem saia por aí fazendo revistinha universitária, não precisa e é inútil fazer isso agora. Se você fizer isso a sociedade vai convertê-los nos mesmos simulacros que já estão por aí. Eu lembro que aqueles alunos que fizeram o jornalzinho “O INDIVÍDUO”, eu não tinha dito para eles fazer jornal nenhum, nunca mandei ninguém fazer isso. Para que eu iria incentivá-los a fazer jornal de estudante?! Pelo amor de Deus, pô! Se eu fosse um partido político, eu iria formar militantes.Militantes a gente atira na briga para que eles se ferrem. Eu não faria isso com meus alunos. Eu quero que meus alunos se preparem, se transformem em intelectuais de peso e, mais tarde, prestem um serviço bom. Mas aqueles estudantes publicaram aquele jornal, arrumaram uma encrenca e então vieram pedir socorro. Mas quem mandou fazer aquela porcaria? Foram cutucar a onça com vara curta, sem envergadura para enfrentar a PUC do Rio de Janeiro. Eu tenho envergadura! Eu vou lá e calo a boca daquele reitor, ele fica quietinho! O sujeito acabou de entrar numa academia de boxe e vai subir no ringue para lutar com o Mike Tyson?! Mas é louco! Você se omitir e recuar,durante um tempo para a sua formação não é será covardia nenhuma.Você está se preparando para a briga. Você vai entrar, não só quando estiver preparado, mas quando entender que o principal de sua preparação é de ordem moral e consiste em excluir de suas motivações qualquer necessidade afetiva que tenha. Você entrará quando fizer isso como um ato de amor ao próximo sem esperança de recompensa ou somente pela recompensa divina. Eu quero que Deus aprove o que eu estou fazendo! Vocês, o público e, sobretudo, os outros, pouco me interessa.(PAG 20) 

Eu lembro que quando era moleque fiquei muito doente e tive de tomar injeção de benzetacil diariamente. Tomei benzetacil todos os dias de minha vida e minha bunda dói até hoje. Eu gostava daquilo? Eu adorava o médico e o enfermeiro que vinham dar injeção? Meu pai aplicava injeção e eu ficava grato a ele? Claro que não! Eu odiava tudo aquilo e, no entanto, salvaram minha vida. A função intelectual é essa! Você está fazendo um trabalho de salvação pública! Se a pessoa gosta ou não gosta não é o problema. Você não está lá para agradá-las. Você está fazendo o bem para elas, mas se elas não reconhecerem… É como uma criança que toma injeção e esperneia. Você vai querer saber a opinião dela? O médico vai perguntar: você está gostando meu filho? Claro que não! O médico precisa de minha afeição? Não! Ele só quer me curar, quer que eu fique bom. Se eu odiá-lo o resto da vida, isto não o afeta. É assim que vocês têm de trabalhar.(PAG 20) 

Em segundo lugar, além desse problema da educação moral, temos o problema da educação social; quer dizer: qual é a posição social que vocês vão desfrutar? Não pensem que vocês vão encontrar dentro de uma sociedade já estruturada os lugares prontos para vocês ocuparem. Não! Esses lugares não existem, vocês vão ter de abri-los a cotoveladas. José de Ortega y Gasset dizia o seguinte: “Gênio é aquele que inventa a sua própria profissão”. Cada um de vocês vai ter de fazer isso. Ou seja, cada um de vocês vai ter que ocupar um lugar socialmente inexistente. Vocês têm um precedente, que sou eu; eu estou fazendo isso. Se eu fiz, cada um de vocês pode fazer também. Vocês vão ter de descobrir novas fórmulas de atuação, novos meios de subsistência, novos meios de atuação profissional, comercial etc. Cada um de vocês vai ter de pensar uma forma original. E, prestem bem atenção: garanto para vocês que fazer isto é muito mais rentável do que qualquer emprego, sobretudo emprego universitário. Eu não sou nenhum milionário, nenhum sujeito rico, mas eu ganho mais do que qualquer professor universitário no Brasil.(……)(PAG 21) 

Minha tia, que era professora primária, vivia dizendo: “A imitação é a mãe do aprendizado.” Na época eu não entendia o que ela queria dizer, mas hoje eu entendo. Só que a imitação é para o aprendizado! Não é imitação para imitação. Se você se tornar um especialista em imitação, isso faz de você um ator. (É aquele negócio do Charlton Heston: seu filho perguntou o que ele fazia, ele explicou mais ou menos, daí o filho disse: “Ah, entendi! Você finge que é as pessoas”.) Daí você está treinando para ser um ator. A imitação é a especialidade do ator, mas para nós ela é um meio de aprendizado. Você vai imitar algo para tornar-se aquilo. Por exemplo, eu mesmo dei um exercício de imitação: vocês têm de imitar estilisticamente os escritores. Se estiver lendo Graciliano Ramos, Camilo Castelo Branco, você vai aprender a escrever igualzinho a esses caras, como se você fosse eles. Só que depois você vai imitar outro, e outro, e outro, e outro. É a imitação como aquisição de uma habilidade, não a imitação como instrumento para adquirir um brilho social. Ao contrário! Se você conseguiu escrever igualzinho ao Graciliano Ramos, sabe o que você faz? Joga fora! Não deixa ninguém ler isso, isso é exercício escolar. Mais tarde você vai aprender a escrever como você mesmo, vai conceber o seu arsenal de recursos estilísticos, de recursos expressivos, e isto de acertar a sua própria voz dá um trabalho maluco. A sua própria voz tem de ser ao mesmo tempo a impressão que você quer dar, e ela tem de ser a expressão real do que você é. Isto aí é um equilíbrio que se alcança muito gradativamente e de maneira muito trabalhosa. A imitação é como um instrumento de aprendizado. Se você for a uma escola de artes marciais, o que o seu professor vai fazer? Ele vai mostra os gestos e dizer: “Você faz assim, assim…”, e você vai imitá-lo. Quer dizer, você vai parecer estar fazendo aquilo, mas de fato você não está; entre você imitar o gesto dele e você ser capaz de fazer a mesma coisa… É uma coisa completamente diferente. Quando você se tornar capaz de fazer o gesto, você não vai se lembrar mais do seu professor; aí não é uma imitação mais: você estará fazendo de fato.(PAG 21) 

Na parte de educação moral, procurem ver o que há de mimético em vocês; mimético, mal intencionado e querendo fingir aparência, não o mimetismo pedagógico. E, na parte da educação mais intelectual, cultivem mais esse elemento, e o cultivem em tudo o que vocês fazem. Por exemplo, se você está aprendendo a tocar piano, você não vai ouvir os grandes pianistas? Não vai ouvir Wilhelm Kepff Kuzinsky? — para ver como é que eles tocam uma nota, qual é a velocidade que eles dão, como movem os dedos? Você não vai fazer tudo isso? Claro! Você vai imitar! Mas vai imitar um e dois e três e quatro, e, no fim, você vai ter um conjunto de recursos que vai usar quando for tocar. Na medida em que você cultiva a imitação como meio de aprendizado, você se livra da imitação como neurose. O que vai te livrar do mimetismo neurótico brasileiro é a imitação consciente, usada como instrumento pedagógico. É por isso que eu dou esse exercício: você vai imitar os escritores, e no que quer que faça, imite os melhores. Mas não imite um só, imite um, dois, três, quatro. Mas um de cada vez. Enquanto você não dominar o instrumento daquele, não passe para o seguinte. Você vai ver no fim que, por exemplo, tem alguns que são facilmente imitáveis. Um dos primeiros que eu imitei foi o Graciliano Ramos. Ele escreve simplezinho, ele é um escritor de poucos recursos, muito pobre, de certa maneira, mas ele sabe lidar tão bem com aquele negócio, que é um dos mais fáceis de a gente imitar. Mais tarde você vai ver: imitar um Camilo Castelo Branco, ah, meu filho! Imitar Aquilino Ribeiro… você está lascado. Eu não consegui ainda. Há essas três etapas da educação, e você vai ter de percorrer as três.(PAG 21 E 22) 

(…..)O material deste primeiro ano é muito mais literário do que filosófico,vá devagar para não dar ejaculação precoce, não dar a cristalização prematura da inteligência. As obras de índole teórica são todas alquimicamente correspondentes ao enxofre, todas elas. Elas vão estruturar o caos. Mas nós não temos o caos ainda. Primeiro é preciso ter aquela multidão. Leibniz dizia o seguinte: o sujeito que tivesse visto mais figurinhas, ainda que fossem todas imaginárias, saberia mais coisas. Porque ele tem aquela massa imensa de experiência imaginativa. É isto que vamos ter de fazer primeiro, temos que enriquecer, enriquecer, enriquecer. Se não fica como aquele negócio da economia socialista de dividir a miséria. Se ficarmos todos bastante ricos, nem precisa dividir nada, porque cada um já tem o que precisa. Aqui nos Estados Unidos é ridículo você pensar nesse negócio socialista, porque aqui o pobre tem casa, tem três carros, mais isso e mais aquilo. Dividir o quê? Você quer tanto dinheiro quanto o Rockfeller? Para que me serviria todo o dinheiro dele? Eu não saberia nem gastar essa porcaria. Estou satisfeito com o que tenho. Tenho lá a minha casa, tenho os carros, está tudo bem. Agora, no socialismo, os caras dividem o que não tem. Onde tem uma casa de dois quartos, colocam-se quinze famílias lá dentro. É o MST. Pega uma fazenda que está produzindo, divide aquilo tudo para ela parar de produzir, mata todas as vacas, toca fogo na plantação e vai pedir dinheiro para o governo. É uma entidade agrícola que vive de receber dinheiro do governo. Como é que pode? O que eles plantam e produzem? Nada, a produção do MST é ridícula. Então nós não vamos fazer a mesma coisa aqui. Prestem bem atenção: todas as obras de índole propriamente filosófica, obras de natureza conceitual, analítica etc, são o enxofre, são elementos cristalizadores. Não fornecem material, elas o cristalizam.(PAG 31) 

Até hoje eu agradeço porque meu interesse por Filosofia, de fato, foi tardio. Quando fui me interessar por filosofia, eu já tinha muita coisa de literatura, história, artes. Tinha tudo isso.Nada mais deplorável do que o sujeito tentado lidar conceitualmente com um universo cognitivo que ele não tem. É o que acontece com o senhor Vladimir Safatle e outros deste tipo. Deve ter lido um livro de filosofia, leu Lacan com doze anos e ficou assim. Deixa o Bernard Lonergan um pouco para depois. Ele vai te ensinar a meditar sobre a experiência, mas é preciso ter a experiência. Faça o que eu estou dizendo. Por exemplo, a experiência de você imitar escritores, de ler devagarzinho. Por exemplo: Aristóteles pode ser excelente para você ler assim. Além disso, para que você tem de ler um filósofo mais recente, se a filosofia tem uma história? Tudo na filosofia é baseado na história. Tudo o que acontece de bom na filosofia resulta da colaboração entre pessoas de épocas diferentes. A ordem das leituras pode até acompanhar a ordem histórica. Não vai fazer mal nenhum. Se for para ler livros de filosofia dê preferência aos mais antigos: Platão, Aristóteles etc.(PAG 31) 

Porque eu estou acostumado com o mundo do meu imaginário, que é constituído de Platão, de Aristóteles, de Shakespeare, de Goethe, de Dante Alighieri. É gente desta estatura que eu estou acostumado a ler. Neste nível, estes probleminhas existenciais dos intelectuais brasileiros não existem. Imagine Dante escrevendo aquele poema no qual ele joga até meia dúzia de Papas no inferno. Você imagina se ele estava pensando na opinião que os caras iam ter dele: “Ah, mas o padre não vai gostar!”, isso não passou na cabeça de Dante, nem por um minuto. A hipótese de adquirir algum conforto social com aquele poema jamais lhe passou pela cabeça, e é por isso mesmo que os caras o respeitavam. Se você quer ser amado por pessoas mesquinhas, idiotas e cretinas, então será outro igual a eles. Você tem de querer ser amado e respeitado pelos grandes. No meu tempo, eu conheci pelo menos dois grandes intelectos: o Bruno Tolentino e o falecido Doutor Miguel Reale eram dois gênios, sem sombra de dúvida. Se estes gostavam do que eu estava fazendo, eu lá estou querendo saber dos outros? Vou perguntar a opinião da Marilena Chauí? Ela é boa para escrever livros de cozinha! E não foi nem ela que fez, eu sei que aquelas receitas todas são da mãe dela, que é uma cozinheira excelente. Então, ela escreveu um livro de cozinha. Não venha me amolar. Não tenho tempo para perder com besteira. Eu quero a opinião dos sábios. No meu tempo havia um grande escritor vivo que era Herberto Sales, um mestre da língua. Este eu respeito. No dia em que ele disse: “eu aprecio o seu estilo admirável”, eu falei: “Pronto! Acabou!”. Não quero saber a opinião de mais ninguém: “Você não gosta do que eu escrevi? Vá chupar prego!” O Herberto Sales gostou? Pronto.(PAG 32) 

Preste atenção: você não tem de perguntar o que os outros acham de você. Tem de perguntar o que eu acho de você. Outro dia veio um rapaz que ficou aqui, eu o observei bem durante uns dois meses, no dia em que ele saiu eu falei: “Olha, você é um homem de valor. Você não é um boiola como esses.” O cara falou: “Não quero saber a opinião de mais ninguém.” Respondi: “E está muito certo você!”(PAG 32)

Gestão do Tempo

Em um mundo onde as demandas são constantes e o tempo é um recurso finito, a capacidade de utilizar o tempo com eficácia torna-se um fator determinante para o sucesso e a satisfação pessoal. Neste artigo, exploraremos a importância da gestão do tempo, destacando exemplos reais de personalidades notáveis que são conhecidas por aplicar eficazmente essa habilidade em suas vidas. Com base em suas experiências, aprenderemos como a gestão do tempo pode influenciar positivamente a qualidade de vida, o sucesso profissional e a busca por um equilíbrio saudável.

Quatro Exemplos inspiradores:

Antes de mergulharmos nos exemplos específicos, é fundamental compreender os princípios subjacentes da gestão do tempo. A gestão do tempo é mais do que apenas a alocação de horas e minutos para tarefas e compromissos. Envolve a capacidade de priorizar, planejar, executar e avaliar como usamos nosso tempo. É sobre identificar o que é mais importante e como podemos otimizar nosso tempo para atender a essas prioridades.

A seguir, exploraremos lições inspiradoras de figuras notáveis que demonstram o impacto da gestão do tempo em suas vidas, tanto no âmbito pessoal quanto profissional.

Elon Musk, o Visionário da Tecnologia

Elon Musk, o magnata da tecnologia e fundador da SpaceX e da Tesla, é um exemplo notável de alguém que valoriza a gestão do tempo em sua vida pessoal. Musk é conhecido por trabalhar longas horas, mas ele também entende a importância de dividir seu tempo entre sua família e interesses pessoais. Ele faz questão de passar tempo com seus filhos e reservar momentos para atividades de lazer, como a leitura, o que equilibra sua vida agitada.

Oprah Winfrey, a Multimilionária da Mídia

Oprah Winfrey, uma das mulheres mais influentes do mundo, é uma mestra na gestão do tempo. Além de sua carreira de sucesso na mídia, Oprah dedica tempo para cuidar de sua saúde, praticando exercícios regularmente e mantendo uma dieta equilibrada. Ela também pratica a meditação diariamente, o que contribui para seu bem-estar emocional. Essa abordagem equilibrada demonstra como a gestão do tempo eficaz pode levar a uma vida pessoal gratificante.

Warren Buffett, o Oráculo de Omaha

Warren Buffett, um dos investidores mais bem-sucedidos do mundo, é um exemplo brilhante de gestão do tempo na esfera profissional. Ele se concentra em priorizar suas tarefas e delega responsabilidades em sua empresa, a Berkshire Hathaway. Buffett é conhecido por sua abordagem metódica de investimento, que inclui tempo dedicado à pesquisa aprofundada antes de tomar decisões financeiras estratégicas.

Angela Merkel, a Ex-Líder da Alemanha

Angela Merkel, a ex-chanceler da Alemanha, é outra figura que ilustra a importância da gestão do tempo na política. Durante seu mandato, Merkel era conhecida por sua eficiência e habilidade de se concentrar em questões cruciais. Ela priorizava tarefas, lidava com crises internacionais e ainda encontrava tempo para recarregar as energias e passar tempo com sua família.

Sugestões para Melhorar a Gestão do Tempo:

Aqui estão algumas dicas para aprimorar sua gestão do tempo, inspiradas nas práticas dessas personalidades notáveis:

Defina metas claras: Estabeleça metas específicas e mensuráveis para orientar suas ações, como Elon Musk faz em seus projetos.

Crie um cronograma eficiente: Desenvolva um cronograma ou agenda que priorize tarefas essenciais e crie blocos de tempo para atividades de bem-estar, como faz Oprah Winfrey.

Delegue responsabilidades: Assim como Warren Buffett, saiba quando delegar tarefas para focar nas áreas onde sua presença é mais necessária.

Aprenda a tomar decisões ponderadas: Siga o exemplo de Angela Merkel, tomando o tempo necessário para considerar as decisões importantes em sua vida profissional.

Mantenha a consistência: Assim como Elon Musk, mantenha uma rotina que equilibre o trabalho e o lazer, permitindo a recarga de energia.

Conclusão: você pode aplicar as lições em sua vida.

As lições aprendidas com personalidades notáveis ilustram como a gestão do tempo pode ter um impacto significativo em todas as áreas da vida. Ao aplicar os princípios da gestão do tempo em sua própria rotina, você pode melhorar a eficácia, alcançar seus objetivos e manter um equilíbrio saudável.

Lembre-se de que a gestão do tempo é uma habilidade que pode ser aprimorada com prática. Não é necessário ser uma figura pública ou um empresário de renome para colher os benefícios da gestão do tempo. Independentemente de sua carreira ou circunstâncias pessoais, você pode usar essas lições para otimizar seu tempo, alcançar suas metas e levar uma vida mais gratificante.

Ter Educação Financeira é essencial

A gestão eficaz das finanças pessoais é uma habilidade crucial para alcançar a estabilidade econômica e a realização de objetivos financeiros. No entanto, muitas pessoas lutam para entender e aplicar os princípios financeiros básicos em suas vidas. É aí que o coaching financeiro entra em cena. Neste artigo, exploraremos o que é o coaching financeiro, como ele funciona e como essa abordagem pode transformar vidas através do planejamento financeiro e do desenvolvimento pessoal.

O coaching financeiro é uma disciplina que combina a educação financeira com o coaching de vida para ajudar os clientes a alcançar suas metas financeiras e pessoais. Um coach financeiro não apenas fornece informações sobre finanças pessoais, mas também auxilia os clientes na identificação de suas metas financeiras, na criação de um plano realista e na superação de obstáculos emocionais e comportamentais que possam estar atrapalhando o progresso.

Ao contrário de um consultor financeiro tradicional, que geralmente oferece conselhos financeiros diretos e serviços de gerenciamento de investimentos, um coach financeiro atua como um paceiro que capacita o cliente a tomar decisões financeiras informadas e sustentáveis. O foco não está apenas em maximizar retornos financeiros, mas em melhorar a saúde financeira geral e a qualidade de vida do cliente.

Como o Coaching Financeiro Funciona?

O processo de coaching financeiro geralmente segue uma série de etapas bem definidas:

1. Avaliação Inicial

O coach financeiro realiza uma avaliação inicial da situação financeira do cliente. Isso inclui examinar dívidas, ativos, receitas, despesas e objetivos financeiros. Também é importante entender a psicologia financeira do cliente e identificar quaisquer comportamentos ou crenças limitantes em relação ao dinheiro.

2. Definição de Metas Financeiras

O cliente e o coach trabalham juntos para definir metas financeiras claras e alcançáveis. Essas metas podem incluir a compra de uma casa, o pagamento de dívidas, a aposentadoria confortável ou a criação de um fundo de emergência. Estabelecer metas é fundamental para direcionar o plano financeiro.

3. Desenvolvimento de um Plano Financeiro Personalizado

Com as metas estabelecidas, o coach financeiro auxilia o cliente na criação de um plano financeiro personalizado. Isso inclui um orçamento que aborda despesas, poupança e investimentos, bem como estratégias para alcançar as metas financeiras estabelecidas.

4. Educação Financeira Contínua

O coaching financeiro envolve a educação financeira contínua do cliente. Isso pode incluir a compreensão de conceitos financeiros, como investimentos, diversificação, impostos e gestão de dívidas. Quanto mais informado o cliente estiver, melhores serão suas decisões financeiras.

5. Monitoramento e Ajustes

O coach financeiro acompanha o progresso do cliente ao longo do tempo. Se necessário, o plano financeiro é ajustado para refletir mudanças nas circunstâncias ou nas metas financeiras. O acompanhamento contínuo é fundamental para manter o cliente no caminho certo.

6. Apoio Emocional e Motivação

Além das questões puramente financeiras, o coach financeiro também fornece apoio emocional e motivação. Lidar com as emoções em torno do dinheiro, como ansiedade, medo ou compulsão, é uma parte fundamental do processo de coaching financeiro. O coach ajuda o cliente a superar obstáculos emocionais e a manter o foco em suas metas.

Transformando Vidas Através do Coaching Financeiro

O coaching financeiro pode ter um impacto profundo na vida dos clientes de várias maneiras:

1. Melhoria na Saúde Financeira

Através do planejamento financeiro, os clientes podem criar um caminho claro para a estabilidade financeira. Eles aprendem a controlar as despesas, economizar regularmente e investir de forma inteligente. Isso pode levar a uma redução da dívida, aumento da poupança e maior tranquilidade financeira.

2. Alcance de Metas Financeiras

O coaching financeiro ajuda os clientes a definir metas financeiras realistas e a desenvolver um plano para alcançá-las. Isso pode incluir a compra de uma casa, o pagamento de dívidas, a preparação para a aposentadoria ou a criação de uma reserva financeira para emergências.

3. Redução do Estresse Financeiro

O estresse financeiro pode afetar significativamente a saúde mental e emocional. O coaching financeiro ajuda os clientes a enfrentar seus medos e preocupações em relação ao dinheiro, proporcionando-lhes ferramentas para lidar com o estresse financeiro de maneira eficaz.

4. Desenvolvimento de Hábitos Financeiros Sustentáveis

Uma das maiores vantagens do coaching financeiro é que ele ajuda os clientes a desenvolver hábitos financeiros sustentáveis a longo prazo. Isso significa que, mesmo após a conclusão do programa de coaching, os clientes continuam a tomar decisões financeiras informadas e a manter o controle de suas finanças.

5. Melhoria no Bem-Estar Geral

Ao eliminar preocupações financeiras, melhorar o planejamento financeiro e desenvolver uma compreensão mais profunda de como o dinheiro funciona, os clientes experimentam um aumento no seu bem-estar geral. Eles se sentem mais seguros, confiantes e capazes de enfrentar desafios financeiros.

Conclusão

O coaching financeiro é uma abordagem poderosa para transformar vidas através do planejamento financeiro e do desenvolvimento pessoal. Ao combinar a educação financeira com o apoio emocional e o coaching de vida, os clientes podem alcançar uma maior estabilidade financeira, alcançar metas financeiras significativas e melhorar seu bem-estar geral. Se você está lutando com questões financeiras ou deseja aprimorar sua saúde financeira, considerar o apoio de um coach financeiro pode ser um passo valioso em direção a uma vida mais próspera e equilibrada.

Saúde Financeira

A saúde financeira é um aspecto crítico da vida de qualquer indivíduo, afetando não apenas sua estabilidade econômica, mas também sua qualidade de vida e bem-estar geral. Neste artigo, exploraremos a importância da saúde financeira, discutindo como ela influencia vários aspectos de nossa vida e destacando a necessidade de gerenciá-la de forma responsável. Vamos abordar os benefícios da saúde financeira, os desafios que muitas pessoas enfrentam e algumas dicas práticas para melhorar sua situação financeira.

O Que é Saúde Financeira?

Antes de discutirmos a importância da saúde financeira, é importante entender o que ela significa. A saúde financeira refere-se à capacidade de uma pessoa de gerenciar suas finanças de forma eficaz, garantindo que suas despesas estejam equilibradas com sua renda e que haja espaço para economias e investimentos. Uma pessoa com saúde financeira está no controle de sua situação financeira, toma decisões conscientes sobre gastos e é capaz de lidar com despesas inesperadas sem entrar em pânico.

A Influência da Saúde Financeira em Nossa Vida

A saúde financeira desempenha um papel crucial em muitos aspectos de nossa vida. Aqui estão algumas maneiras pelas quais ela influencia nosso bem-estar geral:

  1. Redução do Estresse: Problemas financeiros são uma das principais causas de estresse. Quando as finanças estão em ordem, o nível de estresse é reduzido, permitindo que as pessoas desfrutem de uma melhor qualidade de vida.
  2. Segurança Financeira: A saúde financeira fornece uma rede de segurança em caso de emergências, como despesas médicas inesperadas, reparos domésticos ou perda de emprego. Isso ajuda a evitar o acúmulo de dívidas significativas.
  3. Liberdade e Oportunidades: Ter saúde financeira cria a liberdade de fazer escolhas importantes, como a possibilidade de investir em educação, viajar, adquirir bens duráveis ou até mesmo iniciar um negócio próprio.
  4. Aposentadoria Segura: Uma saúde financeira sólida permite que as pessoas economizem para a aposentadoria e mantenham seu padrão de vida na velhice. Isso é fundamental para a segurança financeira a longo prazo.
  5. Relacionamentos Saudáveis: As finanças podem ser uma fonte significativa de conflitos nos relacionamentos. Ter uma saúde financeira estável contribui para relacionamentos mais saudáveis, com menos brigas e tensões relacionadas ao dinheiro.

Os Desafios da Saúde Financeira

Muitas pessoas enfrentam desafios quando se trata de manter uma saúde financeira sólida. Alguns dos problemas mais comuns incluem:

  1. Endividamento: O endividamento excessivo é um grande obstáculo para a saúde financeira. Muitas pessoas têm dificuldade em pagar suas dívidas, o que pode levar a um ciclo de endividamento contínuo.
  2. Falta de Educação Financeira: A falta de conhecimento sobre finanças pessoais pode levar a más decisões financeiras. Muitas pessoas não sabem como criar orçamentos, economizar ou investir.
  3. Gastos Impulsivos: Compras impulsivas e gastos desnecessários são comuns e podem prejudicar a saúde financeira a longo prazo.
  4. Falta de Planejamento Financeiro: Muitas pessoas vivem sem um plano financeiro sólido. A ausência de metas financeiras e um plano de ação pode dificultar a criação de riqueza e estabilidade financeira.
  5. Falta de Reservas de Emergência: Não ter uma reserva de emergência pode ser devastador em caso de despesas inesperadas, levando ao endividamento.

Dicas para Melhorar a Saúde Financeira

Felizmente, existem muitas maneiras de melhorar a saúde financeira e superar esses desafios. Aqui estão algumas dicas práticas para começar:

  1. Crie um Orçamento: Faça um orçamento detalhado que inclua todas as suas despesas e receitas. Isso o ajudará a controlar seus gastos e garantir que você esteja vivendo dentro de suas possibilidades.
  2. Pague Dívidas de Alto Juro: Concentre-se em pagar dívidas com juros elevados, como cartões de crédito, o mais rápido possível. Isso reduzirá o montante total de juros pagos ao longo do tempo.
  3. Economize Regularmente: Estabeleça o hábito de economizar uma parte de sua renda a cada mês. Crie uma conta de poupança ou investimento para alcançar seus objetivos financeiros.
  4. Invista em Educação Financeira: Dedique tempo para aprender sobre finanças pessoais. Há muitos recursos gratuitos disponíveis, como livros, cursos online e aplicativos financeiros que podem ajudá-lo a adquirir conhecimento.
  5. Estabeleça Metas Financeiras: Defina metas financeiras claras e alcançáveis. Isso lhe dará um propósito para economizar e investir.
  6. Crie uma Reserva de Emergência: Tenha uma reserva de emergência que cubra de três a seis meses de despesas básicas. Isso proporcionará segurança em momentos difíceis.
  7. Evite Gastos Impulsivos: Antes de fazer uma compra significativa, reflita se é realmente necessária e se cabe no seu orçamento.
  8. Planeje para a Aposentadoria: Comece a economizar para a aposentadoria o mais cedo possível. Quanto mais cedo você começar, mais tempo seu dinheiro terá para crescer.
  9. Consulte um Profissional Financeiro: Se você estiver com dificuldades para melhorar sua saúde financeira, considere a possibilidade de consultar um consultor financeiro. Eles podem ajudá-lo a criar um plano financeiro personalizado.

Conclusão

A saúde financeira desempenha um papel fundamental em nossa qualidade de vida e bem-estar geral. Ter controle sobre nossas finanças nos permite viver com menos estresse, desfrutar de segurança financeira, criar oportunidades e garantir um futuro mais estável. Embora muitas pessoas enfrentem desafios financeiros, há muitas maneiras de melhorar sua situação financeira. Comece com passos práticos, como criar um orçamento, pagar dívidas de alto juro e economizar regularmente. Eduque-se sobre finanças pessoais e estabeleça metas financeiras para guiar suas decisões financeiras.

Lembre-se de que a jornada para a saúde financeira pode ser um processo contínuo, e é importante ser paciente consigo mesmo. À medida que você toma medidas para melhorar sua saúde financeira, estará investindo no seu futuro e no seu bem-estar geral.

Além disso, é crucial lembrar que a saúde financeira não é apenas uma questão individual. Ela também afeta as comunidades e a sociedade como um todo. Quando mais pessoas desfrutam de uma boa saúde financeira, há menos pressão sobre os recursos públicos, menos endividamento e mais oportunidades para o crescimento econômico.

Portanto, a importância da saúde financeira vai muito além do indivíduo. Ela tem um impacto profundo em nossa economia, na estabilidade social e na qualidade de vida de todos. Ao buscar uma saúde financeira sólida, você não está apenas ajudando a si mesmo, mas também contribuindo para um ambiente financeiramente mais saudável para todos.

Em resumo, a saúde financeira é um pilar essencial para uma vida feliz e segura. Ela oferece estabilidade, reduz o estresse, abre oportunidades e prepara você para um futuro financeiramente seguro. Todos nós enfrentamos desafios financeiros em algum momento, mas com conhecimento, planejamento e compromisso, podemos superá-los. Comece a tomar medidas hoje para melhorar sua saúde financeira e colher os benefícios ao longo da vida. Lembre-se de que é uma jornada contínua, e cada passo que você der o levará mais perto de uma vida financeiramente saudável e próspera.

10 motivos para começar investir

Investir dinheiro é uma das maneiras mais eficazes de construir riqueza e garantir um futuro financeiro sólido. No entanto, muitas pessoas, especialmente iniciantes, ficam intimidadas com a ideia de investir. A falta de conhecimento e o medo de perder dinheiro são obstáculos comuns. Neste artigo, vamos explorar o mundo dos investimentos para iniciantes e oferecer orientações sobre como começar a investir com sucesso.Agora que entendemos a importância de investir, vamos passar para as etapas práticas para iniciantes.

1. Educação Financeira

O primeiro passo para qualquer investidor iniciante é a educação financeira. Antes de investir, é essencial entender os princípios básicos dos diferentes tipos de investimentos, como ações, títulos, fundos mútuos, imóveis e outros ativos. Há muitos recursos disponíveis, desde livros e cursos online até blogs e vídeos educacionais. Dedique tempo para aprender antes de tomar qualquer ação.

2. Estabeleça metas e Objetivos Financeiros Claros

Definir objetivos financeiros é fundamental antes de começar a investir. Pergunte a si mesmo o que você deseja alcançar com seus investimentos. Seus objetivos podem variar de curto prazo (comprar um carro) a médio prazo (fazer uma viagem) e longo prazo (aposentadoria). Ter metas claras ajudará a orientar suas decisões de investimento.

3. Crie um Fundo de Emergência

Antes de investir, é aconselhável ter um fundo de emergência em dinheiro. Esse fundo deve cobrir suas despesas essenciais por pelo menos três a seis meses em caso de emergência, como perda de emprego ou despesas médicas inesperadas. Ter um fundo de emergência evita que você precise retirar dinheiro de seus investimentos prematuramente.

4. Avalie seu Perfil de Risco e Tolerância às Perdas

Cada investidor possui um perfil de risco único. É importante entender quanta volatilidade e risco você está disposto a tolerar. Isso ajudará a determinar a alocação de ativos que é apropriada para você. Investimentos mais arriscados, como ações, geralmente oferecem o potencial de maiores retornos, mas também vêm com maior volatilidade.

5. Comece com Investimentos Simples

Para iniciantes, é aconselhável começar com investimentos simples e de baixo risco. Duas opções populares são:

a. Fundos de índice (ETFs): Esses fundos de investimento rastreiam índices de mercado, como o S&P 500, e oferecem uma exposição diversificada a várias ações. São uma escolha sólida para iniciantes, pois geralmente têm baixas taxas e exigem menos pesquisa individual.

b. Títulos do governo: São considerados investimentos mais seguros e oferecem retornos estáveis. Títulos do governo geralmente são menos voláteis do que ações e podem ser uma opção para iniciantes mais avessos ao risco.

6. Abra uma Conta de Investimento

Após ter uma compreensão básica dos investimentos e ter estabelecido seus objetivos e perfil de risco, é hora de abrir uma conta de investimento. Você pode fazer isso por meio de corretoras de valores, bancos ou plataformas de investimento online. Certifique-se de pesquisar e escolher uma plataforma confiável que atenda às suas necessidades.

7. Diversifique Seu Portfólio

Diversificar seu portfólio é uma estratégia fundamental para mitigar o risco. Não coloque todos os seus ovos em uma cesta. Divida seus investimentos entre diferentes classes de ativos, como ações, títulos e possivelmente imóveis. Isso ajuda a equilibrar os riscos e os retornos em seu portfólio.

8. Mantenha-se Informado e Atualizado

Os mercados financeiros estão em constante evolução, e é importante acompanhar as notícias financeiras e as tendências do mercado. Fique atualizado com os eventos econômicos globais que podem afetar seus investimentos. Isso o ajudará a tomar decisões informadas.

9. Tenha Paciência e Evite a Tentação de Investir em Pânico

Os investimentos têm altos e baixos, e o mercado pode ser volátil. Não deixe as flutuações de curto prazo o assustarem. Mantenha um horizonte de investimento de longo prazo e evite a tentação de vender em pânico quando os mercados caem. A paciência é uma virtude no mundo dos investimentos.

10. Reavaliar e Ajustar Seu Portfólio Regularmente

À medida que sua situação financeira e objetivos evoluem, seu portfólio de investimentos também deve ser reavaliado e ajustado. Isso pode envolver a compra de novos investimentos, rebalanceamento de seu portfólio ou até mesmo redução de riscos à medida que se aproxima da aposentadoria.

Conclusão

Investir pode ser uma ferramenta poderosa para a construção de riqueza e a realização de objetivos financeiros. No entanto, para iniciantes, é crucial começar com um plano sólido e seguir algumas orientações-chave. Para recapitular, aqui estão os passos fundamentais para começar a investir com sucesso como um iniciante:

  1. Educação Financeira: Aprenda o básico sobre diferentes tipos de investimentos e como o mercado funciona. A educação financeira é o alicerce de uma jornada bem-sucedida no mundo dos investimentos.
  2. Estabeleça Objetivos Financeiros Claros: Defina metas financeiras claras que você deseja alcançar por meio de seus investimentos. Isso o ajudará a manter o foco e a motivação ao longo do tempo.
  3. Crie um Fundo de Emergência: Tenha uma reserva de emergência sólida antes de investir para lidar com despesas inesperadas.
  4. Avalie seu Perfil de Risco: Compreenda o nível de risco que está disposto a aceitar e como isso se traduzirá em sua alocação de ativos.
  5. Comece com Investimentos Simples: Para iniciantes, é aconselhável começar com investimentos de baixo risco, como fundos de índice e títulos do governo.
  6. Abra uma Conta de Investimento: Escolha uma corretora ou plataforma de investimento confiável e abra uma conta de investimento.
  7. Diversifique Seu Portfólio: Espalhe seus investimentos entre diferentes classes de ativos para reduzir o risco.
  8. Mantenha-se Informado e Atualizado: Acompanhe as notícias financeiras e tendências do mercado para tomar decisões informadas.
  9. Tenha Paciência e Evite Investir em Pânico: Mantenha um horizonte de investimento de longo prazo e não tome decisões impulsivas com base em flutuações de curto prazo.
  10. Reavaliar e Ajustar Seu Portfólio Regularmente: À medida que sua situação financeira e objetivos mudam, adapte seu portfólio de investimentos de acordo.

Lembre-se de que investir envolve riscos, e não há garantia de retornos. No entanto, com educação financeira, paciência e um plano sólido, você estará melhor preparado para enfrentar os desafios e as recompensas que o mundo dos investimentos oferece. Considere também procurar orientação de um consultor financeiro se se sentir inseguro ou se desejar uma estratégia de investimento mais personalizada. Com o tempo, a prática e a aprendizagem contínua, você poderá colher os benefícios de um futuro financeiro mais seguro e próspero. O caminho para o sucesso financeiro começa com o primeiro passo, e começar a investir é um passo importante nessa jornada.

Esboço de um orçamento pessoal

Um orçamento pessoal eficaz é uma ferramenta poderosa para ajudá-lo a controlar suas finanças, alcançar metas financeiras e evitar dívidas desnecessárias. No entanto, muitas pessoas evitam fazer um orçamento, pois acham que é complicado ou limitador. Na realidade, criar e manter um orçamento pessoal não precisa ser difícil ou restritivo. Pelo contrário, pode ser uma maneira libertadora de tomar o controle de suas finanças e direcionar seu dinheiro para onde você mais precisa. Neste artigo, vamos explorar como criar um orçamento pessoal eficaz em alguns passos simples.

Passo 1: Determine seus objetivos financeiros

O primeiro passo na criação de um orçamento pessoal eficaz é identificar seus objetivos financeiros. O que você deseja alcançar com seu dinheiro? Quer economizar para uma casa, pagar dívidas, fazer uma viagem ou se aposentar confortavelmente? Definir metas financeiras claras ajudará a direcionar seu orçamento de maneira eficaz e manter você motivado para economizar e investir.

Passo 2: Coletar informações financeiras

Para criar um orçamento eficaz, é essencial coletar informações sobre sua situação financeira atual. Reúna todos os documentos relevantes, como extratos bancários, extratos de cartão de crédito, recibos e faturas. Anote suas fontes de renda e todos os gastos mensais. É fundamental ter uma visão completa de suas finanças para criar um orçamento preciso.

Passo 3: Crie categorias de gastos

Agora é hora de criar categorias de gastos. Divida seus gastos em categorias amplas, como moradia, alimentação, transporte, entretenimento, despesas médicas e outros. Essa organização facilitará o acompanhamento e a análise de seus gastos.

Passo 4: Registre todos os gastos

Para criar um orçamento pessoal eficaz, você deve acompanhar todos os seus gastos. Isso inclui até mesmo as pequenas compras, como café pela manhã ou lanches. Use um aplicativo de orçamento, planilha eletrônica ou até mesmo um caderno para anotar cada despesa. A anotação regular de despesas ajudará a identificar áreas onde você pode economizar.

Passo 5: Estabeleça limites de gastos

Com base em suas categorias de gastos e suas metas financeiras, defina limites de gastos mensais para cada categoria. Certifique-se de que esses limites sejam realistas e estejam alinhados com seus objetivos. Se você perceber que está gastando mais do que deveria em uma categoria, pode ser necessário fazer ajustes em outros lugares.

Passo 6: Priorize suas despesas

Ao criar seu orçamento, é importante priorizar suas despesas de acordo com suas metas financeiras. Certas despesas, como moradia e alimentação, são essenciais, enquanto outras, como entretenimento, podem ser reduzidas. Certifique-se de que suas despesas essenciais sejam atendidas antes de gastar dinheiro em itens supérfluos.

Passo 7: Economize regularmente

Não se esqueça de incluir uma categoria de poupança em seu orçamento. Poupar regularmente é fundamental para alcançar seus objetivos financeiros. Defina uma quantia específica para economizar a cada mês e trate essa economia como uma despesa essencial.

Passo 8: Acompanhe e ajuste seu orçamento

A criação de um orçamento pessoal eficaz é apenas o começo. Para que ele funcione, é essencial acompanhá-lo regularmente. Reserve tempo a cada semana ou mês para revisar seus gastos e ver se você está dentro dos limites que estabeleceu. Se necessário, faça ajustes no seu orçamento para refletir suas necessidades e objetivos em constante evolução.

Passo 9: Esteja preparado para imprevistos

A vida é imprevisível, e podem surgir despesas inesperadas, como reparos no carro ou despesas médicas. É importante incluir uma categoria de “imprevistos” em seu orçamento para acomodar esses eventos. Ter uma reserva de emergência separada também é uma prática financeira inteligente.

Passo 10: Celebre suas realizações

Criar e manter um orçamento pessoal eficaz pode ser um desafio, mas também é uma conquista digna de comemoração. À medida que você alcança suas metas financeiras e vê seu controle sobre suas finanças, não se esqueça de celebrar suas realizações.

Em resumo, criar um orçamento pessoal eficaz não precisa ser uma tarefa intimidante. Com paciência, organização e disciplina, você pode criar um orçamento que o ajude a atingir suas metas financeiras e ter uma vida financeira mais saudável. Lembre-se de que um orçamento não é uma restrição, mas uma ferramenta que lhe dá o poder de direcionar seu dinheiro para o que é mais importante para você. Portanto, comece hoje e dê um passo em direção a um futuro financeiro mais seguro e próspero.

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Olavo de Carvalho: resumo da aula 8 do COF

IDEIA PRINCIPAL: AS ETAPAS QUE ANTECEDEM A TÉCNICA FILOSÓFICA

Hoje eu gostaria de sintetizar o que nós falamos nas últimas aulas, de pôr um pouco de ordem e traçar algumas linhas que devem servir de orientação prática para vocês não só no restante do curso, mas idealmente para o restante da sua vida intelectual. A formação filosófica tal como eu a concebi,especificamente para as circunstâncias da vida brasileira atual, isto é, para as condições que eu sei que vocês vivem e não para um aluno abstrato, universal,se compõe de uma série de blocos.Cada um deles tem de ser desenvolvido independentemente, com suas próprias exigências, formando um conjunto.Você deve estar continuamente circulando entre esses blocos e articulando o conjunto que formará, no fim das contas, a sua própria personalidade intelectual e filósofa.No fundo, essas indicações, como bem assinalou o Júlio Lemos em comentário ao meu artigo “QUEM É FILÓSOFO E QUEM NÃO É” , servem não só para os filósofos especificamente, mas para a vida intelectual em geral.De certo modo, nesse sentido, a filosofia constitui o modelo da vida intelectual. Todos aqueles que leram o livro do padre Sertillanges, A VIDA INTELECTUAL , devem perceber isso imediatamente.Somente um filósofo poderia ter compreendido a natureza da vida intelectual daquela maneira, unificando desde os fundamentos mais gerais e teóricos até as indicações práticas mais imediatas, mais concretas.O primeiro desses blocos é aquele ao qual nós temos dedicado mais atenção nas primeiras aulas, que nós vamos chamar, por falta de nome melhor, de “ o adestramento do imaginário” . Sem isto, nada se pode fazer.O meio essencial para o adestramento do imaginário é precisamente a longa e constante convivência com a literatura de ficção universal: poesia, romance,Epopéia,teatro etc.,incluindo,evidentemente,o cinema.Isto nos serve para aprendermos a nos identificar com pessoas que são diferentes de nós, mas que sempre têm algum ponto de contato,não existe o totalmente heterogêneo.Se nós conseguimos nos colocar na posição de Hamlet, Antígona ou de Ulisses, significa que eles têm algo em comum conosco, por mais diferentes que sejam sobre inúmeros aspectos (culturais, históricos etc.).É somente a longa prática da literatura de ficção que nos habilita a “criar” esses personagens imaginários.Na verdade nós não estamos criando, e também não estamos copiando.Ler literatura de ficção é como se fosse um sonho acordado dirigido: você recebe uma pauta de uma série de atividades imaginárias que você vai desenvolver.É o seu imaginário que vai produzir tudo isso de acordo com as indicações que foram dadas pelo autor da narrativa.Na medida em que se desenvolve a narrativa, você vai dirigindo o seu sonho para esta ou aquela direção, incorporando novas possibilidades, novos dramas, novos conflitos, novas tensões etc(PAG 1) 

Isso também o ajuda na vida cotidiana, na sua convivência direta com as pessoas, pois é importante você ser capaz de imaginar o que elas estão passando.É somente a imaginação que nos permite compreender o próximo ;isso é muito importante. É muito fácil falar “Ame ao próximo como a ti mesmo”. Aquela pergunta do Gurdjieff: “Como é que nós podemos amar os nossos inimigos se não amamos nem os nossos amigos?” é uma pergunta cínica, mas muito pertinente.No que consiste este “amar ao próximo”? Consiste, em primeiro lugar, em tentar compreendê-lo como ele mesmo se compreende, e não julgá-lo desde fora, desde um estereótipo ou por um padrão qualquer que pode não se aplicar ao caso.(PAG 2) 

Em suma, nós vivemos dentro de uma espécie de malha de conflitos diferentes e heterogêneos que não tem unidade em si mesma e que só adquire unidade à luz do seu projeto biográfico. São os seus objetivos na vida que vão articular, de certo modo, retroativamente, as várias significações dos vários conflitos e situações que você viveu e vive.Essas várias significações passam a adquirir um sentido para você em face do seu objetivo.(PAG 2) 

Na literatura de ficção, como é absolutamente impossível absorver toda a densidade da trama desses conflitos simultâneos, o ficcionista seleciona um ou dois conflitos mais ou menos articulados e os coloca ali. Às vezes há uma tentativa de você articular conflitos heterogêneos na ficção, como, por exemplo, nesses grandes panoramas ficcionais onde há uma multiplicidade de personagens inconexos, que se desconhecem e vivem num mesmo lugar ou atravessam a mesma situação histórica. Um exemplo é o livro O Espelho Partido, de Marques Rebelo, uma obra que ele não terminou. É uma obra magistral que ele pretendia fazer em sete volumes, mas só escreveu três porque morreu.São vários personagens diferentes cujas vidas vão se entrecruzando. É a maneira que o ficcionista tem para representar, de algum modo, a densidade dos conflitos heterogêneos, dentro de cuja malha nós vivemos.Mas em geral não é isso o que acontece.Em geral, se destaca um ou dois conflitos que são ligados e que são representados de maneira intensificada, de modo que eles adquirem uma nitidez que na vida real eles não teriam.Como, por exemplo, o drama de Hamlet, de vingar-se ou não de uma ofensa cometida. Freqüentemente nós vivemos esta situação, mas nós a vivemos misturada com mil outras situações.Nós não somos capazes de pensar no mesmo conflito 24 horas por dia, porque nós temos outros. A ficção nos dá uma galeria de situações dramáticas.Não vamos chamá-las de conflitos porque nem sempre a natureza da coisa é conflituosa, mas são situações dramáticas que na vida real aparecem tão entre-mescladas que você não consegue separar e descrever uma em particular.Aliás, esse é um dos grandes problemas da humanidade: os seus problemas vêm todos juntos e você não consegue examinar um por um.É que nem aquela velhinha que chegou lá no professor de artes marciais para fazer massagem. Ele perguntou: “diga onde e quando dói”, ao que ela respondeu: “dói tudo, sempre”. Ou seja, assim fica impossível de tratar um problema tão onipresente e tão constante. Em geral, as pessoas ficam desesperadas porque “dói tudo, sempre”, elas sentem todos os conflitos ao mesmo tempo e, portanto, não conseguem discernir um por um, não conseguem dar uma forma inteligível ao seu sofrimento.Através da literatura de ficção nós aprendemos a incorporar esses vários personagens e situações, e aprimoramos a nossa capacidade de nos identificar com o próximo e compreendê-lo como se fosse nós mesmos, dito de outro modo, tornar uma pessoa que era diferente em efetivamente um próximo.Essa habilidade nos servirá muito quando nós sairmos da esfera dos dramas concretos, reais, vividos, para os dramas cognitivos, os dramas intelectuais, as grandes dificuldades cognitivas da humanidade que foram enfrentadas por diferentes filósofos em diferentes circunstâncias e com diferentes desempenhos em cada caso.(PAG 2 e 3) 

Nós temos de aprender a incorporar esses dramas intelectuais vividos por eles como se eles fossem personagens do nosso mundo imaginário, do nosso teatrinho mental. É só assim que você vai compreendê-los. Você não vai se identificar com eles no sentido de “ser” eles, você vai se identificar como você se identifica com um personagem de teatro,não ao ponto de você acreditar que tem o mesmo problema dele. Como o sujeito que assiste Otelo, chega em casa e mata a mulher.Não é porque o Otelo está sendo chifrado que você também está ,graças a Deus, isso não acontece com a maior parte das pessoas,se bem que às vezes acontece.Você vivencia durante duas horas ali no teatro aquele drama que não está acontecendo para você, mas que poderia estar, lembrando sempre a definição de Aristóteles de que a ficção não nos mostra o que aconteceu, mas o que poderia acontecer ou poderia ter acontecido.Então você vivencia aquilo não como uma realidade, mas como uma possibilidade real concreta, à qual você está aberto, como todos os seres humanos.As dificuldades, as dúvidas, a luta contra a opacidade do fenômeno, a tentativa de penetrar numa fenomenalidade opaca para conseguir captar algo de inteligível ali é o drama do conhecimento que foi vivenciado por todos os filósofos ao longo do tempo.Não é um drama sangrento, mas, às vezes, são dramas muito mais importantes e decisivos para o destino humano em geral do que, digamos, o problema do ciúme, ou o problema da inveja, como no caso do Raskólnikov, de Crime e Castigo, que é um sujeito que acha “ eu sou um sujeito tão inteligente, eu sou um gênio, por que eu não tenho dinheiro? Por que essa velhinha inútil tem o dinheiro do qual preciso?” . Todo mundo já teve algum problema parecido com o de Hamlet, Otelo ou Raskólnikov. Direta ou indiretamente, todo mundo já viveu isso.Do mesmo modo, todos os dramas do conhecimento vivenciados pelos filósofos ao longo do tempo são possibilidades reais e permanentes que podem retornar a qualquer momento.Eles retornam, evidentemente, dentro de outra circunstância, outra situação histórica, outro contexto cultural, mas, estruturalmente, podem permanecer os mesmos.Em primeira instância, você nunca deve ler livros de filosofia como teses com as quais você vai concordar ou discordar. Em primeiro lugar você tem de entender que aquilo é uma experiência cognitiva,uma experiência intelectual humana que foi vivenciada por pessoas reais, numa outra circunstância, e que você está tentando revivenciar.Você pode até depois achar uma solução diferente, mas se você não se imbuiu do problema,se você não se deixou,por assim dizer, embeber-se do problema, se você não se identificou com o problema,você não vai nem entender do que o sujeito está falando.A primeira coisa que você deve buscar numa leitura dos livros de filosofia é esta abertura,entendendo-os não como verdades ou mentiras que você vai proclamar ou impugnar, mas como expressões de uma busca humana,do esforço humano, expressões de uma experiência humana.Se você não aprender primeiro a absorver os dramas concretos,humanos, muito menos você vai compreender os dramas cognitivos. Por isso é que eu digo: primeiro, muita literatura de ficção! (Pag 3 e 4) 

Você tem de ler essa literatura não como literatura, ou seja, não como as lê um estudante de Letras,não como objetos de estudos, mas simplesmente como documentos da vida humana.Para esse fim, as obras não interessam tanto em si mesmas, enquanto textos, mas enquanto depoimentos. Encará-las como textos, como estruturas etc., é outro problema, que pode ser tratado separadamente mais tarde e que também faz parte da formação intelectual, mas não num primeiro momento. Este é o primeiro bloco: o adestramento do imaginário.(Pag 4) 

O segundo bloco, que vem automaticamente com o primeiro, é o seu adestramento na compreensão e uso da linguagem. Na mesma medida em que você vai captando as sutilezas e as nuances das várias situações humanas vivenciadas, você também capta as sutilezas e as nuances da linguagem, e não há limite às possibilidades de aperfeiçoamento, de ampliação e de fortalecimento nisso.Claro que, conforme você for lendo essas obras em traduções na sua própria língua ou no original, você pode ter algumas dificuldades de ordem técnica, então você vai ter alguns problemas especificamente linguísticos a resolver.São problemas técnicos, mas não é para dar muita atenção a eles, é para resolver rapidamente e passar adiante.Esta ampliação da linguagem deve se voltar em primeiro lugar para aquilo que Benedetto Croce considerava a função imediata da obra literária, que é a expressão da experiência concreta.Passar para um segundo andar, da linguagem abstrata da filosofia e das ciências,quando você ainda não é capaz de ter alguma expressividade na maneira de nomear e descrever a experiência concreta, pode lhe causar uma lesão intelectual da qual você nunca mais se recupere.Tudo aquilo que está registrado na linguagem genérica da filosofia corresponde a experiências intelectuais e existenciais concretas e, se você não é capaz de refazê-las imaginativamente, você jamais vai saber do que o sujeito está falando.(Pag 4) 

Tendo isto em conta, quando estamos lendo um livro ou ouvindo um sujeito falar de filosofia, nós podemos freqüentemente saber se estamos lidando com um charlatão ou com alguém que sabe do que está falando. O sujeito que lida somente com os conceitos abstratos sem ter o lastro experiencial direto é um imitador, um papagaio. Ele lida somente com o universo de palavras para uso acadêmico, mas não compreende as realidades que estão ali envolvidas. É como uma criança que ouve uma nova palavra e a imita, sem saber exatamente qual é o contexto no qual aquilo cabe ou não cabe. A pessoa totalmente leiga e despreparada em filosofia,às vezes, não percebe a diferença, porque o imitador pode usar todos os termos certinhos, pode fazer raciocínios muito bem arrumadinhos.Só com um pouco de experiência é que se percebe se o sujeito tem aquele lastro imaginativo que coloca diante dele a realidade dos dramas intelectuais ali vividos.Este aprimoramento da linguagem é o irmão siamês do adestramento do imaginário. As duas coisas têm que vir juntas.(pag 5) 

Nisso entra o terceiro bloco que se anuncia como o exercício que nós fizemos logo no começo, o exercício do necrológio. Quem você quer ser? Qual é o objetivo da sua vida? Para que você está se esforçando e onde entram, dentro desse seu plano, todos esses elementos que nós estamos colhendo nessa formação literária e filosófica? O seu adestramento para a vida intelectual é, no fim das contas, uma arma ou um instrumento para um objetivo a ser realizado existencialmente, na sua vida efetiva. Não confunda vida efetiva com vida profissional.Você não pode esquecer que vida profissional é uma coisa abstrativa, ela é um aspecto da sua vida e não a vida concreta.A vida profissional é apenas um papel que você desempenha em certos lugares e circunstâncias,perante certas pessoas, mas que você não pode desempenhar em outros lugares, perante outras pessoas.Por exemplo, se você é professor de filosofia, você desempenha essa atividade perante seus alunos etc.; mas você não pode desempenhá-la perante o caixa do supermercado, porque ele não vai entender a situação. Se você tem uma dívida e o sujeito vem cobrar a dívida na sua porta, não se trata de você discutir filosofia com ele, é uma situação totalmente diferente.(Pag 5) 

A vida profissional não é a sua vida real, embora ela seja hoje em dia quase um fetiche,uma coisa que absorve as pessoas ao ponto de elas imaginarem que aquilo é tudo.Ela é apenas um componente de uma vida real, um componente abstrativo dentro de um conjunto.No exercício do necrológio eu insisti que a narrativa fosse feita com relação a uma pessoa real e não apenas a uma carreira. No começo eu fazia como se fosse um necrológio de jornal, com um repórter escrevendo.Pratiquei isso durante algum tempo.Funcionava, é claro, porém o fato de ser um repórter escrevendo sobre um personagem público já criava um viés e um critério seletivo, onde somente os fatos da vida profissional e pública interessavam, e não era esse o objetivo do exercício. Por isso é que eu mudei a formulação do exercício para uma pessoa amiga, uma pessoa que conhece o fulano e está escrevendo sobre ele.É como se fosse uma narrativa ficcional mesmo, que não se refere somente ao currículo profissional, mas ao trajeto real percorrido por uma pessoa de carne e osso, no planeta Terra.(PAGS 5 e 6) 

Este senso da meta ideal se torna o padrão e o critério da sua autoconsciência, ou seja,você começa a medir e a articular tudo como se fosse exatamente aquilo no qual você está tentando tornar a sua vida: um trajeto que tem um sentido e que se unifica na medida em que busca esse sentido.É claro que não é porque você determinou um sentido ou uma meta que tudo passa a lhe acontecer coerentemente. Ao contrário: os fatos continuam sobrevindo de fontes inconexas e os seus próprios atos continuam tão inconexos quanto antes.É você que vai tentar conectá-los agora.E note bem: quando eu digo conectá-los (conectar inclusive os acontecimentos que vêm de fora), não estou querendo dizer para você criar um mito da sua própria existência no qual você veja todos os fatos que lhe sobrevém como se fossem mandados por uma providência divina ou pelos superiores desconhecidos maçônicos para lhe criar obstáculos ou dificuldades, não ,a coisa continua vindo de maneira casual e inconexa. Quer dizer, você não vai criar um mito unificante, não é isso que eu estou falando. Você é que vai tentar unificar o trajeto pela maneira pela qual você reage a esses fatos inconexos. Muitos desses fatos inconexos podem vir como obstáculos ou como elementos dispersantes para a realização da sua vocação ou meta. Mas você pode, em seguida, reaproveitá-los,tornando-os parte da sua biografia e aproveitando-os como oportunidades para você desenvolver certas qualidades ou certas habilidades que podem mais tarde ser necessárias para a realização da sua vocação.(Pag 6)

Num primeiro momento, você tem o seu objetivo, a sua meta e parece que tudo está contra, ou que tudo é indiferente e frio, quer dizer, o mundo, a realidade, está pouco se lixando para os seus objetivos, é o “eu contra o mundo”. E então você cria aquele problema do Orígenes Lessa em O Feijão e o Sonho : eu tenho um sonho, mas eu tenho que botar o feijão na mesa. Esta é a maneira apenas inicial e primária de colocar os problemas, porque a sua personalidade real não é dada só pela sua meta ou objetivo e nem só pela sua reação às situações imediatas, mas pela tensão entre as duas coisas.A maneira pela qual você absorve essas circunstâncias mesmo adversas e as torna parte da sua biografia é que vai determinar quem você é efetivamente.(Pag 7) 

Na sociedade brasileira todo mundo coloca um abismo entre os objetivos pessoais e a situação real.A situação material é vista sempre como uma coisa opressiva e deprimente, uma oposição irredutível. Isso faz parte da cultura brasileira. O problema de O Feijão e o Sonho é permanente na vida de todos vocês, independentemente de serem pobres ou ricos.Às vezes o rico vê esse problema como sendo ainda mais incompatível e antagônico do que o pobre, quer dizer, não tem nada a ver com a classe social à qual você pertence, este é um hábito cultural que se impregnou nas mentes de todas as classes, todo mundo enxerga a coisa assim.(Pag 7) 

Mas esta é apenas uma maneira primária, apenas o primeiro sinal de que existe uma meta e de que existe uma circunstância. Como diria Ortega y Gasset “yo soy yo y mis circunstancias”,eu sou aquele que eu quero ser no futuro, eu sou o meu sonho, o meu objetivo; já a minha circunstância é esse conjunto de dificuldades, de problemas e de solicitações dispersantes. Essa é apenas a primeira maneira de se colocar a coisa. Ortega y Gasset complementa essa frase, “yo soy yo y mis circunstancias” com a segunda regra, que é: “ la reabsorcion de las circunstancias és el destino concreto del hombre” (a reabsorção das circunstâncias é o destino concreto do homem) , quer dizer, você vai reabsorver a circunstância como parte da sua vocação. Por isso mesmo você deve encarar cada obstáculo e cada dificuldade como um elemento fundamental para a formação do seu caráter.Goethe dizia que o talento se desenvolve na solidão, no estudo, mas o caráter se desenvolve na agitação do mundo.Na agitação do mundo é necessário que cada dificuldade, cada obstáculo, cada elemento dispersante seja recebido e incorporado com o máximo de boa vontade. É você que vai transformar o elemento antagônico em elemento favorável.O que quer que se oponha à realização da sua vocação está lhe oferecendo uma oportunidade para fortalecer o seu caráter. Até as dificuldades são preciosas.(Pag 7)

(…..) É bom estudar a vida de pessoas que nada tiveram a seu favor e que realizaram alguma coisa grande.Eu sugiro, por exemplo, a leitura dos livros de Léon Bloy.Léon Bloy era um escritor católico, francês do século XIX que tinha o mau hábito de dizer as coisas exatamente como ele as via ou pensava, e isto criou tantas inimizades e tanto antagonismo que ele foi rejeitado em todos os meios.Quando ele conseguia um editor não pagavam, não davam emprego para o cara.Esse sujeito viveu na miséria, chegou à mendicância.A vida dele foi uma sucessão de frustrações, de portas fechadas, de traições,de exclusões e mesmo assim o sujeito escreveu livros maravilhosos.Ele fez dessa extrema dificuldade, dessa sucessão de misérias e antagonismos a base do seu caráter.A resistência a isso se tornou para ele mais do que uma vocação, mas uma espécie de obrigação religiosa.Ele encarava tudo aquilo como a cruz de Cristo que ele tinha de carregar.A certo ponto ele diz que desistiu não somente de ter uma vida melhor, mas até mesmo de se queixar .Veja como a circunstância extremamente antagônica pode ser absorvida e transformada no material da realização da vocação. Quanto mais você for capaz de absorver e trabalhar esta tensão, mais você fortalecerá o seu caráter e mais conteúdo humano começará a ter todo o seu trabalho intelectual.(pag 7 e 8) 

Com o tempo, vocês vão observar, e esse é um dado de experiência que eu comprovei inúmeras vezes, que o valor e a importância das grandes obras da inteligência humana vêm sobretudo dessa densidade e realidade da experiência humana que está colocada ali, e não tanto da amplitude dos estudos abrangidos.Os estudos só valem se você for capaz de absorver a experiência humana do outro, por trás daquilo que você lê e estuda. Mas como é que você vai absorver a experiência humana do outro se você não tem sequer a sua própria? Se você se preserva da experiência humana? Se você se esconde debaixo da saia da mamãe ou da mesada paga pelo papai? Isso não é possível e não tem nada a ver com a quantidade de dinheiro que você tem.(Pag 8) 

A vida de Goethe foi exatamente oposta à de León Bloy. Ele foi um sujeito que sempre foi ajudado, sempre teve sorte, sempre foi aplaudido, amado, protegido e você vê que foi exatamente a mesma coisa.Goethe desempenhou vários cargos administrativos e políticos aos quais ele era solicitado, ao longo da vida. Ele encarava aquilo como uma obrigação para o aprimoramento do seu caráter, embora ele não tivesse a necessidade econômica daquilo.Ele sacrificava horas que ele poderia dedicar à sua criação poética tratando de assuntos diplomáticos, administrativos, políticos, que tinham para ele a função de uma espécie de dever cívico.Ele realmente se sobrecarregava de tarefas, quer dizer, as dificuldades não o procuraram, ele as procurou porque ele as aceitou como um dever cujo cumprimento fortalecia o seu caráter e dava densidade ao que ele estava fazendo.Você pega o pobre e o rico, o infeliz e o afortunado, o homem marginalizado, reduzido à mendicância, e o filhinho de papai colocado nos mais altos postos da sociedade e você vê que é exatamente a mesma coisa, porque são dois homens de gênio e de extrema seriedade na realização da sua vocação.Quer você tenha todos os recursos, quer não, o problema será exatamente o mesmo

Esse é o terceiro bloco. Então, repetindo: 

(1) Primeiro bloco: adestramento do imaginário; 

(2)Segundo bloco: enriquecimento e apropriação da linguagem; 

(3) Terceiro bloco: senso do ideal e o adestramento da autoconsciência. 

Ao longo de todo esse trajeto a coisa mais importante é admitir qual é a situação real a cada momento, qual é a equação que você está vivendo e ser capaz de declarar para si mesmo e para Deus o que está acontecendo e qual é o problema. Qualquer que seja a circunstância,a maior parte das dificuldades não vem do mundo externo. Jamais. Isto é impossível. A maior parte das dificuldades vem dos nossos próprios antagonismos internos e dos nossos próprios vícios, fraquezas, defeitos etc. Elas vêm sobretudo de uma fonte de onde você menos espera.(Pag 8) 

O que é você? Você é aquele que fala com Deus. Existe o observador onisciente, que é Deus. Ele sabe e o conhece muito melhor que você mesmo e na hora em que você fala com Ele, você sabe que o que quer que você diga é falso, é só parcialmente verdadeiro, não é exato. Conhecimento exato de você só Ele pode ter, porque Ele já sabe qual é o fim da sua vida e você não. Então, Ele pode dizer: “você é preguiçoso”, ou “você é ladrão”, ou “você é viado” ou “você é não sei-o-quê”. Ele pode dizer, você não pode. Tudo o que você diz de si próprio são imagens provisórias, que se colarem em você de maneira definitiva, você está lascado.(Pag 9) 

(….)O quarto bloco é a aquisição das ferramentas da investigação, da pesquisa erudita. De todos esses blocos mencionados até agora, o único que entra um pouco no ensino universitário tal como atualmente é acessível no Brasil, é esse quarto, se bem que fornecido de maneira extremamente deficiente. Ele é um instrumento necessário para você adquirir a documentação das questões que lhe interessam, como foi mencionado no artigo “Quem éfilósofo e quem não é” no jornal Diário do Comércio.(Pag 9) 

(……) Há dois excelentes livros sobre isso no Brasil: Teoria da História do Brasil e A Pesquisa Histórica no Brasil, de José Honório Rodrigues. São livros altamente recomendáveis para isso. O espírito geral da investigação é o de adquirir o máximo de documentos possíveis sobre qualquer assunto que lhe interesse e depois ser capaz de ler,interpretar e relacionar esses documentos de alguma maneira. Eu não vou me prolongar muito sobre este aspecto de como trabalhar esses documentos internamente, porque eu já escrevi uma apostila sobre isso chamada PROBLEMAS DE MÉTODOS NAS CIÊNCIAS SOCIAIS. Embora se chame “Cências Sociais”, também serve para o que nós estamos fazendo aqui. Nós iremos falar mais sobre isso adiante. Qualquer que seja o assunto que se esteja investigando ou estudando, há que se proceder como um historiador: como um historiador da filosofia ou das idéias. Esta é a maneira de ter acesso aos documentos.Esses são os cinco blocos: 

(1)Adestramento do imaginário; 

(2) Enriquecimento e apropriação da linguagem; 

(3) Senso do ideal e adestramento da autoconsciência; 

(4) Aquisição das ferramentas da investigação erudita; 

(5) A técnica filosófica propriamente dita. 

Como se fosse os quatro pés de uma mesa e o tampo, que é a técnica filosófica. A técnica filosófica é a síntese dos esforços desenvolvidos ao longo de milênios para lançar alguma luz sobre alguns problemas. A sucessão desses esforços tem de ser vista não como um fenômeno histórico, mas como um drama que se desenrola em você mesmo. Você tem de revivenciar aqueles vários esforços.(Pag 12) Desde as últimas décadas apareceram uma série de estudos sobre a comunicação não-verbal, ressonância mórfica etc.,e isso tornou possível a utilização de uma linguagem científica e filosófica para insinuar algo desse “conhecimento por presença”. Nesse sentido, todo o trabalho de Antônio Damásio (apesar de confundir-se na terminologia), e sobretudo a obra de Rupert Sheldrake são descobertas extremamente importantes, porque nos permitem expressar na linguagem da razão algo que sempre esteve por baixo da experiência da razão, tornando essa experiência possível mas, ao mesmo tempo, sendo encoberto por ela. Na aquisição da técnica filosófica, vamos acrescentar esse elemento, que eu chamo de “conhecimento por presença” , e que foi bastante negligenciado ao longo da história da filosofia. Ele sempre foi dado por pressuposto, mas nunca foi e nunca pôde ser trabalhado como hoje,graças a essas elaborações científicas mais recentes. São esses os cinco blocos nos quais nós vamos trabalhar(Pag 14)

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Olavo de Carvalho: resumo da aula 10 do COF

IDEIA PRINCIPAL: A PSEUDO INTELECTUALIDADE ACADÊMICA  

Prosseguindo ainda o tema da aquisição de cultura literária e filosófica que nós estávamos tratando nas outras aulas, eu queria hoje enfatizar duas coisas: Primeiro, em todo país, além da classe intelectual que está em exercício, existe uma opinião pública letrada, um certo círculo de pessoas que tem uma certa cultura histórica, literária, científica etc., e que podem receber e julgar os produtos dos novos escritores, filósofos etc. No Brasil isso não existe mais. Isso foi abolido. Há pelo menos quarenta anos isso desapareceu, não há um público letrado ao qual você possa se dirigir. E pior ainda, o topo, a parte superior deste público, que seria o círculo dos intelectuais propriamente dito, a rigor também não existe. O que existe é um grupo ativista militante que, através do processo conhecido como a revolução cultural gramsciana, foi ocupando espaços, este é um termo técnico deles, em todas as universidades, instituições de cultura etc., e que desempenham perante o público geral um papel que simula o da classe letrada. A classe letrada é o conjunto de pessoas que por ter cultura, por ter informação, está mais ou menos habilitada a separar o que faz sentido do que não faz sentido, e criar mediante essa seleção uma espécie de senso comum superior da sociedade. Como esta turma militante ocupou todos os espaços, hoje ela desempenha, perante o público, o papel dessa classe letrada superior. Só que ela não é letrada, ela não é preparada; aquilo é um bando de ignorantes. No entanto, para quem é mais inculto ainda do que eles, para o público em geral ou para o estudante que chega a uma universidade, esse círculo de indivíduos desempenha a autoridade que seria da classe letrada. Isso criou uma situação muito específica, muito peculiar, no Brasil: as opiniões desse grupo de ignorantes funcionam para a população como se fossem a própria expressão da cultura superior. Só que essa cultura superior não existe mais.Eu não estou brincando, não é uma maneira de dizer, não é um insulto, é uma descrição objetiva de um estado de coisas.Eu asseguro para vocês que, na USP, por exemplo, na parte de ciências humanas,que é a parte que eu acompanho; eu não acompanho o que está se passando na biologia, na física, na engenharia; mas na parte de filosofia e ciências humanas, a gente acompanha não só o que está acontecendo na USP, mas também o que acontece em outras universidades do país, não há um só professor com menos de sessenta anos que seja sequer alfabetizado. Eu asseguro isto para vocês. Eu nunca li um escrito de um desses sujeitos que não fosse abundante em erros de gramática primários, bocós, coisa de criança. Isso significa que toda esta ostentação de autoridade intelectual deles é toda falsa. Note que isso não aconteceu nunca em país nenhum. Aqui nos EUA realmente não acontece isso. O que você tem é a ocupação do espaço pelo pessoal esquerdista, mas esse pessoal esquerdista recebeu efetivamente alguma formação. Eles só se distinguem dos outros por serem esquerdistas; às vezes, por serem pessoas desonestas etc., mas nunca se pode dizer que são incultos. Isso não existe aqui, isso é impossível. Os livros que são usados para o ensino secundário na parte de línguas, literatura etc., por exemplo .Eu garanto que o ensino secundário aqui dá mais cultura para o sujeito do que ele pode adquirir na USP, ou na Unicamp, ou qualquer universidade brasileira. O aluno de ginásio dos EUA tem mais cultura do que os professores universitários brasileiros. Essa é uma verdade, é uma coisa que pode ser demonstrada objetivamente, cientificamente. O que está acontecendo no Brasil é que essa autoridade desempenhada por um círculo de farsantes,iletrados,semi-analfabetos, sobre outros que são mais analfabetos ainda, cria uma inibição mental, uma paralisia cultural, que é uma coisa catastrófica. E é dentro disso que vocês estão vivendo. Não se iludam. Por exemplo, quando essas pessoas, esses professores universitários, pretendem posar como se fossem os porta-vozes do que é a cultura superior não só no Brasil, como no mundo, eles estão enganando vocês, eles não têm cultura nenhuma.(PAG 1 e 2) 

Essa semana eu pude verificar isso novamente quando, ao ler brevemente um artigo publicado na USP em defesa dos estudantes que fizeram aquele quebra-quebra lá sob o título “A universidade não é caso de polícia”, assinado por um tal de Vladimir Safatle, professor de filosofia na USP. Eu fui verificar quem era o tal de Vladimir Safatle e qual era a produção intelectual dele. Havia uma lista de artigos acadêmicos, que aparece no Currículo Lattes, onde, infelizmente, ele colocava um link para cada um desses artigos, dando acesso à produção cerebral total dessa criatura. Eu li vários dos seus trabalhos acadêmicos e, se eu já estava espantado com o que ele dizia no artigo publicado na Folha de São Paulo, fiquei mais espantado ainda com a produção acadêmica do cidadão, onde o uso do vocabulário usual da Escola de Frankfurt somado a Jacques Lacan e mais meia-dúzia de outros dava um ar de refinamento intelectual para a coisa, coexistindo com erros de gramática brutais, e com primores de inconsciência e de incompreensão que seriam mais dignos de se encontrar em um ginasiano, em um adolescente. Não obstante, eu asseguro para vocês que o Vladimir Safatle é aquele onde eu encontrei menos erros de gramática,no artigo acadêmico que eu irei comentar devia ter apenas uns sete ou oito; em geral, a média é cinquenta, sessenta e, por incrível que pareça, o sujeito não era totalmente incapaz, ele demonstrou alguma capacidade. Eu consideraria o Vladimir Safatle um sujeito qualificado para ser meu aluno, para sentar aí, ouvir e aprender comigo e se tornar gente.Pelo que a gente vê do trabalho dele tudo que esse sujeito leu foi aquele círculo de autores regulamentares que são praticamente obrigatórios para todos os intelectuais esquerdistas de hoje: escola de Frankfurt, Michel Foucault, Jacques Lacan, e isso é tudo. Eu duvido que esse sujeito tenha lido, algum dia, alguma obra literária, porque o mau gosto com que ele escreve é uma coisa incrível. Não é possível que alguém que tenha lido Camões, Cervantes etc., depois escreva assim. Ele aprendeu a escrever com os seus mestres, e os seus mestres são esses; então basta aprender assimilar aquele vocabulário deles, aquele jargão deles e você parece estar falando uma coisa séria. Esse é o estilo padrão dos professores da USP, todos escrevem assim. Uns pior, outros melhor, mas é tudo assim. É uma coisa absolutamente impressionante essa exibição de miséria mental.(PAG 2 e 3) 

Esta primeira parte da aula, essas coisas que eu estou explicando agora, são apenas para vocês tomarem consciência cada vez mais aprofundada da miséria cultural, moral e humana, dentro da qual vocês vivem,e da qual vocês vão ter de se libertar. Vocês vão terde sair deste lamaçal ,erguer-se acima dele, dominar a situação, não só intelectualmente, mas existencialmente,não permitir que essa porcaria toda os contamine, os deprima, os desencoraje, ou os corrompa. Esse ponto,no nosso curso é mais importante até do que o aprendizado positivo do que nós estamos passando.(pag 3) 

O maior problema para vocês é o da constituição da personalidade moral e intelectual de cada um. Sem isso vocês não aguentarão, irão se corromper, vocês chegarão aos quarenta anos e estarão tão medíocres quanto essa gente. Isso se não realizarem o prodígio de se tornarem ainda piores do que eles logo em um ou dois anos, como aconteceu com vários alunos meus que passaram dois ou três meses no curso e saíram dando palpite por aí. Naquela época em que isso acontecia eu sempre avisava as pessoas: olha, eu não tenho alunos, eu só tenho público. Porque aluno é o sujeito que segue o seu ensinamento,aprende com você durante cinco, dez, quinze, vinte anos. Isso é normal em filosofia. Quando você pega um professor para aprender com ele, você vai segui-lo a vida inteira.E depois, você vai continuar o que ele fez em um nível maior, às vezes até contestando,corrigindo vários pontos dele .Isso é o aprendizado normal. Como Aristóteles,que segue Platão durante vinte anos e depois o corrige. Isso que é o normal em filosofia.O sujeito que assiste algumas aulas não é um aluno, ele é um público apenas. Vocês entraram neste curso na condição de alunos, efetivamente. Pelo menos é isso que se propõe a ser. Isso já os coloca em uma situação um pouco diferente das pessoas que assistiram aulas em outras épocas.Se bem que eu tenho alguns alunos que me acompanharam durante muito tempo; mas eles não tinham o compromisso formal que vocês têm, e isso vai fazer toda a diferença. Porque vocês têm um compromisso que não é comigo, mas com a sua própria formação. Vocês vão ter de atingir certos resultados intelectuais,existenciais e morais.(pag 3) 

(…..)O que está acontecendo é um impedimento efetivo ao desenvolvimento da inteligência,à criação de uma classe letrada séria. Isto é uma usurpação, em que um círculo relativamente pequeno,eu creio que são umas dez mil pessoas no máximo, se apoderam dos meios de cultura, dos meios de ensino, e reduzem todo mundo ao seu próprio nível de inépcia e, como eles agora representam a classe letrada, eles desfrutam da mesma autoridade que uma classe letrada normal teria em outras circunstâncias. Ou seja, é uma farsa doente, é uma coisa mórbida .Isso não pode continuar. Nós não podemos mais aceitar que essas pessoas posem dessa maneira. Nós temos de tirar essa gente da profissão intelectual e transformá-los em trabalhadores, mandar esses camaradas trabalhar. Dizer, por exemplo:“Vladimir Safatle, você não tem qualificação intelectual para ser professor de nenhuma Universidade. Você, no máximo, pode ser professor de geografia no ginásio, ou professor primário. Isso é o máximo que você pode fazer”. O certo seria sair da profissão intelectual totalmente.(pag 8) 

Todos os professores de ciências humanas da USP são assim. Praticamente todos. Pode ter alguma exceção, uma ou outra. Mas aqueles que costumam opinar, esses camaradas que escrevem na Folha de São Paulo,(todos os professores da USP escrevem na Folha de São Paulo), e a Folha de São Paulo é o house organ da USP , são todos assim. Não se trata de um problema político. As posições políticas deles não são o problema, elas são os sintomas secundários de uma inépcia profunda e de um divórcio entre pensamento e realidade. São pessoas literalmente inconscientes de si; elas não se conhecem a si próprias como agentes humanos e como grupos. Elas não sabem o que estão fazendo. Tudo o que elas fazem é uma ocultação. É um jogo de prestidigitação para não ver o que estão fazendo. Tudo isso é um sintoma psicopatológico. Só que é uma psicopatologia social. Agora, deixar o destino de um país na mão dessa gente é um crime,isso não pode acontecer. Só que é o seguinte: nós não temos força para tirar esses camaradas de lá.O que nós podemos fazer é exatamente o que estamos fazendo neste curso: nós vamos pular fora dessa contaminação; nós não queremos conversa com essa gente. Nós não os julgamos qualificados, e não queremos saber a opinião deles. Quando as examinamos é exatamente como o laboratorista examina o cocô. Nós não queremos saber nada disso, e nós vamos adquirir outra formação baseada numa seleta de modelos tirados de outras culturas, de outras épocas, onde houve uma cultura superior de verdade.(pag 9)

Nós, como estamos no Brasil, e nós não temos nada, e o pouco que tínhamos nos foi tomado ,de certo modo temos uma vantagem, porque podemos olhar para o universo inteiro e buscar ali o melhor. Fazer como recomenda São Paulo apóstolo: “experimentai de tudo e ficai com o que é bom”. Eu passei minha vida fazendo isto: coletando estes modelos de educação, estas várias estratégias de educação superior, e fazendo um arranjo que era proporcional às minhas próprias necessidades,à minha própria auto-educação. E,após ter feito isso durante quarenta anos,hoje eu posso repassar isso vocês e assegurar que funciona.(pag 9) 

Ora, vocês sabem perfeitamente como é o debate cultural entre eu e esse pessoal universitário. Você chega para eles e menciona o Olavo de Carvalho e eles falam: “Olavo de Carvalho, Ah! Ah!” Então você pergunta: “por que Ah! Ah!? O que você tem de superior a ele? Por que você não vai lá e o enfrenta num debate?” “Ah! Ah!” O que acontece aí é o seguinte: o sujeito está aterrorizado; não chega perto de mim por nada deste mundo, nem por dinheiro, e fica lá longe se fazendo de superior. É claro que isto daí é fingimento, é arrogância infantil. Então, como é que eu posso levar a sério pessoas cujo confronto intelectual comigo consiste nesse fingimento de criança, nessa coisa pueril de fingir, com risadinha,que são superiores a um cara que não enfrentariam por nada deste mundo. Isso é mesma coisa que chegar para mim e dizer:“olha, o Mike Tyson está te desafiando para uma briga”; e eu digo:“o Mike Tyson? Ah!, Ah!” E vou embora para minha casa e fico a uma saudável distância do Mike Tyson. É o que esse pessoal faz.Como é que vocês podem levar a sério essa gente?(pag 9 e 10) 

Outro dia me telefona um aluno dizendo: “Ah, mas se eu falo de você eles fazem assim.” Eu lhe pergunto: como é que você se coloca sob o julgamento dessas pessoas? Dessas formiguinhas, desses mosquitinhos? Porque todos eles, os melhores dentre eles, que já pertencem a uma outra geração e que vieram me enfrentar, se saíram todos muito mal. Os discípulos deles, que agora são os professores, morrem de medo de mim. Então eles fazem umas risadinhas, ou soltam duas ou três frases feitas, e mais não dizem nem lhes é perguntado. Como é que vocês não percebem que esse pessoal está fingindo, que isso é tudo uma afetação de superioridade à distância? Mais ainda, por que vocês querem agradar a essas pessoas? Se você está freqüentando uma Universidade, e seus professores são assim, não tente agradá-los de maneira alguma. É mais fácil intimidá-los. Quando o sujeito fizer assim, diga: “olha, você está dizendo isto porque você não é capaz de enfrentar o Olavo de Carvalho. Ele sabe cem vezes mais que você e você morre de medo de chegar perto dele, então não venha me enganar.” Se você disser isso, o sujeito vai enfiar o rabo entre as pernas e vai te respeitar pelo resto do curso. Agora, se você cede, ele vai pisar em você, vai de humilhar, e pode realmente destruir sua carreira. Nunca ceda perante isso, porque ceder perante esta situação não é uma atitude estratégica puramente exterior. Isso tem um efeito dentro de você. Isto vai enfraquecê-lo e torná-lo mais covarde, mais inepto, e vai destruir a sua inteligência. A inteligência humana tem um caráter sistêmico; quer dizer, a inteligência não é uma função especializada. Ela é uma espécie de condensado de toda a sua experiência, de toda a sua personalidade; ela é a parte superior de sua personalidade, a parte superior que unifica tudo. Portanto, você não pode isolar pedaços onde a sua inteligência não entra. Se você diz: “olha, este pedaço da minha vida não vai ser conduzido pela minha inteligência, mas pelo medo que eu tenho do meu professor.” Você acabou de ficar lesado. Se você quer manter a sua inteligência você vai ter de aprender em primeiro lugar a sinceridade.A inteligência é a capacidade de perceber a verdade. E você não pode perceber a verdade nas altas idéias se você tampa a verdade da sua própria existência. Isso é impossível, gente. Olha,o que falta para os Saflates, Gianottis, Chauis é isto aqui: eles não perceberam a ligação essencial que existe entre inteligência e sinceridade.Se o sujeito não diz a verdade para si mesmo, ele está destruindo a sua inteligência.(pag 10) 

Dentro dessa perspectiva, é preciso ver que a atividade de leitura e de aquisição de conhecimento a que você pode se dedicar será totalmente inútil se tudo isso que você está supostamente aprendendo não for incorporado, não na sua memória, mas na sua pessoa. É preciso que cada frase que você leia seja incorporada ao ponto de se transformar num novo mecanismo de percepção que você adquiriu. Cada frase. Então eu vou sugerir um exercício, que vai levar muito tempo e que nós não vamos nem poder corrigir aqui porque ele vai levar provavelmente toda a extensão do nosso curso, mas que é uma coisa que vai marcar você para o resto de sua vida. Isso vai mudar a sua vida.(pag 10) 

Você vai pegar um livro de filosofia qualquer, da sua escolha, de preferência um livro que lhe faça bem. Eu lhe sugiro algum do Louis Lavelle. Louis Lavelle é o unido filósofo do mundo, além de Aristóteles, do qual eu me considero um discípulo. Com os outros eu aprendi muitas coisas, mas um discipulado, sobretudo no sentido de que para mim é muito difícil discordar de qualquer coisa que Louis Lavelle diga, muito difícil, mais difícil até que discordar de Aristóteles. O homem costuma ter razão. Por mais que você vire, vire, vire e mexa, mexa, mexa, você diz: “é isto aqui mesmo.” E você vai prometer para mim que você não vai ler mais de duas ou três frases daquilo por dia. Só que você vai ler cada frase e você vai transformá-la em objeto de meditação .O que que é meditação? Meditação significa um confronto aprofundado com o que está sendo dito; confronto aprofundado que deve levar você a reconhecer na sua própria experiência interior exatamente do que que o autor está falando. Para você fazer isto você vai ter que puxar elementos de memória, de imaginação, de associação de idéias, e tudo o que você tiver.E você não vai se satisfazer enquanto aquela frase, que lhe chegou como idéia, não tiver se transformado em percepção.É como se você tivesse lido num dicionário uma definição de vaca e depois tivesse saído procurando uma vaca; e a hora que você reconheceu as vacas e as observou por muito tempo, então o seu conhecimento de vaca já não é mais aquele enunciado verbal, é experiência real que você teve das vacas. É isso que você vai fazer, tem de fazer, com cada frase do livro. Esse livro você vai levar anos para ler. Mas é o seguinte: se ficar interessante e você quiser passar adiante e continuar lendo, não faça isso. Você vai ler algumas frases, um parágrafo, onde tem alguma unidade. Faça esta experiência com o primeiro parágrafo que você escolher. Quando passar para o segundo, você vai ter de fazer isto duplamente, porque tem a mesma absorção imaginativa existencial do que está dito ali e ainda tem a continuidade do que vem antes. Quando terminar esse exercício, você, evidentemente, saberá o livro de cor, não com as palavras, mas com a seqüência exata das idéias, porque elas já não serão mais idéias, serão recordações e percepções.Isso quer dizer, que cada conceito abstrato que tiver ali, você vai ter de transformar em exemplos concretos vivenciados e reais. (pag 11) 

Eu vou lhes dar um exemplo de como se faz isso. Eu vou pegar exatamente um do livro do Louis Lavelle, que se chama A Presença Total (La Présence Totale).É um livro particularmente útil por ser um resumo. A grande obra do Louis Lavelle é um trabalho em quatro volumes que se chama Dialética do Eterno Presente (La Dialectique de L’Éternel présent) e como o livro estava muito comprido, ele fez este resumo. Este aqui é o primeiro volume da série De L’Ètre (Do Ser).A Presença Total às vezes é menos clara do que a obra maior. Já dizia Horácio que a brevidade se opõe à clareza: para explicar a coisa nos seus mínimos detalhes, você tem de botar os mínimos detalhes; então daí fica maior. Por isso mesmo, é um livro propício para esse tipo de exercício, por ele ser muito compactado. Eu vou ler aqui o primeiro parágrafo do livro, saltando aqui a introdução, você não vai saltar a introdução coisa nenhuma; eu vou saltar só para efeito da presente aula, o primeiro parágrafo é o seguinte: 

“Há uma experiência inicial, que está implícita em todas as outras, e que dá a cada uma delas a sua gravidade e a sua profundidade: é a experiência da presença do ser. Reconhecer essa presença, é reconhecer, no mesmo ato, a participação do eu no ser.”

Em seguida, o professor Olavo sugere dois exercícios; o primeiro é de percepção ,o segundo de construção mental. Optamos por não transcrever os exercícios. Aqueles alunos que desejarem mais informações sobre os exercícios podem obter,na transcrição da aula.Consideramos o texto muito extenso, para um resumo.(UBIRATAN) 

Esses exercícios vão fazer você recuar do mundo do pensado para o mundo do percebido,e do mundo do percebido para a consciência de presentes. Depois disso, quando vocês lerem esta frase:“Há uma experiência inicial que está implícita em todas as outras e que dá a cada uma delas a sua gravidade e a sua profundidade, é a experiência da presença do ser”, aí vocês saberão do que Louis Lavelle está falando. Só que você vai fazer isso com o livro inteiro. Eu sugiro que faça com este pequeno livro, que não tem tradução. E se for um livro numa língua que você não conhece, melhor ainda, pois será necessário traduzir cada pedaço e isto impedirá que você passe para frente. O meu método de aprender línguas é esse: o primeiro livro que eu li em francês foi La Noeud de Viperes (O Nó das Víboras), de François Mauriac. Eu havia tido um pouco de aula de francês no ginásio, mas não o suficiente para ler um livro desse, de forma que cada linha possuía duas ou três palavras que eu não conhecia e tinha de ir ao dicionário. Então eu falei: “Eu vou ler este livro até o fim, mesmo que leve dez anos e eu vou anotar e escrever cada palavra que eu não saiba; não vai passar nenhuma e se tiver uma palavra que eu já vi páginas atrás, mas eu esqueci e eu olhar no dicionário de novo, eu vou escrever de novo e vou ler dez linhas por dia”.Quando eu terminei de fazer isso, eu sabia ler qualquer livro em francês. Mas esse método não serve somente para o aprendizado de linguagem. Se você fizer isso como prática da sua aprendizagem filosófica, não vai apenas ter aprendido a ler um livro de Filosofia, terá entendido uma coisa muito importante: um livro de Filosofia é como uma pauta musical, ele só é compreendido quando é executado interiormente. O falecido Otto Maria Carpeaux, que era um grande crítico musical e historiador da música, ele não ouvia música, ele nem tinha vitrola em casa, ele lia as partituras e as executava mentalmente como se ele fosse o maestro. Ele ouvia mentalmente cada instrumento, coordenava todos os instrumentos. Era aí que ele adquiria a compreensão profunda da música, porque ele a reviveu interiormente,e de certo modo a reconstruiu interiormente. É assim que se lê um livro de Filosofia, é somente assim. Se você lê um livro de Filosofia muito rápido,nunca irá entender nada. Cada frase tem de ser recomposta. É claro que com o tempo você irá pegar velocidade nisso,porque acontecerá que, à medida que se vai acumulando estas experiências interiores, elas ficam no fundo da sua memória,elas se incorporam em seu interior e, quando você ler um novo livro, ele vai trazer uma série de evocações que já lhe pertencem e a sua experiência na leitura daquele livro e dos livros sucessivos vai ficando cada vez mais rica, de modo que, depois de dez ou vinte anos de prática disso, quando você lê uma frase, é um mundo inteiro que se descortina para você.Isso tudo,é claro,é incomunicável,podendo ser comunicado esquematicamente como eu estou fazendo, mas somente assim. Não dá para reproduzir verbalmente a totalidade dessa experiência de leitura.(pag 15 e 16) 

Todos os grandes leitores do passado leram assim, todos sem exceção. Quando você vê, por exemplo, como um grande romancista entendeu outro grande romancista, entendeu desta forma. O mundo do outro romancista se incorpora nele e está implícito naquilo que ele está escrevendo. Eu estava lendo, quando vinha no carro, a introdução aos romances completos de François Mauriac, que é um autor que eu adoro e que foi o primeiro autor que eu li em francês, o qual é um mestre, um guru da arte do romance, ele sabe fazer um romance como raríssimos sabem. Mauriac, por sua, vez era um grande leitor de Balzac e aconteceu o seguinte: o Balzac escreveu um livro, depois escreveu outro e outro e assim por diante, e criou várias estórias, que foram se cruzando e, de repente, ele percebeu que não estava escrevendo um romance, mas sim um mapa inteiro da sociedade francesa. Os mesmos personagens reapareciam em circunstâncias diferentes e o sujeito que era o herói de uma estória, aparecia como personagem secundário no outro e assim por diante. Então, aquilo não é uma série de romances, é uma rede e, quando o próprio Balzac percebeu isso, aí é que ele fez o plano do restante da comédia humana; ele tinha escrito alguns livros, mas que não eram os mais importantes. A partir da hora que ele percebeu que era esse o truque, ele chegou em casa e disse: “turma, preparem-se, pois eu estou prestes a me tornar um gênio”. Acontece que, de tanto ler o Balzac, o François Mauriac foi incorporando aquele imaginário todo da rede da sociedade francesa e reparou que, até certo ponto, ele, que não queria fazer nada disso,e considerava que, quando começava um novo romance, achava que este iria libertá-lo do anterior, sendo, então, algo totalmente novo, de maneira que não queria mais pensar nos anteriores, pois já tinham ficado no passado , percebeu que acabou fazendo a mesma coisa que o Balzac e que seus personagens também reapareciam.Não tinham, evidentemente, todas aquelas ramificações como em Balzac, mas algo sobrou daquilo, sem que ele quisesse. Vejam, portanto, como o mundo do Balzac se incorporou tão profundamente na alma de Mauriac que este,que era um talento tão completamente diferente daquele, e que, aliás, queria fazer coisas completamente diferentes,não conseguiu escapar de “Balzaquiar” as coisas um pouquinho.O legado de Balzac persistiu no fundo da alma de Mauriac, não sendo mais Balzac,mas sim coisa própria de Mauriac, era a própria imaginação deste.A leitura de Balzac,Shakespeare,Homero etc., foi abrindo janelas dentro da alma dele,de forma que as coisas lidas se tornaram instrumentos de percepção e fornecedoras de um oceano de analogias,de associações de idéias, que se tornaram o seu próprio imaginário.(pag 16 e 17) 

Se todos os alunos deste curso assimilarem todas estas coisas, pouco a pouco, vocês verão que, dentro de algum tempo, nós teremos uma poderosa classe intelectual no Brasil como jamais houve, porque será constituída de pessoas sérias, de pessoas que estarão presentes à realidade, não serão meros combinadores de palavras, não serão pessoas que querem escrever bonitinho. Serão pessoas que, para cada palavra que for dita, haverão outras dez mil que não poderão ser enunciadas, porque é patrimônio delas e é inexpressável. Por exemplo, quando você lê um Shakespeare e vê as coisas que ele está lhe mostrando, e você faz um pouco de esforço de imaginação para pensar assim:“de onde ele tirou isso?”, você se dá conta de que tem um oceano de riquezas,mas aquilo que está aparecendo no teatro é somente a espuma. E note bem: Shakespeare não é Deus, é somente um ser humano. Quando você começa perceber a riqueza de imaginação e de experiência humana que tem dentro de uma pessoa desta você fica maravilhado, mas daí você não quer mais o blá-blá-blá: “Eu não quero mais uma sopinha, canjinha, eu quero comida de verdade, eu quero um bife. Não vou ficar perdendo tempo com estes bobocas”.O que é um boboca? Tem um boboca de terceiro mundo, tipo este Sr. Safatle e tem um boboca de primeiro mundo que é o Jaques Lacan, os quais são especialistas em não entender nada do que lêem e já fizeram disso uma técnica, porque eles nunca se abrem à experiência, jamais se abrem à experiência! Eles nunca fazem isto que eu estou dizendo, eles fazem o contrário, fazem a negação de tudo. Eles estão tão convencidos de que são superiores a toda cultura humana, que a transformam em objeto das suas pretensas análises, o que é um método de auto-emburrecimento.(pag 18) 

(……) O charlatanismo intelectual é prática geral no Brasil. No resto do mundo ele existe também, mas as pessoas reconhecem-no. No Brasil não. O charlatanismo intelectual adquiriu autoridade, e pior, existem jovens sérios, talentosos e bem intencionados que vão estudar com esses caras e os aceitam como autoridades e deformam-se para ficar iguais a eles. É como entrar para um clube em que todo mundo corta a orelha, então você corta também, corta o peru etc. ,para ficar igual aos outros. Isso é uma monstruosidade. É dentro desse meio que vocês estão. Isolar-se desse meio não é possível. O que vocês têm de fazer é viver em franca atitude de desprezo e até de hostilidade. É preciso rejeitar, dizer “não quero isso daí”. E se você aceitar isso, dizendo que se reclamar seu professor irá fazê-lo repetir de ano,eu pergunto se você quer mesmo um diploma assinado por esse cara. Pense bem, daqui vinte anos, um diploma assinado por mim valerá 1000 vezes mais que um diploma da USP, porque o diploma assinado por mim mostra que você sabe alguma coisa e o da USP é apenas uma formalidade encobrindo uma falsidade. Se nós entrarmos na briga com esta farsa em que se transformou a cultura superior no Brasil, é claro que nós iremos ganhar. Esse pessoal não têm nada, são todos ocos, é só fingimento. Passam três anos daquilo e ninguém mais se interessa. Já o que nós estamos fazendo, o que eu estou fazendo, isso ficará e será a base da cultura brasileira futura, pois é a única base existente. Neste período em que houve a destruição, eu cujo nome é norueguês é, por acaso, significa “sobrevivente” fui o único que sobreviveu. Tinha o Bruno Tolentino também, mas ele morreu. O único sujeito que ainda tem o legado da cultura brasileira anterior que vinha se formando sou eu. Os outros não têm, nem sabem onde estão. Então, só quem pode criar essa cultura no futuro somos nós, vocês são responsáveis por isso. E é por isso que eu fiz questão que assinassem este compromisso de permanecer no curso até o fim, para poder fazer um trabalho de formação verdadeiro. Cinco anos é pouco para isso e, portanto, eu espero que mesmo depois de terminado o curso vocês ainda continuem mantendo contato, para a gente continuar passando outras coisas, mas cinco anos é o mínimo.(pag 20 e 21)

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Olava de Carvalho: resumo da aula 9 do COF

IDEIA PRINCIPAL: ÉTICA E TÉCNICA DA VIDA INTELECTUAL 

Eu quero hoje anunciar alguns princípios os quais nós podemos chamar de ética da vida intelectual. Ao longo desse ano nós vamos nos concentrar mais na técnica e na ética da vida intelectual, do que nos assuntos filosóficos propriamente ditos.O que eu enunciar por enquanto de temas filosóficos é só para ilustrar certas coisas que eu estou falando dos elementos técnicos e éticos da vida intelectual.Ainda não é um estudo filosófico ex professo .(PAG 1) 

(…..)Como é que você vai saber quais são os livros que tratam dos temas que lhe interessam? Aí aparece outro preliminar que é o domínio das bibliografias e dos instrumentos de pesquisa. Sem isso não se fará nada, nada, nada. Antes de se aprender a ler os livros de filosofia, o estudioso tem de saber onde eles estão, do que estão falando e ter uma idéia dos índices.Ou seja, durante um ano você vai se tornar um excelente leitor de índices, orelhas etc., para saber onde estão as coisas. Hoje em dia o problema da pesquisa bibliográfica está muito facilitado pela internet. Quando eu comecei a estudar isto era uma agonia porque as grandes bibliografias custavam uma nota, eram publicações caríssimas. Hoje se tem pela própria internet uma série de publicações bibliográficas.Eu recomendo muito que vocês se associem a um site chamado (http://www.questia.com) , que como instrumento de pesquisa é uma maravilha, porque eles têm lá uma biblioteca que eu acho que está com 100.000 livros hoje e uma boa parte do que precisarão, se quiser, encontrarão lá.(PAG 1) 

“Cave onde você está”(Jean Guitton) .Qual é o fundamento deste conselho em última análise? Existem dois objetivos diferentes para quem quer que entre numa vida de estudos: 

a) o primeiro é a ambição de tornar-se um olhar abrangente. É como se, pela imaginação,pelo esforço, tal sujeito se transpusesse a um outro plano de onde contempla as coisas deste mundo, contempla a natureza, contempla a História, contempla os fatos, em busca de obter uma visão geral organizada. Este tipo de ascensão imaginativa pode criar uma sensação muito boa. Jacob Burckhardt, no final do livro Considerações Sobre a História Universal, descreve uma coisa deliciosa que ele chama de “a suprema beatitude do entendimento”: o sujeito se coloca num plano superior e, deste modo, ele observa todo o fluxo das desgraças, das tragédias e comédias humanas, sem participar pessoalmente daquilo, mas contemplando o espetáculo como se fosse um objeto estético, por assim dizer.Esta é geralmente a atitude de quem entra nesse negócio e quase todos buscam isso. 

b) Outros buscam um pouco mais do que isto: eles querem chegar a uma compreensão do fluxo total para poder dirigi-lo ou poder influenciá-lo. É aquele negócio de Karl Marx de o indivíduo não interpretar o mundo, mas compreendê-lo. O sujeito que entra nessa perspectiva de tipo marxista ainda está dentro da ótica que eu mencionei antes, ainda está em busca da “beatitude do entendimento”, com a diferença que ele não se contenta só com a beatitude, não quer só contemplar as coisas como se fosse um deus, mas ele quer, de lá de cima de onde ele está, influenciar o fluxo das coisas. Ele quer  transformar o mundo e moldá-lo à sua imagem e semelhança. Estas duas atitudes:  a) a busca da contemplação da realidade e a contemplação estética, b) e a busca do ponto de observação privilegiado desde onde o curso das coisas pode ser alterado, têm sido ao longo dos últimos séculos a motivação básica das pessoas que entram na vida intelectual. Um pouco dessas duas atitudes é até certo ponto inevitável, elas são um componente da própria vida intelectual. A busca de um recuo cognitivo de onde o estudioso possa enxergar as coisas, até a busca de uma própria objetividade, de uma própria imparcialidade, de uma própria idoneidade implica este recuo, esta retirada para um plano superior. Até certo ponto isto é inevitável.(pag 2) 

Tudo isso, como eu disse, até certo ponto é inevitável, são componentes técnicos, por assim dizer, da vida intelectual. Mas tomado como objetivo humano, essas atitudes se baseiam em uma premissa absolutamente falsa, que é a de que nós podemos efetivamente nos colocar acima da realidade e observá-la como se fossemos o próprio Deus, por exemplo. Há nessa coisa toda uma falha fundamental. Notem bem, eu digo isso para vocês porque durante anos (eu não estou falando assim ex cathedra), essa foi também a minha atitude.Quando eu li no Burckhardt essa coisa da “suprema beatitude do entendimento”, eu falei “É isso o que eu quero. Isso aqui é uma maravilha!” Só anos mais tarde é que eu fui compreender que aquilo se baseava em uma falha existencial causada justamente pela perda da perspectiva verdadeiramente espiritual. Quando eu falo perspectiva espiritual eu não quero dizer uma crença religiosa, eu não quero dizer uma devoção, nada disso, mas a simples consciência que o indivíduo tem de que acima dele existe um observador onisciente. Quando o sujeito entende que existe um observador onisciente acima dele, ele entende que não será jamais esse observador onisciente, que não pode se converter n’Ele. O máximo que pode é permitir que Ele vá lhe revelando aos poucos aquilo que ele ignorava até sobre si mesmo. Então, na hora que o sujeito descobre isso, ele percebe que a busca de uma posição privilegiada, um posto privilegiado de observação, como fala o Burckhardt, é uma falácia, é uma mentira existencial, não é uma coisa verdadeira, nós não estamos, jamais, acima de nós mesmos. Nós podemos comparar essa atitude burckhardtiana com a atitude de Santo Agostinho, onde o que ele busca é sobretudo a compreensão dele mesmo, não como ego transcendental, não como sujeito do conhecimento, mas como sujeito humano do mundo da ação, da incerteza, do pecado etc.Ou seja, Agostinho está falando do seu “eu” verdadeiro, do seu “eu” histórico, do seu “eu” temporal, não tem nenhum “eu transcendental” ali. Existe o narrador que é o autor da confissão, que é o homem que está se confessando, e acima dele existe o observador onisciente. Não tem nenhum “eu transcendental” funcionando como intermediário, não há um “eu” acima do “eu”;o único “eu” que há acima do “eu” é o “Eu” de Deus mesmo.(pag 2) 

Ao longo da história do pensamento ocidental, nos últimos quatro séculos, nós vemos um crescimento desmedido da crença nesse “eu” observador que vive na “suprema beatitude do conhecimento” ou que desde dessas alturas comanda o processo histórico. Tudo isso é um processo de auto-divinização, na verdade.Eu reconheço que sem uma parcela dessa atitude não é possível nenhum estudo, sem o sujeito tentar se colocar um pouco acima do fluxo da realidade nada se fará, mas ele tem de compreender que isso é apenas um exercício temporário de uma posição existencial que não é real. Ela é apenas fictícia, ela é fingida, quer dizer, o sujeito finge que ele se coloca numa posição superior para observar melhor as coisas. Mas ele tem de saber que ele é como, por exemplo, aquele negócio do ex-ministro José Maria Alkmin sobre a revolução de 1964. Telefonaram para ele querendo saber onde estava Minas, se estava de um lado ou de outro; e ele fala “Minas está onde sempre esteve.” Então, basta saber que o indivíduo está onde sempre esteve. E ele esteve exatamente no lugar histórico, temporal, concreto, onde se desenrola a sua miserável história pessoal com todos os seus temores, os seus fracassos, os seus preconceitos, as suas expectativas, as suas ilusões etc.E este é exatamente o terreno onde Jean Guitton diz que nós devemos cavar, como Agostinho cavou. Agostinho não procurou se colocar acima de si mesmo, mas, ao contrário, procurou mergulhar na realidade concreta da sua história pessoal sabendo que acima dele não havia nenhum “eu transcendental”, mas havia um observador onisciente que não era ele mesmo.(pag 3) 

Ou seja, enquanto Agostinho buscava penetrar no mais profundo na mente, na realidade da sua existência temporal histórica, e confessar-se autor de seus atos mesmo mínimos, mesmo atos desconhecidos, mesmo atos puramente interiores, não puros pensamentos que ele tinha,e reunir tudo isso e dizer “eu sou isso, eu fiz isto, eu assumo a responsabilidade disso”, os kantianos e gurdjieffianos estavam negando tudo isso e dizendo, “eu sou um ser superior, eu estou observando tudo de cima, e toda essa miséria humana minha é irreal”. Isto tudo é uma fuga à condição humana e nós não podemos negar que isso aí tudo, no fundo, tem uma inspiração gnóstica, evidentemente. A recusa da realidade, da condição encarnada, da condição histórica temporal humana com toda a sua fragilidade e miséria, é uma característica do gnosticismo. O gnóstico é um sujeito que não está agüentando o mundo então ele finge que esta acima do mundo. É um pouco na base de “senta que o leão é manso”. Você sabe a história, porque eu já contei aqui: como seus escrotos estão apertados entre duas tábuas você finge que nada está acontecendo, você não quer que as pessoas levantem para não espremer os seus bagos ainda mais, então você senta que o leão é manso. Você está se elevando à suprema beatitude do conhecimento, você está mostrando que você é superior a toda aquela correria, miséria e gritaria em torno. Eu me encantava com essas coisas quando eu era jovem. Encantei-me com Kant, com Gurdjieff, essa coisa toda. Encantei-me com místicas orientais, ioga etc. E hoje eu percebo que o coeficiente de alienação que existe em tudo isso é prodigioso. E, por outro lado, a atração que isto exerce sobre as pessoas pode ser uma das principais fontes de inspiração da vocação intelectual. Quer dizer, o sujeito vai estudar para ele se sobrepor a este rio de misérias, tormentos e sofrimentos humanos e se elevar à “suprema beatitude do conhecimento” .Desde logo, o princípio número um da ética da vida intelectual é: “cave onde você esta” ,isto é uma fórmula de Jean Guitton. E quem nos deu a lição de cavar onde você esta é exatamente Agostinho, porque ele percebeu que a realidade da vida concreta por mais modesta, humilde e até humilhante que seja, é um negócio precioso, porque ela está acontecendo mesmo, ela é uma realidade, não é um pensamento que você teve. Mesmo os pensamentos que você pensou, você os pensou realmente. Uma coisa é o pensamento no seu conteúdo, outra coisa é um pensamento considerado como acontecimento da sua vida interior, “no dia tal, às tantas horas, eu pensei tal coisa”.(pag 5) 

Essa coisa do Agostinho, de assumir a realidade concreta da sua vida pessoal biográfica temporal, é um tesouro para vida intelectual. Porque esta vida histórica biográfica temporal efetivamente aconteceu, ela não foi inventada, então ela dá uma base de realidade. Você tem um material que não veio de você, que veio da realidade; ali você está pisando em terra firme. E isto vai ser mais tarde o critério de aferição de todos os conhecimentos. O que quer que você pense, creia ou imagine, mas que não tenha raiz nessa individualidade concreta, histórica, temporal, é falso. É falso porque não é seu, é um teatro mental que você está vivendo. Claro, o teatro mental é um dos grandes recursos do conhecimento humano. Eu mesmo recomendei que ao ler vários autores você os incorporasse como papéis que você está representando, um pouco de acordo com a técnica de Constantine Stanislavsky de você se identificar profundamente com o personagem, buscando os pontos de convergência entre os sentimentos seus e os sentimentos dele. Quer dizer: onde, quando e como você sentiu igual àquele personagem ou,se não sentiu igual, buscar um análogo. Eu mesmo recomendei isso, então eu sei que o teatro mental é um instrumento indispensável do aprendizado. Mas o teatro mental serve para alguma coisa desde que você saiba que é um teatro e consiga depois sair do teatro e voltar para casa.(pag 5) 

Agora, se você fica lá e fica achando que de fato você é Aristóteles ou Platão, ou o autor que você está lendo, então você pirou. É como naquela história do Pirandello, que acreditava que era o rei Henrique IV e obrigava todo mundo a se comportar como se fosse a corte do Henrique IV; e os caras até acabaram acreditando, quer dizer, enganaram a si mesmos. Essa é a grande parábola do mundo moderno: o sujeito acreditou no seu teatro mental com tal intensidade que ele fez os outros acreditarem. O movimento ideológico de massas é exatamente isso: é uma pessoa maligna, doente, incapaz de suportar a realidade da sua própria miséria, que escapa para um mundo idealizado, teatral, e desempenha aquele papel com tal verossimilhança, com tal intensidade, com tal devoção, que faz os outros representarem aquilo mesmo, fugindo, portanto, da realidade das suas vidas. Por exemplo, quando você vê aqueles movimentos comunistas, aquela multidão de classe média alta e de classe alta tentando sentir proletariamente,falando “proletariado, proletariado, proletariado”, ora, não tem nenhum proletário lá, jamais! O próprio Karl Marx,pelo menos até o momento em que ele escreveu o Manifesto Comunista, ele nunca tinha visto um proletário. Engels sim, porque ele via o proletário da posição do burguês, ele era um industrial, ele tinha empregados. Karl Marx não tinha nem isso, ele não tinha visto o proletariado nem do ponto de vista burguês, ele não conhecia nenhum proletário, era tudo inventado.(pag 5) 

Então você está convidando as pessoas a participar do seu teatro mental. Este ato mental pode trazer para a pessoa uma consolação, uma segurança, um sentimento, uma ilusão de sentido da vida. Pode trazer um monte de coisas, e tudo isto é como uma droga ou pior do que uma droga. Se você cheirar cocaína não é tão grave quanto isto, porque isto é como uma espécie de arrebatamento, você é arrebatado para o sétimo céu da beatitude do entendimento e você vira uma espécie de Deus. Tudo isso é fake, tudo isso é falso e é infinitamente ridículo, e isto é a fonte da pseudo-vida intelectual que nós temos. Toda pessoa que entra numa universidade,a primeira coisa que ela recebe é um convite para ela ser arrebatada para este mundo superior. Então, não é de estranhar que a própria linguagem dessas pessoas adquira, logo no começo, por uma espécie de impregnação, por uma espécie de osmose verbal, aquele estilo pedante, meio rococó com que falam, por exemplo, os professores da USP. Todos falam assim, todos falam igual. Por que eles têm de falar assim? Porque essa linguagem é necessária para manter a ilusão do “eu transcendental”. Nós nos arrebatamos todos para um outro plano, nós somos agora, por assim dizer, a classe revolucionária, nós somos o novo “Príncipe” do Maquiavel, em suma, nós somos o “Imbecil coletivo” e nós nos achamos lindos uns aos outros, e desde essas alturas nós podemos passar a vida como, por exemplo, Roberto Mangabeira Unger. Você vai ver se você ler os livros do Mangabeira Unger. Os primeiros eram bem escritos, depois, os outros, eu não gosto não. Eu nunca li uma linha do Mangabeira Unger que se referisse a nada, ele só fala do dever ser, daquilo que ele acha que o mundo tem de ser. O mundo como é nunca interessou a ele, então o Mangabeira Unger já é um caso extremo, já é um caso patológico de arrebatamento para o sétimo céu dos beatos do entendimento. Para ele já nem existe mais realidade, só existem os ideais do Mangabeira Unger, aos quais este mundo mal não se curva, lamentavelmente. Eu compreendo o atrativo que isso exerce sobre as pessoas, mas, ao mesmo tempo, eu sei que daí não vai sair nada que preste.(PAG 5 e 6) 

Por exemplo, quando você estuda História, Ciências Sociais, Ciências Políticas, qualquer coisa, você deve se perguntar a si mesmo: estas coisas que eu estou pensando, acreditando, a partir do que eu li, estudei; eu as conheço com certeza, como conheço a minha própria história? Se eu não conheço, não tenho este grau de certeza, então eu tenho um grau menor de certeza. E aí você pode aplicar aquele critério que está na apostila: “Inteligência, verdade e certeza”, que é o da gradação dos seus conhecimentos. E a partir da hora que você tiver esta gradação, aí você se tornou um estudioso responsável. Porque quando você acredita que sabe algo,você sabe,se aquilo é: 

a) certeza imediata e evidência, 

b) com alto grau de probabilidade, 

c) com verossimilhança 

d) ou só como especulação de possibilidade. 

E se você não sabe distinguir estes quatro, se você não sabe que aquilo que você sabe é certo, razoável, verossímel, ou meramente possível, então você não sabe nada a respeito. A gradação da confiabilidade do conhecimento é básica para a ética da vida intelectual. Agora, o critério da confiabilidade, o critério da credibilidade não é dado por nenhuma certeza cartesiana tipo: penso, logo existo. Não é nada disso. É dada pela confissão do que você já sabe, principalmente daquilo que só você sabe, porque aí você não tem para quem perguntar e se você não tem para quem perguntar, você não será escravo de pretensas autoridades externas, você é o único juiz. Só tem você e quem mais? O observador onisciente, o próprio Deus que, se você confessa o que sabe, Ele te ensinará mais alguma coisa que você não sabia. Cada vez que você admite a estrutura da realidade tal como ela é, cada vez que você cava onde está, o que acontece? Uma parte daquele imenso reservatório do conhecimento por presença sobe à sua consciência e você fica sabendo algo mais. Estão entendendo? Estes são princípios do método. Claro que isto aqui já é uma exposição propriamente filosófica, mas não feita como exposição filosófica, como exposição teorética, e sim feita como, vamos dizer, conselhos, como regras práticas. Então, quando no começo do curso, eu pedi a vocês aquele exercício do necrológio, é porque a figura do eu ideal é a unidade de medida com que você mesmo vai medir o que você sabe a seu respeito. O eu ideal foi sugerido para servir de unidade de contraste em relação à sua biografia real. O contraste sempre torna tudo nítido. A mente humana sempre pensa por pares de opostos. Ela é eminentemente dialética. Deus não é dialético, mas nós somos.(PAG 9) 

Esta tensão é que você tem de confessar, e buscar cada vez mais a linguagem exata. A linguagem exata é aquela na qual você pode falar com o observador onisciente,(prestem atenção; isto aqui é muito importante!), porque ela é que vai lhe dar a medida estilística, por assim dizer. Se você sabe que tudo o que você disser o seu ouvinte já sabe, e sabe mais do que você, você precisa falar as coisas com uma exatidão e com uma sinceridade integral. E este é o segredo da tremenda força do estilo de Agostinho, como do estilo de São Paulo Apóstolo também. São grandes escritores, enormes escritores, dos mais fortes que a humanidade já conheceu. Então, tudo isto baseado nesta coisa de que eles não vão falar com a voz de um “eu transcendental”, ou seja, de um “eu superior”, eles não vão falar com a voz de Deus, mas vão falar com a sua própria voz para Deus. Eles não estão brincando, eles estão fazendo uma coisa verdadeira que os instalam na realidade de suas próprias vidas. Note que a aquisição de estudo, leitura, erudição etc., se ela é separada disto ,do que é feito por Santo Agostinho e São Paulo Apóstolo, ela se torna uma doença, uma forma de loucura, onde você não se interessa mais pela realidade, mas só se interessa por enigmas lógicos que você mesmo inventou ou que copiou de outras pessoas. Eu vou dar um exemplo para vocês, essa questão que as pessoas vivem levantando do determinismo e livre-arbítrio. Eu vou confessar uma coisa: eu odeio essa questão. Eu odeio isso com todas as minhas forças. Por quê? Muito bem, vamos ver como é que a gente trata disso e aqui eu vou dar um exemplo breve, pois mais tarde eu vou voltar a este assunto com mais detalhe.(PAG 10) 

Como é que a gente trata uma questão com a verdadeira técnica filosófica? Se você está seriamente empenhado em filosofia , como eu suponho que vocês todos estejam e os que talvez entraram com a perspectiva errada, o que pode acontecer, aos poucos vão entender como é que funciona o negócio e vão adotar a perspectiva verdadeira e eficiente, então, vocês não podem aceitar qualquer questão. Porque existem questões que são colocadas para você como enigmas e como pegadinhas. E quem gosta disto é o diabo.O diabo gosta de colocar para você questões que não têm saída, nas quais você fica atrapalhado. Então você fica louco para encontrar uma resposta e vai correndo atrás da resposta como um cachorro no qual tivessem amarrado uma salsicha no rabo dele e ele ficasse correndo atrás.Podemos ver pessoas correndo atrás da salsicha faz séculos.O verdadeiro espírito filosófico não joga com conceitos abstratos, na verdade ele quer criar conceitos para descrever ou explicar a realidade da experiência, a realidade da vida humana. Ou seja, quer cavar onde está e não em uma altura teorética hipotética aonde você obtém uma resposta final sobre uma questão metafísica, como no caso do determinismo e livre-arbítrio; isto é teatro mental! Se vocês lerem os diálogos de Platão verão que Sócrates está continuamente trazendo as pessoas de volta desde a altura de onde elas criam suas opiniões, para a realidade do que elas efetivamente sabem. Às vezes até mostrando que elas sabiam mais do que imaginavam, que estavam curtindo um falso conhecimento inventado, construído, e que se,na verdade, procurassem dentro de si mesmas, encontrariam mais conhecimento simplesmente pelo método da confissão, como ele faz no diálogo Mênon, com o escravo analfabeto. Eu não sei se o exemplo que Platão inventou ali é totalmente adequado, ao mostrar que o escravo sabia algo de geometria, mas é uma imagem, uma figura de linguagem,significando que tem muita coisa que você já sabe, basta você declarar as coisas como elas são e você vai descobrir que tem um depósito de conhecimento enorme. Ou seja, não precisa inventar, não precisa criar, não precisa construir nada. Mas quando vem alguém e lhe coloca estas pegadinhas como, por exemplo, no caso do determinismo e livre-arbítrio, o que você tem de fazer é o seguinte: deixa eu ver se entendi bem o que você quer dizer com esta coisa.Ou seja, vamos pegar esta dupla de conceitos e tentar aplicá-los à realidade da experiência, tal como eu a conheço para ver a que se referem na verdade.

(PAG 11) 

Existe um diálogo platônico maravilhoso, O Crátilo, em que as pessoas discutem se as palavras e os signos verbais são arbitrários ou se são naturais. Uns,“antepassados” de Ferdinand de Saussure, dizem que todos os signos são arbitrários.Outros são “antepassados” do Fabre d’Olivet e dizem que os signos são naturais, o som expressa a natureza das coisas etc.Eles discutem aquela coisa e Sócrates, no fim, diz o seguinte:supondo-se que as palavras e signos expressem a natureza das coisas, é porque alguém percebeu essa natureza e lhes deu nomes, criou nomes apropriados à natureza das coisas. Mas por que eles não poderiam se enganar? Então,mesmo supondo que os sons fossem naturais, alguém teve de captar esta relação entre a natureza dos seres e o som, e dar nomes apropriados às coisas; mas eles podem ter se enganado, nada me garante que eles sempre acertaram.Tanto que se você cavar profundamente essas etimologias esotéricas, você verá que esses nomes antigos que expressam a natureza das coisas, expressam isto só parcialmente, eles só expressam um aspecto da coisa porque eles são símbolos. Eles são apenas símbolos.Então, se são convencionais, são símbolos; se são naturais, também são símbolos. Então o que importa isso? O que importa é você tentar conhecer a efetiva natureza das coisas, e não saber se as palavras as expressam ou não expressam, as expressam por convenção ou, vamos dizer, por uma espécie de transposição da natureza das coisas.Ali você tem um exemplo maravilhoso da técnica filosófica: como é que ela tira você de uma falsa alternativa e te traz de volta para a realidade das coisas. Por exemplo, tem aquela lenda de que Adão deu nome às coisas. Eu digo: “Eram nomes verdadeiros mesmo? Você tem certeza que Adão acertou em tudo? E você tem certeza que quando Adão nomeou alguma coisa, segundo a natureza, aquela coisa tinha somente aquela natureza ou tinha as várias naturezas superpostas?” Veja, nenhum ser efetivamente existente se reduz à sua natureza, tal como aparece na sua definição. Eu já expliquei isso em outras aulas, nós voltaremos a esse assunto com muito detalhe mais tarde. Mas,se as coisas se reduzissem às suas essências,elas não poderiam estar em lugar nenhum, fazendo nada e ter qualidade nenhuma,seriam apenas definições ambulantes.(PAG 12) 

Então é necessário que não só os seus conhecimentos positivos nasçam da experiência verdadeira, mas até as perguntas têm de nascer da experiência e têm de se legitimar na experiência e têm de provar que têm importância efetiva, e que não são só um jogo mental, elegante o quanto seja. E o modo de fazer isso é sempre a mesma técnica da confissão.Neste caso, você pode obter alguma coisa perguntando: “De onde foi que eu tirei essa idéia?” Ao longo de trinta anos de experiência, eu garanto para vocês: todas as vezes que eu fiz esta pergunta a alguém: “de onde você tirou essa idéia?” A pessoa me respondia com um argumento em favor da idéia. E daí eu dizia: “Mas não é isso que eu estou perguntando,eu estou perguntando da onde você tirou, como isto veio parar na sua cabeça. Onde, pela primeira vez, você teve notícia dessa idéia: foi alguém que lhe falou, foi um livro que você leu? Qual foi o contexto real onde aquilo lhe apareceu e qual é a história que essa idéia teve dentro da sua mente?” E daí as pessoas não sabiam responder. “Mas, escuta, se você não sabe a história da presença de uma idéia na sua própria mente, você não sabe nada a respeito dessa idéia, aquilo é apenas uma palavra deslocada da condição real,deslocada do contexto histórico, cultural, psicológico, real de onde ela apareceu”.(PAG 13) 

A confissão ritual é apenas a oficialização, por assim dizer, de um confissão que já foi feita por dentro , eu estou falando da confissão interior. Então é esta confissão que permite que você saia um pouquinho da miséria contemporânea, e esse pouquinho é decisivo. O importante não é estar livre dela, não é manter-se puro e intacto, porque se você tenta fazer isso as coisas pioram ainda mais. O importante é a confissão para que Deus o limpe. Se você fizer isso permanentemente, seus filhos verão o que você está fazendo: que você não é melhor do que os outros, mas está fazendo uma coisa um pouquinho melhor; e eles seguirão você. É este exemplo que você tem de dar, de que consegue perceber a miséria dos meios social e cultural não externamente, mas em você mesmo. Então,você estará continuamente limpando-se daquilo. Não com o espírito de revolta, de indignação, mas de paciência consigo mesmo: você sabe que não se irá livrar disso tudo de uma só vez, que não será puro e intacto, que não será arrebatado para a suprema beatitude do conhecimento.Você sabe que compartilha do pecado do seu tempo e o carrega dentro de si.Por exemplo, eis um grande pecado do nosso tempo: todos aqueles que estão contra as tendências revolucionárias, malignas, contra a ambição gnóstica de dominar o mundo,todos eles, com freqüência, cedem à linguagem dessa mesma atitude e tentam expressar-se na linguagem do inimigo, porque não têm uma própria. Você só vai desenvolver uma linguagem própria se continuamente confessar a realidade para si mesmo e para Deus, criando assim uma voz própria, sem precisar adaptar-se a uma linguagem que já está corrupta e que foi feita para corromper pessoas.(PAG 15) (…..)Eu nunca proibi meus filhos de ver televisão,de frequentar qualquer ambiente, nunca os tratei como virgens a ser conservadas numa redoma. Ao contrário, eu os soltei no mundo. Mas eu soltava-os no mundo e dava outro exemplo em casa.E eu confio no meu taco:sei que eles podem errar, mas vão seguir a mim e não essas porcarias que estão no mundo.Isso porque eles têm amor por mim; têm amor, têm respeito, têm tudo.Basta isso.Você tem de ser um pólo atrativo dentro da sua casa, mais forte do que as atrações do mundo em torno.Seja isso! Pratique a sinceridade, pratique a vida intelectual no seu sentido mais verdadeiro e você será um pólo de atração e seus filhos seguirão você. Você não vai preservá-los da contaminação do mundo; mas não é isso que interessa.Você vai torná-los capazes de praticar a mesma confissão, de praticar a mesma sinceridade. Não se esqueça do verso de Antonio Machado: “Quien habla solo espera hablar con Dios um día. ”Se você está praticando essa sinceridade, se você já não estiver falando com Deus,está preparando-se para isso. Aí não vai ter respeito humano, não vai ter atrativo, não vai ter corrupção que vai ganhar você.(PAG 18)

Olavo de Carvalho: resumo da aula 7 do COF

IDEIA PRINCIPAL: A INVERSÃO DO SENTIDO DO VIRTUAL E DO REAL 

Queria começar a aula justamente meditando um pouco sobre o sentido desse virtual. Por que nós dizemos que esta comunidade é virtual, e não atual, ou real? Virtual é a palavra que vem de virtus, de potência,quer dizer que não é uma coisa que está efetivada. A palavra ”atual”, em filosofia, usa-se frequentemente como sinônimo de ”efetivo”, sem conotação temporal, sendo, neste caso, o oposto complementar do virtual. Nós dizemos que esta comunidade é virtual porque a comunicação só se dá através dos computadores e não com a presença física das pessoas.(Pag 1) 

Se vocês prestaram atenção naquele exercício do necrológio, verão que a sua biografia, tomada como um todo, é sempre virtual, porque fisicamente aquilo tudo não pode estar presente, ou seja, a unidade da sua vida ,a unidade que você fecha no final quando conta a sua vida, ou quando alguém a conta , só existe “virtualmente”. Isso que você chama de sua personalidade também só existe virtualmente, ela não pode estar presente fisicamente em um momento e em um lugar.(Pag 1) 

Se nós fôssemos reduzir o nosso conhecimento do mundo àquilo que é atual e presente em modo físico, esse mundo se reduziria drasticamente. Você estaria, mais ou menos, na situação de um doente que, sem memória, acabou de acordar em um hospital sem saber onde está, recebendo apenas os estímulos sensoriais físicos daquela situação presente. Assim, você estaria praticamente reduzido a uma inconsciência ou a um estado de consciência tão diminuído que estaria até mesmo abaixo do de um cachorro ou um gato, porque esses animais também se orientam com relação a um certo passado e a uma certa expectativa do futuro.(Pag 1) 

Toda esta dimensão que nós chamamos, por exemplo, a sociedade humana: como é que você sabe que vive dentro de uma sociedade? A presença na sociedade é ainda mais virtual do que estas que eu estou mencionando. Você não pode perceber a sociedade fisicamente presente em parte alguma, mesmo porque ela se espalha por um espaço que para um indivíduo humano é fisicamente inabarcável. Quantos milhões de quilômetros quadrados tem o Brasil? A sociedade “brasileira” está espalhada por todo esse território, e você não tem nenhum acesso físico a isso. Também, você não tem acesso físico a todas as leis. O que são as leis? As leis são um sistema de reações possíveis que algumas pessoas investidas de autoridade e poder terão se acontecer isto ou mais aquilo. Por exemplo, se você deixar de pagar um imposto, eles lhe cobrarão uma multa; se estacionar em lugar proibido, eles lhe darão, também, uma multa; se cometer um assalto, um estupro, um assassinato, você será punido. Quer dizer, tudo isso é virtual: se isto, então aquilo. Você lê o Código Penal e lá tem uma série de prescrições que dizem o que acontecerá se você fizer isto ou aquilo. Tudo isso é hipotético e, no entanto, é esse conjunto de leis que rege, de fato, as relações entre as pessoas. O Código Penal ou o Código Civil ainda tem a vantagem de que eles estão escritos.(Pag 2) 

Então, isto é para vocês perceberem que o ser humano vive, de fato, em um sistema de virtualidades, que ele não vive em um universo físico. O universo físico é um componente ínfimo do mundo humano. A quase totalidade das coisas, com as quais nós nos relacionamos, são puramente virtuais: pessoas, situações, fatos.É neste mundo virtual que nós efetivamente vivemos, isto é, o virtual é efetivo.E o mundo físico? O físico é que é virtual, porque as situações físicas só se efetivam rarissimamente. De todas as expectativas e regras tácitas, ou regras expressas que regulam a sua conduta, só uma parte ínfima se manifestará fisicamente no presente.(Pag 2) 

Quando, por exemplo, o Código Penal determina que você sofrerá tantos anos de prisão se fizer isto ou aquilo, só uma parte ínfima das pessoas vai viver realmente essa situação. Pequeníssima parte vai cometer o delito e, da parte que cometê-lo, muitos ainda escaparão às garras do Estado, de modo que só uma parte ínfima sofrerá a punição. Então, a realidade física da situação prevista é raríssima: ela é que é virtual e é potencial. O que é atual, o que é presente na vida das pessoas, é esse conjunto de expectativas virtuais dentro do qual nós vivemos. À medida que nós crescemos, acontece uma coisa muito estranha: nós vamos passando cada vez mais do atual para o virtual, isto é, o virtual vai se tornando o atual para nós.(Pag 2 e 3) 

Na vida diária, nós simbolizamos aquilo que é real e o distinguimos do falso, do imaginário, etc., mediante o símbolo da presença física. Mas isso é apenas um símbolo, uma figura de linguagem: o fisicamente presente é apenas uma figura de linguagem. Na maior parte dos casos, a distinção entre realidade e fantasia não tem nada a ver com o atual e o virtual, é completamente diferente. Por exemplo, se um sujeito está sendo investigado por um crime, e você descobre as provas que atestam que ele é inocente ou culpado. Quando você tem a prova, diz: ”Esta é a verdade: ele cometeu este crime, ou ele não cometeu este crime”. Muito bem, esse crime não está fisicamente presente. O juiz não viu o crime, os advogados não viram o crime, os jurados não viram o crime, o público todo não viu o crime e talvez não haja sequer testemunhas. Tudo isso é uma coisa que se passou em um passado que é irrecuperável fisicamente. Esse passado só pode subsistir em documentos, em testemunhos, é como se fosse um passado de papel. Quer dizer, o crime, o ato do crime, já não está mais fisicamente presente. Quando você descobriu a verdade sobre o crime, ele já não está mais fisicamente presente, e ele não é renovável. Você não vai pedir para o assassino matar a pessoa de novo, para comprovar que ele é assassino mesmo.

(Pag 3) 

Nós sabemos que em cada momento da nossa vida há coisas que ainda podemos fazer e outras que nós não podemos. Por quê? Por causa do nosso passado. É uma experiência muito simples que você faz se tira o seu extrato bancário. Você olha na conta que acabou o dinheiro. Por que que acabou? Porque você já gastou, no passado. Então, esse passado pesa sobre o presente, embora o passado, por ser passado, já não esteja fisicamente presente. Nós somos muito mais oprimidos por esse tipo de coisa do que pela presença física de obstáculos e dificuldades. Então, nós vivemos nesta rede de sinais do passado e de expectativas, antecipações do futuro que compõem exatamente esse mundo virtual.E quando nós usamos a realidade fisicamente presente como símbolo do que é verdadeiro, do que é efetivo, nós estamos usando apenas uma figura de linguagem. Cada um de vocês vive em um mundo virtual e a sua existência, neste sentido, é virtual. A sua própria biografia, as suas expectativas, as suas emoções, os seus gostos, as suas alegrias e tristezas, tudo isso, absolutamente tudo, é vivido em um mundo que não está fisicamente presente, mas que pode ter alguns indicadores físicos.(Pag 3) 

À medida que crescemos, nós vamos penetrando em círculos cada vez maiores de virtualidade. Por exemplo, quando você aprende a falar, entra em um círculo de relações imensamente maior do que você poderia ter só pela presença física. E todas essas relações são reais para você, elas estão presentes, você as sente como presentes, embora não estejam fisicamente presentes. Se, por exemplo, uma pessoa lhe diz algo desagradável, ela fisicamente não lhe fez nada. Se ela lhe diz uma frase humilhante, ou se diz: ”Eu não gosto de você, você é uma besta quadrada” , ela não lhe deu uma pancada,não lhe deu um pontapé, não puxou sua orelha, não pisou no seu pé. Por que que isso lhe faz mal? O que faz você ficar triste ou ofendido diante disso? É a expectativa que você faz de outras reações e situações possíveis que podem decorrer daquilo:não é nenhum estímulo presente. Através da linguagem, abre-se uma rede de virtualidades imensamente maior. Você chega um ponto em que já pode contar a sua história. Veja que crianças pequenas não contam a sua história. Dificilmente. Elas estão muito ocupadas com a conquista de círculos de experiências cada vez mais amplos; então, não têm tempo de voltar para dentro e recordar o passado. Mas, à medida que as suas experiências se acumulam, você conquista, por assim dizer, um passado: você tem sua memória, tem sua história. Essa história não está mais presente, mas você pode senti-la como se estivesse: os momentos alegres e tristes que você viveu, as expectativas que se cumpriram e as que foram frustradas, e assim por diante.(pag 4) 

Então, isso que eu estou dizendo é suficiente para você ver como qualquer visão do ser humano que seja centrado na sua realidade física é falsa. O homem vive dentro de um mundo de símbolos, de expectativas, de virtualidades,é aí que nós vivemos. Todo o universo que nós chamamos de história é assim: tudo que se passou no passado não está mais fisicamente presente, você só tem sinal daquilo através de resíduos escritos que lhe permitem imaginar o que se passou. Então você imagina, por exemplo, a batalha de Waterloo, ou a crucificação de Nosso Senhor Jesus Cristo, ou a descoberta da América. Tudo isso se refaz na imaginação das pessoas presentes: é nesse mundo do imaginário que existe a história para nós. No entanto, nós sabemos como a história pesa sobre nós, sabemos como essa rede de relações que se chama sociedade também pesa sobre nós. Tudo isso pesa sobre nós, tudo isso limita e, às vezes, determina a nossa conduta, ou pelo menos determina as possibilidades de ação que nós ainda temos.(Pag 4) 

Nós sabemos que em cada momento da nossa vida há coisas que ainda podemos fazer e outras que nós não podemos. Por quê? Por causa do nosso passado. É uma experiência muito simples que você faz se tira o seu extrato bancário. Você olha na conta que acabou o dinheiro. Por que que acabou? Porque você já gastou, no passado. Então, esse passado pesa sobre o presente, embora o passado, por ser passado, já não esteja fisicamente presente. Nós somos muito mais oprimidos por esse tipo de coisa do que pela presença física de obstáculos e dificuldades. Quando identificamos o real com o fisicamente presente, nós estamos cometendo um erro absolutamente pueril, porque o real é o fisicamente presente para um bebê recém-nascido, e somente para ele, ou então para o doente que acaba de acordar desmemoriado, ou por uma pessoa reduzida a suas funções mais elementares. Para essas pessoas, o fisicamente presente é o real, é todo o real; para todas as demais, o real é o que nós chamamos de virtual.O real é constituído de um sistema, de uma rede imensa de possibilidades anunciadas por sinais ou símbolos.(Pag 4) 

Ora, à medida que nós vamos crescendo e penetrando em círculos cada vez mais amplos e complexos de virtualidades, isso não quer dizer que a nossa linguagem, com linguagem eu não quero dizer somente as palavras, mas a linguagem e o imaginário todo, todos os meios que você tem para se comunicar com os outros e consigo mesmo, cresça na mesma proporção e se torne capaz de expressar os novos círculos de experiência com toda a riqueza e complexidade que eles têm. Ao contrário, a nossa linguagem pode ficar presa dentro de uma rede de simbolismos absolutamente pueris, símbolos de bebês, isto é, você tem experiências mais complexas e,no instante em que as tem, você as compreende, mas não é capaz de refletir sobre elas porque não tem os símbolos adequados, os seus símbolos estão presos à linguagem do bebê. A sua linguagem pode expressar apenas as experiências físicas mais imediatas. Isso quer dizer que o descompasso entre a ampliação progressiva do círculo de experiência e a ampliação da linguagem dos meios de reflexão é um dos grandes problemas da espécie humana.A educação existe, entre outras coisas, para suprir isso. Por quê? Que o círculo de experiência cresça é inevitável: à medida que você cresce fisicamente, e que tem outras possibilidades de ação que não tinha como bebê, é normal que sua experiência vá se ampliando. Porém, os seus meios de refletir sobre a experiência não crescem naturalmente, eles teriam que ser aumentados pela educação.Quando a educação falha em dar isso, as pessoas começam a viver em dois andares: um é o círculo da sua experiência real, daquilo que elas realmente vivem, sentem, experimentam, antecipam, temem, desejam etc.; outro, é o mundo daquilo que elas são capazes de refletir e expressar em palavras.(Pag 5) 

Então, é este descompasso entre a experiência real e a consciência que a educação visa a suprir. Para isso, ela tem que transmitir em primeiro lugar os meios de expressão, sobretudo os meios de expressão linguística, tem que ensinar as pessoas a dizer o que se passa na sua experiência real. Acontece o seguinte: a experiência humana é infinitamente variada, cada indivíduo humano tem a sua própria história, suas próprias circunstâncias, suas próprias memórias, etc. E a linguagem, quer dizer, o vocabulário em uso em um determinado meio social é mais ou menos o mesmo para todas as pessoas.Você tem formas de expressão mais ou menos padronizadas. Somente os escritores,e quando falo escritor, não digo qualquer um que publique livros, eu estou falando de escritores que trabalham dentro de uma tradição literária, que tem consciência dessa tradição e que aprenderam com ela, isto é, escritores de fato,se dedicam a flexibilizar a linguagem e enriquecê-la de modo que ela possa expressar experiências reais.Daí por que o aprendizado da literatura é essencial, não no sentido em que ele é aprendido nas faculdades de Letras, porque nas faculdades de Letras as obras de arte literária se transformam em objetos de estudo, elas é que são o objeto. Ora, uma coisa é você saber usar uma linguagem e outra coisa é você tomá-la como objeto de estudo. Por exemplo, você pode saber tudo sobre mecânica de automóveis sem saber guiar um automóvel. Mecânica de automóvel você aprende em um livro. Um garoto, que mal tenha aprendido a ler, pode ler um livro de mecânica de automóveis e aprender tudo, mas ele não sabe guiar, quer dizer, o pé dele não vai nem alcançar o acelerador, o breque, a embreagem. Por outro lado, você pode dirigir um carro perfeitamente bem sem ter a menor idéia de como e porque aquilo funciona. Basta isso para você perceber a diferença que existe entre apropriar-se da linguagem como meio efetivo de expressão e estudar as obras de arte da palavra como objetos.Esses dois enfoques são tão diferentes que esse segundo pode se tornar um obstáculo ao primeiro, porque quando toma algo como objeto, você se desidentifica dele, perde aquela relação próxima, cálida, afetuosa com o objeto e o considera friamente como uma coisa que está separada de si.(Pag 5 e 6) 

Aqueles que, entre vocês, têm a infelicidade de ser alunos de faculdades de Letras, por favor, façam abstração do que aprenderam lá. Vocês têm que tomar posse das obras de arte literária como uma criança que está aprendendo a falar. Você vai ter que aprender a falar como esses escritores, de modo a poder usar os instrumentos que eles criaram , os giros de linguagem, o vocabulário, a sintaxe, como um instrumento seu. O que você tem de aprender é a imitar esses escritores. Imite um, depois imite outro, e outro, e outro, vai imitando vários. Dessas várias imitações, você irá, aos poucos, compondo o conjunto de instrumentos expressivos que lhe interessa para os seus próprios fins. Depois de ter essa experiência viva das obras de arte literária durante muitos anos, você vai ter uma coleção de exemplos de artes literárias na sua mente, e você já terá absorvido o que essas obras podem lhe dar. Depois disso, você pode, talvez, considerá-las como objetos e entrar em estudos literários. Mas se você fizer isso antes, estará lesando a sua mente. Do mesmo modo, os estudos de gramática. Você deve aprender a gramática imitando escritores e não estudando gramática. O estudo da gramática faz sentido depois que você tem o uso da linguagem ,daí você vai analisar aquelas estruturas e dar o nome delas. Eu não aprendi nada de gramática até os trinta e dois anos, e eu escrevia perfeitamente, de maneira inteiramente gramatical, porque eu tinha lido centenas de bons escritores e tinha assimilado todos aqueles truques de linguagem. Não são bem truques, mas instrumentos expressivos. Eu simplesmente escolhia dentro do que eu tinha na memória, as palavras, as construções, os encadeamentos, tal como eu necessitava. Se você começa por estudar gramática e tem a preocupação da correção gramatical no início, você nunca vai aprender a escrever, vai ficar sempre um camarada artificial. Uma coisa é a linguagem como instrumento real, vivo para seu uso; outra, é a linguagem como objeto de estudo. Tanto a gramática como os estudos literários tomam a linguagem como objeto de estudo e não como objeto de uso. Uma coisa que para você é só objeto de estudo e não objeto de uso é uma coisa morta, que não tem validade, presença pessoal.(Pag 6)

Vocês vão ler os escritores com esta idéia de aprender a expressar o que eles expressaram. De início, você vai ver que eles usam uma linguagem pessoal para expressar algo que estão querendo dizer, algo que está na imaginação deles, na memória deles ou nos sentimentos deles. Mas, aos poucos, quando tiver lido vários escritores, você vai ver que esses esquemas servem para situações análogas suas. A imitação é extremamente importante, pois é nela que você vai aprender a modular o tom conforme as necessidades precisas. Eu recomendo que quando comece a ler um autor, não em Filosofia, mas em Literatura, você leia, de preferência, a obra inteira dele ou pelo menos as obras principais,justamente para assimilar o estilo, e que imite servilmente o modo dele escrever. Depois, você vai imitar outro escritor que vai te libertar das imitações do primeiro, e outro, e outro,de modo que os males da imitação serão corrigidos pela própria imitação. No fim, você vai ter um repertório tão grande que verá já não estar mais imitando ninguém, estará escrevendo como você mesmo. Isso é uma coisa que deve acontecer naturalmente.Não tenha, portanto, essa preocupação de originalidade no começo. A originalidade na expressão literária é uma conquista e não uma obrigação. Você não tem a obrigação de ser original no começo, você será original se puder, quando chegar lá. Eu considero que esse aprendizado literário é absolutamente fundamental para a filosofia. A filosofia se expressa também de palavras e usa todos os recursos da expressão literária e mais alguns que a expressão literária não conhece, porque ela vai passar da simples expressão à reflexão. E não somente à reflexão, mas à busca da verdade através da reflexão. Todo o mundo da LIteratura é o mundo da expressão de experiências. A Literatura não está especulando o que essas experiências significam universalmente, por isso é que você não consegue tirar conclusões morais de uma obra de arte literária. Na conclusão moral, você está passando da mera expressão da experiência para reflexão mais profunda, em face de critérios que se pretendem universalmente válidos. Se o romancista ou novelista fosse parar para fazer isso, ele não ia poder acabar de contar a história, porque a mente dele se complicaria de tal modo com questões teoréticas que ele acabaria escrevendo um tratado de filosofia moral ou de psicologia.(Pag 7) 

A passagem da expressão literária à reflexão não é nem uma passagem direta. Na Teoria dos Quatro Discursos existe um primeiro andar, que é a expressão da experiência, a poética, e existe um segundo andar, que é a retórica. Na retórica, você já não está mais falando apenas de universos possíveis. Aristóteles diz que as obras de arte literária contam não aquilo que aconteceu, mas aquilo que poderia ter acontecido. Mesmo quando você está contando uma história real, por exemplo, um romance histórico, você o está contando não como real, mas como possível. Ora, o discurso retórico é um discurso, em primeiro lugar, de auto-justificação, que é a favor ou contra alguma coisa, portanto ele implica uma escolha pessoal. Essa escolha já não existe na obra de arte poética, porque ela é apenas o mundo possível. Você não está ali sendo convidado a tomar uma atitude, está apenas contemplando a complexidade das escolhas colocadas a personagens reais ou hipotéticos, mas o problema que está em jogo é deles e não seu. Por exemplo, quando Hamlet descobre que um sujeito matou o pai dele, o que ele vai fazer? Ele vai perdoar ou vai vingar-se? Isso felizmente não aconteceu para a maior parte de nós, nós não temos esse problema.(Pag 7) 

Porém, existem algumas escolhas na vida que você tem de fazer realmente. Você vai ter que se persuadir delas e persuadir os outros de que você está certo ,aí é que você entrou na Retórica. Na Retórica é que entra o problema das escolhas pessoais, dos valores pessoais, e só depois disso, só depois de você ter feito muitas escolhas pessoais e ter percebido contradições entre elas, é que vai entrar o exame dialético, que é a confrontação dos vários discursos retóricos possíveis. Isso quer dizer que na passagem do estudo literário para a filosofia vai haver um salto. Esse salto é dado através da Retórica, que é o mundo das escolhas pessoais, da vontade, do poder, da influência, da política, da propaganda. Ora, portanto esse é o mundo que implica a mediação de toda a sociedade humana. Quando decide agir assim ou assado em face de certas circunstâncias, você toma uma atitude pessoal e a justifica, está usando os valores que você imagina que o público em volta acredita, como justificação para uma conduta especial sua.Você está fazendo uma mediação: a sociedade, tal como você a concebe, está funcionando como mediadora entre a sua conduta e o público ou ouvinte para o qual você quer justificar aquilo. Se você não tiver um certo domínio disso, não vai chegar à reflexão.(Pag 8) 

A seqüência dos quatro discursos é a seqüência natural da educação humana. Primeiro você aprende a imaginar o mundo, ou seja, aprende a conquistar uma linguagem que seja suficientemente rica, ampla e flexível para dar conta da sua experiência real e simplesmente expressá-la, dizer o que está acontecendo. Em seguida, você entra na esfera das atitudes e escolhas pessoais, na esfera do exercício da moralidade, no qual surge o problema do certo e do errado, do preferível e do preterível, do melhor e do pior, não justificados em termos abstratos e universais, mas usados como legitimação das suas próprias ações e das suas próprias escolhas. Só depois de ter usado essa linguagem, de ter aprendido a usar a linguagem como um instrumento para influenciar as pessoas , é que você pode refletir.A segunda etapa, da retórica, é da conquista de um poder. A reflexão filosófica não foi feita para crianças, mas para quem é capaz de exercer esse poder e atuar como um cidadão, um membro adulto da sociedade humana capaz de exercer um poder, de dar e receber ordens, de influenciar, de persuadir e, portanto, e induzir os outros a fazer o que ele disser que façam. Só a partir desse momento, é que a reflexão filosófica começa a fazer sentido.(Pag 8)

Olavo de Carvalho: resumo da aula 5 do COF

IDEIA PRINCIPAL: A FORMAÇÃO LITERÁRIA ANTECEDE AO ESTUDO DA FILOSOFIA

E se eu tenho insistido tanto nessa formação literária como preliminar ao estudo da filosofia, é por um milhão de razões diferentes. Não só pelo o que está ali na teoria dos quatro discursos ,aqueles que leram o livro,ARISTÓTELES EM NOVA PERSPECTIVA, irão entender perfeitamente qual é o meu propósito aí, mas também pelo que diz Benedetto Croce, no começo do livro Logica come Scienza del Concetto Puro (Lógica como Ciência do ConceitoPuro): “O pressuposto da atividade lógica são as representações ou intuições. Se o homem não representasse coisa alguma, não pensaria. Se não fosse espírito fantástico, não seria também espírito lógico”.(PAG 1) 

Isso é absolutamente fundamental. Há uma certa organização do mundo imaginário, ampliação, fortalecimento e organização do mundo imaginário que é pressuposto de qualquer atividade filosófica produtiva. Quando falta isso, os efeitos são simplesmente devastadores. Vocês não podem esquecer que qualquer elaboração lógica, qualquer exposição ou discussão lógica, é feita originariamente a partir de certas experiências humanas, experiências que não foram vivenciadas como experiências de pensamento, mas como experiências de realidade, constituídas de sensações, de intuições, de representações etc. É assim que o mundo nos chega. O mundo não nos chega como uma argumentação lógica; somos nós que o transfiguramos numa exposição lógica na medida em que nós passamos da linguagem dos fatos para a linguagem das possibilidades ,mais tarde eu explicarei isso com mais clareza, porque a Lógica é apenas uma articulação das possibilidades, ela não tem nada a ver com os fatos.

(PAG 1) 

Quando nós damos um tratamento lógico ao material da experiência, passando-o da linguagem dos fatos e dos dados para a ordem das possibilidades, o que acontece é que a geração seguinte , as pessoas que recebem a nossa mensagem, que lêem ou que ouvem o que nós estamos dizendo, não têm um acesso direto às nossas memórias, não têm acesso ao fundo de experiência do qual nós tiramos aquilo, e as ideias, se desvinculadas dessa experiência originária, não têm substância nenhuma. É mais ou menos como o dinheiro. O dinheiro é um negócio que está impresso em papel, e que idealmente corresponde a uma certa quantidade definida de bens (os bens são indefinidos), mas a quantidade é definida. Se não houver os bens pelos quais você trocar o dinheiro, o dinheiro não é nada, é apenas papel pintado. É justamente nessa troca que está o problema, na hora em que você pega o seu raciocínio lógico para trocá-lo por fatos, mas não vê nada. E esses fatos não são acessíveis pela própria linguagem lógica; eles só são acessíveis por linguagem de imaginação, que é o modo de comunicação próprio da experiência.(PAGS 1 e 2) 

Então, idealmente, o leitor de um livro de filosofia deveria ser capaz de puxar debaixo daquela exposição lógica as experiências que deram origem àquilo. Não precisa ser experiências que historicamente o autor teve, mas um análogo. É só através desse análogo, dessa investigação imaginativa, que você vai entender o que o sujeito está falando. Se não, seria como se garotos de outra sociedade, que não a brasileira, ficassem trocando figurinhas de jogadores de futebol, sem saber o que é futebol. Os nossos meninos trocam figurinhas de jogadores de futebol porque eles têm ideia de quais são os times, se esse jogador é melhor que o outro etc. Então as figurinhas significam algo mais do que meras figurinhas; elas significam todo um mundo que não é um mundo impresso, um mundo de papel, mas um mundo de ações efetivas, praticadas ali no campo de futebol. Se o sujeito não sabe o que é futebol, mas sabe que aquelas figurinhas têm um certo valor de troca, ele pode prosseguir com o valor de troca, mas sem saber a quê as figurinhas se referem.(PAG 2) 

Praticamente tudo o que eu li de filosofia escrito por professores universitários no Brasil é assim: não há substância de experiência por baixo daquilo; há apenas um intercâmbio de símbolos convencionais, ou seja,é realmente a “troca de idéias”, no sentido mais literal do termo (eu tenho uma ideia aqui, você tem uma outra, a gente troca). Não há referência ao mundo da realidade. Quando o indivíduo é espremido para mostrar a substância de realidade do qual está falando, ele fica absolutamente impotente, porque não fez aquele esforço imaginativo para reconstituir a experiência.(PAG 2) 

A reconstituição da experiência originária é noventa por cento do trabalho de compreensão de um livro de filosofia. Quando você lê um romance, um poema ou uma peça de teatro, você não tem dificuldade de reconstruir a experiência porque essa obra é justamente a reconstituição de uma experiência originária. Paul Claudel definia uma peça de teatro como “um sonho acordado dirigido”, quer dizer, você não precisa fazer esforço nenhum para reviver o sonho, porque ele já está mostrado ali. Desse sonho que você revive ali podem ser tiradas várias conclusões; o significado intelectual, o alcance intelectual daquela experiência não está dado por si mesmo na peça ou no romance ,você vai precisar fazer um esforço para transpor aquilo da linguagem do sonho, da imaginação, para a linguagem dos conceitos. E é exatamente o contrário o que você vai fazer em um livro de filosofia. Você pode assistir a uma peça ou um filme e sentir um impacto muito grande, sem os compreender intelectualmente. Isso é perfeitamente possível.Você leva aquele susto, aquele impacto, aquela emoção, mas não é capaz de traduzir aquilo numa linguagem filosófica ,não é capaz de dizer em linguagem de conceitos o que aconteceu. É nessa transposição, nessa tradução de uma linguagem para outra, que está todo o mecanismo da compreensão: você trocar da linguagem poética para a linguagem filosófica e vice-versa, esse é todo o truque. Nos dois casos você tem de reconhecer a prioridade da experiência, porque a experiência consiste dos dados, do material primário. As interpretações que você pode fazer podem sair erradas, mas os dados são os dados, não há o que discutir neles.(PAG 2) 

Quando você não consegue extrair os conceitos filosóficos que estão embutidos em um filme, uma peça ou romance ,às vezes são vários conceitos, inclusive contraditórios, isso quer dizer que você não teve uma experiência intelectual clara, mas pelo menos teve a experiência primária. São como as coisas que acontecem na vida e você não entende. Por exemplo: você está andando na rua, chega um sujeito e lhe dá três porradas. Você não entende, não sabe o que aconteceu, não tem uma explicação para aquilo, mas sentiu as porradas. Agora, se você vê que o sujeito está bêbado, vem para cima de você e lhe dá três porradas, então essa experiência, de certo modo, é auto explicativa: “o sujeito bateu em mim porque estava bêbado”.Mas e se vem uma pessoa que não está bêbada, um desconhecido, e enche você de porrada? Sem dúvida você sentiu a experiência, mas ela não tem um significado inteligível para você.(PAGS 2 e 3) 

Isso quer dizer que, se não existe, na formação filosófica do indivíduo, uma certa preparação da memória, da imaginação, da fantasia e da expressão verbal correspondente, ele não será capaz de sondar o mundo de experiência que está por baixo das investigações filosóficas, e não saberá o que elas significam realmente,mas só o que elas significam convencionalmente.(PAG 3)

No caso do Descartes, a cada frase que ele coloca, eu me pergunto qual é a experiência correspondente, ou seja, do que ele está falando na realidade? Não precisa ser necessariamente a realidade do que se passou na mente dele, na vida dele, mas uma experiência que eu, ou qualquer pessoa, precisa ter para daí poder tirar aquela idéia. Por exemplo, ele tem a proposta da dúvida radical: a dúvida radical é ficar em dúvida sobre tudo, colocar tudo entre parênteses, até você ter alguma confirmação. Daí eu perguntei se na experiência real alguém pode fazer isso. É claro que não pode. A dúvida geral é logicamente impossível e psicologicamente inalcançável, porque, para você formular uma única dúvida, você tem de se basear em alguma certeza prévia. Se todas as coisas forem duvidosas, você não consegue formular a dúvida. Uma coisa só é duvidosa porque ela contrasta com outra que não o é. Descartes não teve a experiência da dúvida radical; ele diz que teve, mas isso não é possível. Ali você tem uma fórmula filosófica que, em vez de elaborar, encobre uma experiência e lhe dá um nome diverso. Se a experiência que ele teve não foi a da dúvida radical, qual foi então? Se ele usa a expressão “dúvida radical”, mas eu sei que isso não existe na realidade, então ele não está usando essa expressão como um nome de uma coisa que existe,como nome de um fato ou de um estado real, mas como uma metáfora, uma figura de linguagem. A que esta figura de linguagem se refere? Não é como, por exemplo, quando um filósofo fala de percepção sensível: nós sabemos o que é percepção sensível , todos nós temos, então todos nós sabemos a que ele se refere; logo, podemos continuar raciocinando com base na hipótese de que ele está se referindo a uma experiência que nós também temos, uma experiência comum. Mas quando Descartes fala da dúvida radical, nós não temos a dúvida radical e sabemos que ela é impossível, então não pode ser disso que ele está falando. Se o que ele chama de “dúvida radical” (ou dúvida integral, dúvida total, ou dúvida metódica) não existe, e se esse termo é uma figura de linguagem, então quer dizer que ele se refere indiretamente a uma experiência que não é uma dúvida radical, mas que se parece com isso de algum modo. Então, vamos chamar esta experiência de uma “incerteza muito grande”. Todos nós podemos ficar numa incerteza muito grande: quando você está em uma situação difícil, complicada, atemorizante, e você não sabe o que está acontecendo, a sua mente dispara milhões de perguntas — “Será que é isso? Será que é aquilo?” e você não encontra a resposta. Isso é uma inquietação, uma dúvida muito grande, é um estado de angústia associado a uma incerteza. Mas essa incerteza não poderia ser tão intensa se não houvesse ali algum risco envolvido, se não fosse uma incerteza referente a um perigo. Então René Descartes está se referindo, indiretamente , por meio de uma figura de linguagem, a uma experiência temível que importa numa incerteza. Ele, não querendo contar qual é essa experiência, a transpõe num conceito filosófico, que é usado não como conceito filosófico, mas como figura de linguagem. Estão percebendo como é o truque? A transposição da experiência para o conceito não é uma transposição direta, franca e honesta; é uma transposição camuflada.(PAG 4) 

Que mais tarde isso se tornasse, para toda a filosofia moderna, um ponto de referência, ao ponto de Edmund Husserl dizer que toda filosofia decente tem de partir de onde René Descartes partiu e de fato a maioria acabou fazendo isso, inaugura uma sequência de jogos filosóficos, não só inúteis, mas estéreis, onde nunca é possível alcançar a solução dos problemas, porque você estará jogando com cartas marcadas desde o início. Existe um livro excelente do Leszek Kolakowski, um filósofo polonês, sobre a obra de Husserl, onde ele demonstra que tudo o que Husserl tentou fazer é impossível de ser feito. É como Descartes: a proposta já está furada desde o início, não dá para realizar aquilo. Eu mesmo mostrei, em várias aulas,podemos voltar a isso mais tarde, que a filosofia de Kant também é uma proposta inviável, não dá para fazer o que o Kant diz que vai fazer. Então acabam fazendo uma outra coisa, e vão colocando camuflagem em cima de camuflagem, em cima de camuflagem… É por causa desse tipo de investigações que eu acabei chegando à conclusão de que praticamente toda a filosofia moderna é uma espécie de empulhação uma empulhação inteligente, às vezes notável, e que a meio caminho faz muitas descobertas interessantes sobre a realidade, mas nunca referentes aos pontos centrais que o filósofo quer resolver. As filosofias de Platão e Aristóteles se conservam inteiras na sua estrutura geral, embora tenham um monte de erros de detalhe.Já nas filosofias modernas é exatamente o contrário: a estrutura geral não vale nada, mas tem uma série de acertos de detalhe que são notáveis.(PAG 5 e 6) 

Para chegar a isso, nós temos que apelar a um tipo de investigação imaginativa. Temos que ler Descartes como se lêssemos uma obra de ficção, como se vivêssemos um “sonho acordado dirigido”. Temos que fazer com que aquele depoimento que Descartes apresenta soa nos nossos ouvidos como se fosse a fala de um personagem de teatro que não está explicando ou descrevendo o mundo para nós, mas expressando o seu estado interior, e, por trás deste estado interior, nós temos que descobrir qual é a realidade dos fatos que o deixaram nesse estado.É como o sujeito que está se queixando de que a mulher o abandonou, chorando etc.,mas depois você descobre que ela o abandonou porque, quando ela chegou em casa, o encontrou com outra na cama, então ela foi embora. Você parte do estado que ele expressou para a descrição correta da realidade que gerou esse estado.O estado continua sendo válido em si mesmo; ele é verdadeiro em si mesmo, mas enquanto expressão do estado interior do indivíduo, e não enquanto descrição da realidade.É o negócio das famosas “funções da linguagem” do Karl Bühler,ele está na clave expressiva, e não na clave descritiva, na clave nominativa. Então, nós temos que passar o discurso dele de uma clave para a outra. O indivíduo nos diz o que está sentindo, mas nós queremos saber por que ele está sentindo assim, de onde surgiu este sentimento, e daí nós entendemos a situação inteira. Porém, se ele nos esconde os fatos, é porque está querendo nos impor o seu estado interior como se fosse ele mesmo o único fato ,está querendo nos dominar psicologicamente. Muitos filósofos fazem isso.É precisamente o que não acontece com a filosofia antiga.Isso jamais acontece com Platão e Aristóteles ,eles não estão escondendo nada.A realidade da experiência da qual eles partem transparece a todo o momento através dos diálogos de Platão, dos textos de Aristóteles etc. Você sabe do que eles estão falando. Claro que eles podem errar, mas uma coisa é errar, e outra coisa é camuflar.(PAG 6)

Toda a filosofia dessa época de Descartes é muito marcada por camuflagem, por ser ,dentre outros motivos ,a época do surgimento da chamada ciência moderna. A ciência moderna quer transpor todas as discussões para um terreno neutro onde tudo possa ser resolvido mediante observações e medições.Nós podemos perguntar: “Por que eles queriam fazer isso se todos os fundadores da ciência moderna eram também ocultistas, alquimistas, magos, gnósticos etc.?” Em grande parte, o surgimento da ciência moderna é uma camuflagem ,as experiências reais não estão transpostas plenamente na linguagem final.Há uma seleção,uma seleção da seleção e assim por diante, de modo que no final sobra um terreno muito delimitado e eles não admitem que você saia e discuta as coisas fora desse terreno. Não é possível escrever a história da ciência ou da filosofia moderna sem escrever ao mesmo tempo a história da camuflagem, a história da empulhação.(PAG 6) 

Entrar numa discussão filosófica assim concebida, onde existe essa camuflagem, é aceitar um jogo de cartas marcadas, é aceitar ser manipulado. Isso não podemos aceitar de jeito nenhum. Temos de perguntar: “Do que você está falando realmente? Qual é a experiência real da qual você tira isso?”. Não que o sujeito, a todo o momento, precise estar contando a sua biografia.Não é isso. Mas a coisa tem de ser exposta de modo que a experiência subentendida, ou seja narrada, ou seja facilmente imaginável. Quando o indivíduo se refere, por exemplo, a experiências que são comuns a toda humanidade, ele não precisa ficar narrando aquilo, não precisa se referir concretamente aos fatos, porque, ao ler o nome do conceito, você já sabe do que ele está falando. Quando Aristóteles define os animais como seres vivos que têm um movimento próprio, ele está falando de uma experiência comum a todo mundo,nós sabemos que as árvores não se deslocam, mas que os gatos andam sem que você tenha de tirá-los do lugar.Aristóteles não precisava explicar isso, não precisava se referir ao elemento biográfico (“olha,eu tinha um gato…”), porque ele é facilmente reconstituível.(PAG 7) 

Quando acontecem essas coisas, geralmente há uma contradição lógica que chama a atenção do leitor atento ,mas são muito poucos os leitores atentos. A maioria lê “movimento eterno” e passa adiante, passa batido. Só uns dois ou três que leem e pensam: “Peraí, mas a expressão é autocontraditória. Aí tem algum problema”. O que é eterno transcende tempo. O que transcende tempo não pode ser medido temporalmente, e um movimento que não tenha referência temporal não pode ser um movimento. Tem alguma coisa errada aí. Não se trata de contestar Newton. Newton não está errado, não é isso o que eu estou falando.Estou dizendo que ele cria um edifício que pode ser aceito nos termos da ciência moderna que ele está ajudando aconceber, mas que esconde um edifício muito maior, que você acaba engolindo na hora em que aceita aquele. Quando você vê, ao longo do desenvolvimento da ciência moderna, o grande número de cientistas que estiveram envolvidos com negócios ocultistas,gnósticos etc,culminando nos famosos gnósticos de Princeton, de que fala o livro de Raymond Ruyer autor de A Gnose de Princeton, ou no caso de Charles Darwin, que elabora toda uma doutrina científica em cima de uma doutrina esotérica do avô dele, você começa a escavar e descobre que existem universos inteiros de ocultismo por debaixo disso. Então, é uma precaução elementar saber que o universo definido, recortado, pela ciência moderna, não existe. Ele é apenas um universo de discurso elaborado em cima de uma experiência real que ele encobre.(PAG 7 e 8) 

Isso aqui é para dar um exemplo de como a formação imaginativa é importante para entender isso.Toda investigação desse tipo é uma investigação de tipo histórico, porque você está perguntando o que se passou efetivamente, quer dizer, qual é a origem, qual é o fundamento existencial das doutrinas que nós estamos discutindo. Na maior parte dos casos, os dados não estão à mão.Você pode até descobri-los depois, mas, se você não fizer imaginativamente a especulação e a hipótese, não vai descobrir nada no fim das contas. Você tem de transformar num personagem o filósofo que está apresentando uma doutrina esquisita.(PAG 8) 

É por isso que eu digo que essa formação literária é básica. Não no sentido de se dedicar a estudos literários como se faz numa faculdade de letras. Hoje o que a Faculdade de Letras faz é tornar o sujeito incapaz de ler uma história. Nós só lemos essas histórias(Dom Quixote,Crime e Castigo, etc) porque elas se referem a personagens que poderiam existir realmente,nos quais, de algum modo, nós nos reconhecemos. Mas se você acredita que a narrativa não tem nada a ver com a realidade, que não há pessoas, mas somente palavras etc., então o seu foco de atenção se transferiu desde a imaginação concreta do escritor para o estudo dos seus meios de expressão considerados isoladamente, meios de expressão que evidentemente existem, mas, sem o que expressar, não será possível. É isto que faz todo esse negócio de desconstrucionismo, estruturalismo etc.: desviar a atenção do estudante de Letras, da substância humana da Literatura, para o estudo exclusivo dos meios expressivos, a Língua, a Gramática etc. É claro que isso é um sinal de burrice. O simples fato de o sujeito aceitar essa proposta já é uma burrice. Só que, tanto no caso do estudante de Letras, quanto no de Filosofia, acontece uma coisa trágica. Quando ele começa a estudar na Universidade e passa da linguagem do senso comum para aquela linguagem conceitual elaborada, começa a achar que deu um salto qualitativo enorme. Este salto é dado rompendo com a linguagem da experiência comum e passando a falar só naquela outra linguagem empostada dos estudos acadêmicos. Isso seria um progresso, assim como aprender a andar de bicicleta, quando você já sabe andar. É um upgrade, sem dúvida, porque a bicicleta é mais rápida do que você. Mas, se no instante em que você aprende a andar de bicicleta, você desaprende a andar com os seus dois pés, não houve progresso algum: houve a conquista de uma deficiência. Acontece que a maior parte dos estudos acadêmicos, principalmente no Brasil, consiste nisso. Eles separam o indivíduo do mundo da experiência e o inserem num outro universo de discurso, que lhe parece mais elegante, mais sério, e desde o qual ele pode olhar até com desprezo para o mundo da experiência. Só que tudo o que ele fez foi progredir no emburrecimento, tornando-se um verdadeiro imbecil, incapaz de entender qualquer processo da realidade, e só capaz de jogar com aquele discurso naquele nível empostado, com as pessoas do seu convívio acadêmico, que também só falam aquele mesmo discurso. Não é que essas pessoas tenham a impressão de que saibam do que estão falando, porque o “do quê” jamais entra em questão. Só entra a troca do discurso por outro discurso, por outro discurso…. Ninguém ali é jamais testado na realidade, porque o abandono da realidade é a condição para penetrar neste outro universo de discurso.(PAG 9) 

Eu conheci um professor na PUC que dizia: “Eu não desço do meu universo semântico”. Eu pensava: “E eu é que não vou subir aí, eu não sou idiota. Eu subo aí, depois não sei como descer para a realidade de novo”. Esses camaradas são todos assim.Se você ler esses camaradas da USP, são característicos.Há uma espécie de empostação que só vale lá dentro da USP. Se você ler o Gianotti, a Marilena Chauí… é um universo de discurso próprio que só vale para eles.Qualquer tentativa mínima de reportar aquilo à realidade estoura com tudo, então não pode.O apelo à realidade é considerado um golpe baixo. Depois não entendem por que no meu programa True Outspeak eu xingo essas pessoas.É porque não é possível discutir com elas no plano em que elas se colocaram.E se você aceita este jogo por um minuto que seja, você caiu numa armadilha.Então, você tem de falar assim: “Eu não levo a sério nada disso, não respeito essa porcaria.Isso que vocês estão fazendo é uma coisa que não se faz.” E a única maneira de mostrar a eles que você realmente não os leva a sério é você os xingando, é mostrando o seu total desrespeito.Se você respeitá-los um pouquinho, eles se prevalecem disso e já vão querer que você entre no universo deles. Não, eu não vou entrar aí.(PAG 10)

Veja que, pelo menos através da Bíblia, da mitologia grega e do teatro grego, essa base imaginativa comum foi compartilhada por todos os filósofos ao longo dos tempos, até mais ou menos o século XIX.No século XX isso vai desaparecendo.Sem essa base, você jamais irá compreender a filosofia historicamente,mas apenas como disputa abstrata entre idéias que não têm nada a ver com a realidade.É por isso que eu digo: sem ler muita literatura, ler livros de filosofia é besteira. Não perca seu tempo.(Pag 14) 

Há ainda um outro motivo: a linguagem filosófica não é uma linguagem autônoma, mas uma linguagem elaborada a partir de uma linguagem pré-existente. A linguagem literária existe praticamente desde que o mundo é mundo (o primeiro índio que decidiu contar uma história para as pessoas em volta da fogueira já inventou a linguagem literária ali). A linguagem literária é, por assim dizer, natural na humanidade. A expressão poética é a primeira que surge em todas as civilizações. Esse patrimônio, a linguagem coletiva, é algo que já está pronto. Já a linguagem filosófica é uma linguagem técnica que foi elaborada em cima disso, e que faz constantes referências a essa linguagem coletiva,tanto à linguagem do cotidiano, quanto à linguagem literária. Se você não capta as alusões, você não sabe do que o sujeito está falando, mesmo que ele use a linguagem mais técnica possível, como Edmund Husserl, ou os escolásticos. Toda essa linguagem técnica foi elaborada, a partir do patrimônio literário já existente. Em filosofia, nada é elaborado a partir da experiência bruta, mas sim da experiência culturalmente consolidada. Quando Aristóteles diz que a dialética, que é a arte filosófica por excelência, parte da confrontação entre as doutrinas dos sábios, entre as opiniões dos sábios, note bem, não é de qualquer opinião, não é a opinião do seu zé-mané da esquina,ele está supondo que já existe um patrimônio de opiniões culturalmente relevantes. Se você não conhece esse patrimônio de opiniões culturalmente relevantes, você não sabe da onde está partindo a discussão filosófica.(Pag 14) 

Existe ainda um terceiro motivo. A memória e a imaginação funcionam dando forma para as coisas, quer dizer: você capta o material dos sentidos, os agrupa e cria uma forma repetível.Essa forma pode ser repetida como tal, ou pode ser elaborada, misturada com outras etc. Você só reconhece a forma do que está se passando por analogia com as formas já consolidadas na sua memória. Você não entende absolutamente uma situação que seja totalmente nova e que não tenha nada a ver com as formas consolidadas na sua memória. Quando eu digo analogia, eu quero dizer que a situação não repete exatamente o que você já conhece. O que é analogia? Analogia é uma mistura de semelhanças e diferenças.É no jogo de semelhança e diferença que você reconhece no quê a situação nova repete as situações anteriores, e no quê ela tem algo de próprio e diferente. Essa nova situação, por sua vez, vai constituir uma nova forma, que será base para novas comparações, e assim por diante. Isso significa que numa comunidade humana grande, numa sociedade, você pode dar por pressuposto que aquilo que não esteja no imaginário, que não esteja consolidado no teatro, na literatura, nos espetáculos, no cinema,não será reconhecido. As situações do mundo real são interpretadas à luz do que você viu no cinema, no teatro etc. Essas formas imaginárias são os modelos pelos quais você entende as coisas. Se algo que se passou é muito diferente dos modelos consolidados, não terá inteligibilidade e muito menos credibilidade para as pessoas. Por isso, quando o sujeito faz um filme e coloca lá: “qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência”, isso aí é uma empulhação, porque, sempre que você conta uma história, o  que você está dizendo é como as coisas podem se passar. Você está mostrando apenas uma possibilidade. Mas se você mostra sempre as mesmas possibilidades, o que escapa desse mundo de possibilidades não é compreensível e não tem credibilidade. A responsabilidade do ficcionista é enorme. O ficcionista que inventa uma história está moldando a cabeça do seu espectador,muito mais do que o jornalista que dá uma notícia, porque o sujeito toma conhecimento de uma notícia através de um resumo escrito ou de um filminho, um documentário de dois minutos que passa na televisão, mas os modelos que foram acumulados no cinema são horas e horas e horas, e aquilo se repete, você pode ver várias vezes. E um filme repete o outro, que repete o outro, que repete o outro… As pessoas acreditam mais nos filmes de Hollywood do que no noticiário, e é natural que seja assim. É por isso que a famosa liberdade da arte, “não, o sujeito tem liberdade criativa, você não pode sufocar a inspiração”,só serve como desculpa se houver também a responsabilidade correspondente. Quer dizer, você acostumou o público a ver assim ou assado, então, quando acontece uma coisa diferente, eles não entendem.(PAG 14 e 15) 

Então, se nós quisermos nos tornar capazes de entender as situações humanas,infinitamente mais complexas do que essas que eu estou explicando, o único jeito é ampliar e enriquecer a imaginação, e o meio para fazer isso é literatura de ficção. Leiam tudo, tudo,tudo! Quanto mais ler, quanto mais guardar na memória, melhor para vocês. Aproveitem o primeiro ano deste curso para enriquecer o seu patrimônio literário.(PAG 16) 

O que importa é você conhecer a multiplicidade das situações humanas e tê-las na mente,como um dicionário.Porque, depois, você coloca os filósofos realmente como personagens de um drama e se identificará com eles no sentido em que se identifica com os personagens de um drama.É uma identificação puramente imaginária, que não compromete moralmente.Isso é muito importante.Quando você lê um filósofo na verdade, quando você lê qualquer opinião , você tem de se colocar num ponto de vista tal que aquela opinião, aquela idéia, lhe pareça verossímil.Em que posição, em que situação humana, eu precisaria estar, para que eu visse as coisas do jeito que esse camarada está vendo? Você vai reconstituir mentalmente experiências que tornam aquilo verossímil.Num primeiro momento, você não vai julgar se o camarada está certo ou não, mas absorver aquele ponto de vista como sendo uma possibilidade humana, tal como você faz com os personagens de ficção.Tem de haver aquela suspension of disbelief (a suspensão da descrença), de que falava Samuel Coleridge.Você vai ter com os filósofos a mesma suspensão de descrença; absorver a narrativa deles como se fosse uma coisa verídica derivada de uma experiência real.Só depois é que você vai complementar essa experiência.E,muitas vezes, vai encontrar, como eu encontrei em Descartes ,uma porta fechada entre a idéia e a experiência; não conseguirá passar para a experiência, porque há ali, ou um erro efetivo,o camarada viu uma coisa, mas disse outra, ou uma camuflagem.Mas, num primeiro momento, você tem de absorver o filósofo como se ele fosse um personagem.Por exemplo: nos romances modernos aparecem muitas discussões filosóficas. Dostoiévski, Thomas Mann,Jakob Wassermann, Robert Musil, criam personagens que discorrem páginas e páginas mostrando ali a sua concepção da realidade.Você tem de transformar o filósofo num personagem desses, sem medo de se deixar influenciar.Você vai se deixar influenciar do mesmo modo que se deixa influenciar por um personagem de teatro, vai “ser” aquele sujeito, pensar como ele, sentir como ele, durante algum tempo. Depois acaba a peça, você volta para casa e volta a ser você mesmo. Você não pode negar esse grau de co-participação e de simpatia a nenhum autor.É preciso tornar verossímil o que ele está dizendo, e tornar verossímil é tentar ver a experiência tal como ele a está vendo, até o limite em que a idéia dele permita isso.E, justamente, às vezes ela não permitirá; então você constata ali uma ruptura entre idéia e realidade um acobertamento da experiência, uma camuflagem, ou um simples erro. Mas você deve se deixar influenciar por todos os autores que ler, como se estivesse no teatro.No teatro, você acompanha as emoções, as palavras do personagem, sem se preocupar se aquilo é mentiroso ou verídico, se é bom ou se é mau.Você vive um sonho: um sonho acordado dirigido.Claro que você será influenciado por aquilo, mas não totalmente.Por isso, não tenha medo de ser influenciado.Aquela não será a última peça que você vai ver; depois verá outras, terá outras influências, se abrirá a outras e uma mão lava a outra.Você não pode ler as coisas com olhos críticos num primeiro momento, se não você não vai nem entender. Há uma certa atitude de concordância e de abertura sempre.Não há mal nenhum em tentar ver as coisas como aquele sujeito está vendo,sabendo que aquilo não vai ser a última palavra.(PAG 23 e 24)

Olavo de Carvalho: resumo da aula 4 do COF

IDEIA PRINCIPAL: A imortalidade da alma como premissa para o exercício da Filosofia

“Há na vida momentos privilegiados em que parece que o Universo se ilumina, que a nossa vida nos revela sua significação, que queremos o destino mesmo que nos coube como se nós mesmos o tivéssemos escolhido; depois o Universo volta a fechar-se, tornamo-nos novamente solitários e miseráveis, já não caminhamos senão tateando num caminho obscuro onde tudo se torna obstáculo aos nossos passos. A sabedoria consiste em salvaguardar a lembrança desses momentos fugidios, em saber fazê-los reviver e fazer deles a trama da nossa existência cotidiana e, por assim dizer a morada habitual do nosso espírito.”(LOUIS LAVELLE) 

Nós temos aqui um jogo permanente, uma dialética permanente. Nós recolhemos todos os dados da nossa vida na unidade da nossa autoconsciência e acreditamos percebê-los todos como um sistema coerente, fundamentado, ordenado e cheio de sentido ,tão cheio de sentido que nós o aceitamos, diz ele:“como se nós mesmos tivéssemos escolhido” este destino. Nesses momentos não há hiato, não há separação entre o que é a realidade e a idealidade, entre o que é o fato bruto e empírico e o que seria a escolha racional e livre feita por nós mesmos. Depois esses dois elementos se separam novamente: a nossa consciência, a nossa unidade interior vai para um lado, e o mundo dos fatos vai para o outro, formando então uma oposição. (PAG 1) 

(…..) O seu eu mais interior teme a situação exterior, teme as pressões antagônicas, e então “cai de joelhos”, por assim dizer, diante do inimigo. Nós somos levados a isso por uma covardia, mas em seguida nós tentamos justificar,legitimar retroativamente a nossa covardia, dizendo que “abandonamos o mundo dos sonhos”. Tudo aquilo que nos é mais próprio, íntimo e verdadeiro, tudo aquilo que é mais nós mesmos,é então condenado como se fosse uma ilusão, e as situações passageiras e ilusórias são entronizadas como se fossem a verdadeira realidade. (PAG 2) 

Esse é o momento em que você traiu a si mesmo, traiu aquilo que existe de mais elevado e mais sério em você mesmo e, automaticamente, você entra então em uma nova posição existencial, na qual a compreensão da sua existência e da própria realidade exterior se tornam impossíveis. Quanto mais você respeita, quanto mais você cultua essas situações exteriores,sejam elas de ordem opressiva ou de ordem mais atraente e sedutora, mais burro você está ficando, mais você está se afastando do centro de sua consciência.(PAG 2)

Na definição de filosofia que eu dei já há anos atrás, “a busca da unidade do Conhecimento na unidade da consciência e vice-versa”, já está subentendido que o exercício da filosofia depende menos da aquisição de uma cultura filosófica do que da aquisição de uma espécie de força. Uma espécie de poder que o indivíduo tem de perseverar em si mesmo.(PAG 2) 

Eu desejaria aqui que os alunos deste curso entendessem isso desde o início. É claro que a preparação para o exercício filosófico exige uma quantidade de estudos enorme, mas o principal não é da ordem dos estudos. O principal é da ordem da atitude psicológica, espiritual e moral que você vai ter perante tudo isso, e esta atitude só pode ser definida como a da mais alta seriedade. A mais alta seriedade que é acessível ao ser humano é encarar os fatos e situações à luz daquilo que é definitivo e irrevogável. Daquilo que não tem mais conserto e não tem mais volta: A MORTE. Não tanto o fenômeno da morte em si mesmo,encarado apenas como um processo biológico, mas a morte encarada como o final das transformações, o final do jogo, em que não há mais um lance a ser dado, não é possível corrigir mais nada ou voltar atrás no que quer que seja.(PAG 3) 

(…..) O seu destino post-mortem não depende de você em absolutamente nada, mas a forma da sua vida terrestre depende, e depende justamente na medida em que você a encare à luz do fato da morte, e à luz do fato da vida após a morte. Não precisa nem acreditar em vida após a morte;basta saber que você vai morrer, e que nesse instante você adquirirá a sua forma definitiva e não será mais possível voltar atrás, corrigir erros, recuperar elementos perdidos etc. Aquilo que foi, foi; aquilo que não foi, não será jamais.(PAG 3) 

Tudo o que nós estudarmos em filosofia será apenas futilidade, leviandade, frescura, se não for feito com esse espírito. Qualquer coisa que você leia ou medite sobre filosofia tem de ser feita com a imagem da morte na sua frente. Ortega y Gasset falava das “idéias dos náufragos”; ele dizia que só valem aquelas idéias que ainda tem alguma importância para os náufragos. Na hora em que o sujeito está se afogando e se agarra a uma tábua para não ser engolido pelas águas, quantas das idéias e crenças dele sobrevivem nesse momento? Algumas sobrevivem, decerto, mas a maioria não, e só uma fração muito pequena do que teve importância em outros momentos se conservará viva e atuante nesse hora.(PAG 4) 

Se eu pudesse recomendar a vocês uma experiência que é particularmente educativa, nesse sentido, seria a experiência do risco de morte. Eu mesmo passei por isso muitas vezes na minha vida, e sei que isso é uma excelente peneira das suas idéias e interesses. Quase tudo aquilo que parecia importante dois minutos antes cessa de ter importância na mesma hora — mas nem tudo se perde, tem alguma coisa que sobra. Georges Bernanos, por exemplo, dizia que “o risco que nós corremos não é o de morrer, mas o de morrer como imbecis” e em todas as situações de perigo de morte que eu passei a idéia dessa frase me voltava. Eu pensava: “eu não posso morrer como um imbecil, não posso morrer como um covarde, não posso morrer como um bichinho; há coisas que o ser humano tem de fazer, e que dignificam a sua vida no instante da morte.” Depois, se você não morre, a situação passa, mas aquilo que passou de certo modo foi ganho, se incorporou na sua personalidade, de modo que o conjunto das suas experiências de risco de morte constitui um patrimônio para a vida subseqüente.(PAG 4) 

Dos elementos antagônicos que nos corroem, nos afastam da consciência, nos dispersa, notem bem: dispersam não a nossa concentração intelectual, mas a nossa concentração moral, e nos fazem esquecer o propósito da nossa vida , nós podemos fazer uma espécie de “galeria de periculosidade”. Tal como as delegacias têm retratos dos bandidos mais procurados e perigosos, também nós podemos aqui botar uma galeria na nossa parede e dizer: os inimigos são esses, esses e esses. Se você ler os clássicos da educação e literatura moral cristã, Santo Agostinho e os Padres da Igreja, por exemplo, você verá que em geral eles apontam como principal inimigo os seus desejos, especialmente os desejos de riquezas e de prazeres. Porém, muito tempo transcorreu desde a época de Santo Agostinho, muitas coisas mudaram. Há situações hoje, que se impõem ao cidadão de classe média num meio urbano, que são muito diferentes daquelas que se ofereciam a um filho de nobre ou a um estudante, seja na Antigüidade, seja na Idade Média.(PAG 4) 

Em primeiro lugar, a pressão do meio social aumentou terrivelmente. Nós hoje não somos mais capazes de conceber a atmosfera de liberdade que as pessoas desfrutavam na Antigüidade ou na Idade Média. A nossa cultura acredita naquele mito croceano, segundo o qual a História é a história da liberdade crescente, e imagina que, como hoje nós temos liberdades civis e direitos civis que as pessoas não tinham naquele tempo, eles viviam oprimidos. Mas essa liberdade crescente reflete a história jurídica, não a história social.Juridicamente falando, nós conquistamos um monte de direitos, mas o jurídico é apenas aquilo que vale nos tribunais, não é aquilo que decide a nossa conduta no dia-a-dia.O que decide a nossa conduta no dia-a-dia é a organização econômica da sociedade, a estrutura física das cidades onde nós vivemos, e assim por diante.(PAG 4)

Não se pode esquecer, por exemplo, que até certa época a maior parte das pessoas trabalhava em casa ou muito perto de casa, e não sabiam o que era esse problema chamado “trânsito”.Eu me lembro que quando eu era jovem e pensei em me tornar aluno da USP, foi só eu tomar um ônibus para ir à USP que eu já desisti imediatamente: “eu vou passar três horas nessa porcaria todos os dias, e depois mais cinco horas ouvindo os caras falarem besteira?” Mas seja no Império Romano, seja na Idade Média, a situação de um sujeito sair a cavalo, encontrar um congestionamento, e não conseguir chegar no seu emprego era simplesmente inconcebível.(PAG 4) 

O conjunto de pressões externas que caem sobre a nossa vida é hoje imensamente maior do que foi em qualquer época anterior. Isso pode ser datado a partir da organização moderna da sociedade que começa com a sociedade industrial ,hoje estamos na chamada “sociedade de serviços”. Isso começa a se complicar a partir do fim do século XVIII e começo do século XIX, na chamada Revolução Industrial que, na mesma medida em que cria uma quantidade enorme de riquezas e uma disponibilidade de serviços impensável em outras épocas, também vai criando um conjunto cada vez maior de pressões e exigências.Qualquer camponês ou burguês da Idade Média morreria de terror em pensar que teria de viver sob essa pressão o tempo todo.(PAG 5) 

Em primeiro lugar, a pressão dos horários. Nós esquecemos que durante muito tempo só houve um horário rigoroso para os monges; só eles tinham hora certa para fazer as coisas, enquanto o horário de todos os outros era altamente flexível. A que horas, por exemplo, o camponês tinha de levantar para trabalhar no solo? Não havia um horário preciso, isso variava conforme a época do ano e conforme as suas conveniências, e se ele não quisesse levantar para trabalhar um dia, isso não ia fazer a menor diferença. A pressão dos horários não existia senão para os monges, mas nesse caso era uma pressão de ordem disciplinar, moral, que lhes fazia bem e que eles desejavam.(PAG 5) 

Eu me lembro que quando eu era jovem, se eu perdia um emprego eu ficava desesperado para arrumar outro, não só por causa do fator econômico, mas também porque o emprego me dava toda a rede de conexões sociais e meios de contato. O sujeito sem emprego fica privado de contatos sociais. Ele não pode mais falar com seus colegas porque eles estão trabalhando, não pode entrar no emprego deles e ficar batendo papo. É uma coisa terrível, porque na hora em que você perde o emprego, você perde a sua rede de amigos também, e é obrigado a construir outra rede fora, e assim por diante.(PAG 5)

A maior parte das pressões que pesam sobre o indivíduo moderno são pressões que o isolam da sociedade. É muito mais fácil você ser marginalizado e ostracizado hoje do que em qualquer outra época da história. O número de pessoas que se sentem marginalizadas, separadas, solitárias, numa cidade grande como São Paulo ou Rio de Janeiro é imenso. Esse é um fator novo, que nunca existiu em nenhuma outra época da história humana e, como é um fator novo, ele não faz parte da natureza humana. A natureza humana não está automaticamente habilitada a lidar com essas situações. Todos esses elementos são forças de alienação, e por isso mesmo, justamente porque eles se interpõem entre você e os seus sonhos, objetivos, e valores interiores ,eles constituem um desafio que só pode ser enfrentado mediante um esforço individual extra,de você juntar os caquinhos da sua existência e tentar restaurar a unidade da sua consciência.(PAG 6) 

Esta preocupação de que está falando o Louis Lavelle só aparece para um grande número de pessoas na Modernidade, não antes, porque antes os fatores de antagonismo e de demolição da unidade interior não eram tão prementes e ameaçadores quanto são na sociedade moderna.Nós podemos dizer que na Modernidade, justamente na medida em que aparecem esses fatores antagônicos em grande número, se desenvolve, por exemplo, o gênero romance, que é um gênero característico do século XIX. Claro que houve precursores, mas o romance é o gênero do século XIX, onde vai aparecer Henry Fielding,Walter Scott, Balzac, etc., que vão definir o gênero. O romance é essencialmente a história de uma alma contra a sociedade. O herói do romance é sempre alguém que tem algum problema com a sociedade, alguém que não se encaixa na sociedade, ou porque ela é complexa demais e ele não a entende. Ou porque, ao contrário, crê que ela o rebaixa e ele não aceita este rebaixamento, ele quer se sobrepor, quer vencer a sociedade, como é o caso de Raskólnikof no Crime e Castigo; ou Rastignac nas Ilusões Perdidas de Balzac. Vocês vêem que o surgimento de todo um gênero literário, que é o gênero mais importante dos últimos dois séculos é definido pela inexistência de harmonia entre o homem interior e a sociedade. Isto também é uma coisa que é desconhecida nos séculos anteriores.(PAG 6) 

A sociedade moderna, na medida em que promete uma igualdade de direitos, uma abertura para todos, ela também suscita na alma de milhões de pessoas ambições que estão muito acima não só da situação delas, mas também muito acima da capacidade delas.(PAG 6)

O indivíduo que se sobrepõe à sociedade e que impõe a ela a marca da sua vontade: esse não é um emprego que esteja à disposição de todo mundo, mas é uma ambição que é oferecida a todo mundo. Você veja hoje em dia o número de pessoas que acreditam que podem transformar o mundo: cada uma delas é o Raskólnikof.Nenhum delas pode transformar o mundo de maneira alguma, nenhuma delas pode ter um milésimo do poder que imagina ter.(PAG 7) 

A única possibilidade que se oferece ao ser humano é esta que está aqui indicada pelo Louis Lavelle: você não pode vencer a sociedade materialmente, mas você pode impedir que ela o destrua.(PAG 7) 

Até certa época na história, quando a sociedade era bem menos pesada e bem menos organizada e abrangente do que é hoje, digamos, no século IV, no tempo de Santo Agostinho ,podia-se dizer que os elementos alienantes, os elementos dispersantes eram, sobretudo, aqueles que estão relacionados nos sete pecados capitais (cobiça, luxúria, etc).Porém, hoje em dia, eu vejo, por exemplo, que pessoas movidas pela cobiça, pela luxúria, etc, são em número muito menor do que aquelas que são movidas, simplesmente, pelo medo e pelo desejo de aprovação.(PAG 7) 

Essa foi a atmosfera na qual apareceu o Cristianismo. Isso quer dizer que você tinha a pressão do Estado e da sociedade em favor de hábitos e costumes que o Cristianismo condena. Passados dois mil anos, muito coisa da moral cristã se incorporou nas leis e no próprio Estado, de modo que a infração dessas leis morais traz a você um castigo terrível, independentemente da sua religião pessoal.(PAG 8) 

(…..)Júlio César confessava abertamente que ele obteve o seu primeiro cargo público dando para um sujeito. Ele contava isso para todo mundo, se orgulhava: “Ah, eu queria o cargo, fui lá, dei pra ele e ele me deu o cargo.” Vocês leiam o Suetônio, A VIDA OS DOZE CEZARES, para vocês terem uma idea do que eram os costumes sexuais na Antiguidade. A lei cristã veio para acabar com isso. Passados dois mil anos, como muito dessa lei se incorporou no sistema jurídico do Estado, você não precisa mais ser cristão para você estar submetido a esta pressão, você já nasce no meio delas. O medo de você ser marginalizado, ser destruído socialmente por causa da mais mínima infração é hoje infinitamente mais presente do que o desejo de cometer certos pecados da carne.(PAG 8 e 9)

O casamento civil é uma coisa moderna, do século XIX. Não que não existisse totalmente antes, mas foi o século XIX que transformou o casamento civil numa obrigação universal. Antes o sujeito casava na Igreja, um pouco antes disso nem casava na Igreja, porque, para a Igreja, existem sete sacramentos, dos quais seis são oficiados pelo sacerdote e o último que é o sacramento do matrimônio, é oficiado pelos próprios noivos. Considerava-se que se eles estavam vivendo juntos e tiveram filhos, então já estavam casados e a Igreja simplesmente reconhecia isto. Mesmo a idéia de casar na Igreja já é um pouco mais recente, mas casamento civil é mais recente ainda.(Pag 9) 

O ESTADO CONTROLA TUDO

Na medida em que o casamento civil se dissemina por toda a humanidade ocidental, o Estado passa a mediar todas as relações amorosas entre seres humanos. Você veja o tremendo potencial de alienação que se introduz aí. As relações não podem mais ser pessoais. Por exemplo, cada vez que você vai para a cama com a sua mulher, você está levando o juiz, o promotor, o advogado, o oficial de justiça. Está todo mundo lá observando, esperando você dar uma fora, cometer alguma infração, para acabar com a sua vida. Agora, pergunto eu: nessas situações, como poderia ser a família o abrigo da verdadeira intimidade e da verdadeira autenticidade das relações humanas? Não é possível isto. Então, a família se torna, hoje em dia, um dos principais fatores de alienação. Não que ela seja sempre isso, você pode convertê-la no contrário, mas você vai ter que brigar muito.(Pag 9) 

Isso é para vocês medirem a quantidade de pressões alienantes que tem sobre vocês hoje, é uma coisa monstruosa. Agora, se você se voltarem contra tudo isso, o que acontece? Nada. Se vocês não aceitarem nada disso, o que acontece é que você se torna uma pessoa mais individualizada, forte, senhora de si e, no fim das contas, mais respeitada. O castigo é esse, mas as pessoas não sabem, elas pensam que vão ser realmente destruídas.(Pag 10) 

O NÚMERO DE PESSOAS CAPACITADAS PARA ESTUDAR FILOSOFIA É PEQUENO

O número de pessoas que se interessa por assuntos filosóficos ou por literatura, política,etc, que lêem livros, é muito grande, porém, destes, o número de pessoas verdadeiramente capacitadas para estudar filosofia é muito pequeno. O que vai ser o divisor de águas não é a sua capacidade de estudo, mas a capacidade de ordem moral, esta é que é a fundamental. Você tem que graduar os seus estudos. A pessoa pergunta: “Quanto eu devo estudar?” você é que vai graduar. A sua capacidade de estudo e a sua quantidade de conhecimento têm que ser graduadas conforme a força moral que você adquiriu, e não mais. Toda a erudição vai virar um instrumento de alienação para um sujeito que precisa da aprovação do seu meio social, da sua família, dos amigos. Quanto mais estudar, mais burro vai ficar, e isso acontece com uma constância absurda.(Pag 11) 

Eu tenho um aluno que uma vez me escreveu o seguinte: “Olha, eu estou estudando Filosofia em determinado lugar, e o chefe do departamento é uma besta quadrada, é isso mais aquilo, ele vive me impondo besteiras, mas eu não falo nada, porque eu preciso da assinatura dele para conseguir uma bolsa não sei aonde.” Eu respondi pra ele: “Então não fale mais comigo. Porque se a tua carreira universitária é mais importante do que a sua integridade moral, você nunca vai ser um filósofo. Você vai ser mais um farsante, mais um José Arthur Giannotti, uma Marilena Chauí, um Emir Sader, mais um desses aí”. Note bem, não estou falando de pessoas da esquerda, não, porque esse tipo de sacanagem não é monopólio da esquerda.(pag 11)

Olavo de Carvalho : resumo da aula 3 do COF

IDEIA PRINCIPAL: NECROLÓGIO 

Esse tipo de avaliação do seu modelo ideal, ou seja, de quem você quer chegar a ser, vai ter de ser feito periodicamente: de tempos em tempos você terá de ver o itinerário percorrido e ver se você se aproximou ou se afastou do que você quer ser, ou se a sua concepção do modelo mudou.(PAG 1) 

Sem essa idéia de quem você quer chegar a ser, você não tem nenhum princípio de moralidade pelo qual possa julgar os seus atos, porque um dos principais problemas da moralidade humana é, tal como enunciado por São Tomás de Aquino, o seguinte: toda e qualquer regra moral é genérica e universal, e toda situação humana é concreta e particular. A transição entre uma coisa e outra não é fácil, porque implica a categorização e a classificação daquele ato e daquela situação em particular dentro do sistema geral dos valores e normas morais. O caminho que vai desde uma situação concreta e particular até uma regra geral é imenso, complicadíssimo, cheio de percalços, e as possibilidades de erros são enormes.(PAG 1) 

O exercício do necrológio subentende que você vai alcançar um modelo de conduta que será o seu critério para julgar os seus próprios atos. Esse modelo tem de ser personalizado,porque, como dizia São Tomás de Aquilo,as regras morais são todas genéricas e universais, e as situações concretas são todas individuais – e não há salto direto entre uma coisa e a outra. Você não pode partir do conceito genérico de um ente para daí deduzir as situações concretas por ele vividas. Se fosse possível fazer isso, não existiria o mundo dos fatos; existiria somente o mundo das regras lógicas.(PAG 3) 

A relação que existe entre o mundo da lógica e o mundo da experiência será um dos temas recorrentes deste curso, porque a habilidade filosófica (a técnica filosófica) consiste justamente em saber fazer as mediações: saber quais são as categorias, quais são os termos apropriados, quais são as perguntas cabíveis e as perguntas não cabíveis. Toda a técnica filosófica consiste nisso. Não se trata de uma “arte de pensar”, porque pensar você sabe espontaneamente. Também não se trata de “perceber a realidade”, porque isso você também sabe fazer. O problema é a articulação entre essas duas coisas: é como pensar a realidade, e não pensar uma coisa qualquer.(PAG 3)

Esse exercício mostra o seguinte: se você tomar os dez mandamentos e decidir cumpri-los,você estará completamente desorientado do ponto de vista moral, porque só terá as normas universais, sem saber o que fazer em nenhuma situação concreta. Pior ainda, as normas universais podem começar a servir de fetiches: você passa a alegá-las como uma justificação da sua própria conduta, sem saber se essa conduta se encaixa efetivamente naquelas normas, ou não.(PAG 4) 

O abismo entre a experiência pessoal, real, e os esquemas gerais (os conceitos gerais, as sentenças gerais que usamos para raciocinar sobre ela) é a constante hoje em dia. Isso denota, evidentemente, uma situação de barbarismo e irracionalidade, onde todas as discussões (sem exceção) são inúteis, porque jamais se referem ao que quer que seja. É o “cambalache”, a troca de coisas que não valem nada por outras que também não valem nada. É trocar palavras por palavras.(PAG 4) 

O necrológio é um instrumento de auto mensuração, pelo qual você mede a distância que você está de você mesmo, e cruza isso com a sua situação real, vivida no presente. Quer dizer: “Eu queria ser uma pessoa assim e assim. Não consegui. Estou sendo uma outra coisa, dentro de uma situação ‘x’, que me impõe tais ou quais limitações, ao mesmo tempo em que eu, com as minhas limitações intrínsecas, estou modificando a situação de tal maneira.” Então você formará uma equação entre seu “eu ideal” e o seu “eu atual”, e a situação ideal e a atual. Essa equação estará sempre mudando.(PAG 5) 

O exercício que eu vou passar hoje é para permitir que você atualize o estado de consciência necessário para que o necrológio não seja só uma especulação verbal, mas restaure em você o estado de consciência no qual você o fez na primeira vez ,se é que o fez no estado de consciência adequado, com verdadeira sinceridade, com verdadeira clareza, e bem situado dentro da sua realidade.(PAG 5) 

Você vai ter de se colocar em um plano de universalidade, mas não é a universalidade abstrata; é a universalidade pessoal. Este modelo do “eu” que você inventou é o intermediário entre as perfeições abstratas/universais e a sua situação concreta/individual de agora. E você precisa desse modelo por quê? Porque, como dizia São Tomás de Aquino, as regras e as virtudes morais são todas genéricas e abstratas, enquanto as situações e os seres humanos são concretos e particulares. Então tem de ter a mediação. Quem faz essa mediação entre um conceito abstrato e a vivência particular, concreta, sensível do momento? É a imaginação. Isso quer dizer que, se você souber toda a teoria do negócio, toda a parte abstrata, mas não tiver o intermediário imaginativo, você não será capaz de relacionar o universal com a situação concreta que você está vivendo. A única coisa que você poderá fazer é repetir aquele universal como um papagaio, sem saber do que está falando. Aí você aprofundará o hiato, o abismo entre as suas idéias universais magníficas e a miséria de sua situação pessoal concreta. A imaginação é que faz essa transição. Por isso não basta você saber o que é o certo, o bom, o valioso, o louvável; você tem de poder imaginá-los concretamente na sua pessoa, como encarnados na sua pessoa.(PAG 12) 

A imaginação é o que permite que as verdades abstratas que a gente aprende tenham substância na realidade. Sem imaginação, nada feito! Por isso que eu insisto que o primeiro treinamento para o exercício da filosofia é ler muita ficção: romance, teatro, poesia etc. Isso é o aprimoramento da imaginação. Vejam muito filme… Se bem que hoje os filmes são todos iguais; praticamente tudo é refilmagem de alguma coisa que foi feita nos últimos quarenta, cinquenta anos. Mas não importa. Eu acho o cinema uma arte limitada. Ela chegou ao seu esgotamento e daí por diante vai se repetir, apenas com aprimoramentos técnicos. Não se pode dizer o mesmo da arte do teatro, da arte da narrativa… É preciso ler muito poesia… Leibiniz dizia que o sujeito que tivesse visto mais figurinhas, mesmo que fosse tudo falso, seria a pessoa mais inteligente. Por quê? Porque teria a imaginação mais rica. A imaginação é feita de figuras ,não somente figuras visuais; podem ser acústicas,tácteis ,etc…..que lhe dão pontos de comparação.(PAG 13 e 14) 

Ora, é claro que, se esse sujeito realizou todas essas virtudes e qualidades, ele sabia como fazer isso. E você sabe que você não sabe. Por exemplo, ele terá vivido inúmeras situações nas quais ele tomou a decisão mais sábia, a decisão melhor. Não digo a decisão absolutamente boa, porque o absolutamente bom, para nós, não existe; só existe o melhor e o pior (não há um bom e um mau; só há o melhor e o pior). Então, ele é o sujeito que sempre escolheu o melhor e por isso chegou a ser quem é. Mas você não sabe ainda qual vai ser o melhor em todas as situações que vai viver. Você sabe que, entre você e essa criatura, existe uma série de “buracos”, uma série de hiatos a serem preenchidos no curso da sua vida: experiências que você precisa ter, conhecimentos que precisa adquirir, forças, energias que você precisa também adquirir, defeitos e vícios que você vai precisar aprender a corrigir, e assim por diante. Ele não é só a condensação do que você quer ser, mas do que você precisa saber para chegar a ser.Isso quer dizer que, sem essa imagem do ,vamos chamá-lo de “eu ideal” , sem essa imagem, todas as imagens universais a que você tem acesso são letra morta. São Paulo apóstolo dizia: “A fé sem obras é morta”. Do mesmo que você tem a fé, você acredita em verdades universais. Não estou me referindo a necessariamente à fé religiosa nesse sentido explícito, mas, se você acredita em valores, em princípios, e isso não vira ação, é coisa morta.(PAG 14) 

Como é que vai virar ação? Você precisará passar do universal para o particular – e é aí mesmo que você quebra a cabeça. Você sabe o que é o certo, mas não quer dizer que você saiba o que é o certo nesta situação. Essa passagem em si já é complicada, mas ela pode sofrer complicações suplementares por causa das inúmeras ambigüidades da vida humana.Por exemplo, imagine que você tem um casal de amigos que estão lá brigando, e você,mais ou menos, acha que sabe o que eles poderiam fazer para melhorar a situação. Você deve interferir? Deve ficar fora? O que você deve fazer? Você nunca sabe. É através dessa montagem imaginária que você pode chegar a uma aproximação entre o que é certo abstrata e genericamente e o que é certo naquela situação. E mesmo assim não é fácil. Quanto mais elementos de comparação você tiver, mais facilmente você vai se aproximar daquela situação concreta, trazendo a universalidade junto. É por isso que as funções básicas são memória e imaginação, que, segundo Aristóteles, são a mesma função: as duas são a forma da fantasia (ele chamava de fantasia, e não de imaginação, que é o termo moderno).Existem, segundo ele, a fantasia memorativa e a fantasia criativa, ou seja: a fantasia que tenta repetir os mesmos elementos, na ordem em que eles se apresentaram, e a que tenta montá-los em uma outra ordem. Mas é a mesma função: é a fantasia.(PAG 14 e 15) 

“Há na vida momentos privilegiados nos quais parece que o universo se ilumina, que nossa vida nos revela sua significação, que nós queremos o destino mesmo que nos coube, como se nós próprios o tivéssemos escolhido. Depois o universo volta a fechar-se: tornamo-nos novamente solitários e miseráveis, já não caminhamos senão tateando por um caminho obscuro onde tudo se torna obstáculo aos nossos passos. A sabedoria consiste em conservar a lembrança desses momentos fugidios, em saber fazê-los reviver, em fazer deles a trama da nossa existência cotidiana e, por assim dizer, a morada habitual do nosso espírito.” (LOUIS LAVELLE) 

É através dessa imagem do “eu ideal” que você vai puxar de dentro de si as suas várias energias, tendências, componentes, e tentar unificar isso para realizar uma vida dotada de sentido. Toda vez que colocar esse problema, você estará voltando a essa mesma situação descrita por Louis Lavelle, nesse parágrafo memorável, ou seja: aquele momento em que a sua vida faz sentido. Por que ela não faz sentido no instante seguinte? É simples: porque as novas situações empiricamente colocadas para você não têm lugar nos esquemas gerais que você concebeu. Há situações novas que não se encaixam ali. Você não sabe como compreendê-las, não sabe como absorvê-las. Parece que tudo parou de fazer sentido, virou um caos. Esse caos tem uma função maravilhosa, porque é o seguinte: você pode conceber à sua maneira o “eu” que você quer ser, mas você não pode inventar o mundo. Se aquela figura ideal que você inventou se fechar em si mesma e não houver entrada de novos elementos, você passará a viver o seu “eu ideal” numa fantasia subjetiva que só servirá para você e que não vai virar realidade nunca.(PAG 15) 

O negócio não é você imaginar o que você quer ser, mas é tornar-se aquilo realmente. E o “tornar-se realmente” é tornar-se aquilo na realidade. Mas qual realidade? Uma que nós inventamos? Não; uma que nós recebemos de fora e que é sempre diferente e imprevisível. A imagem do “eu ideal” dá o padrão de unidade a que você quer chegar, mas a diversidade da realidade a cada momento vai te dando os materiais que vão preencher aquilo de substância real. Há um jogo aí entre a unidade da imagem e a multiplicidade das situações.(PAG 15) 

Existe uma frase de Ortega y Gasset que mostra exatamente o que eu estou falando: “A reabsorção das circunstâncias é o destino concreto do homem”. Por um lado, você tem o “eu” que você está sendo, e que tem um “eu ideal” à frente como meta ou objetivo; mas existem os elementos externos, a circunstância, aquilo que você não escolheu, aquilo quede algum modo veio pronto. E isso que veio pronto pode ser tão deslocado em relação à sua situação, que você não sabe como encaixar uma coisa na outra. Reabsorver essa circunstância e fazer com que ela comece a fazer sentido dentro da sua história: esse é que é o negócio.(PAG 15) 

Nós somos como personagens de um romance que acidentalmente foram parar em outros.Você imagine, por exemplo, Hamlet, o príncipe da Dinamarca, acordando no palácio junto com a Desdêmona, mulher do Otelo. Evidente, ele não sabe o que fazer ali, não está entendendo a situação. Nós estamos constantemente neste estado, exatamente. Nós nos preparamos para viver num certo enredo que nós concebemos, mas, de repente, estamos colocados dentro de outro enredo, que é a circunstância.Às vezes a circunstância reforça aquilo que nós queremos chegar a ser , mas, quando ela é muito heterogênea, muito diferente, ela dissolve esse ideal completamente, e parece que você nem é mais você mesmo.(PAG 15) 

Se você escolheu uma certa imagem, certas qualidades a serem incorporadas, então é por esses lados que você quer ser olhado. Suponhamos que você tenha decidido ser como o Dr. Müller: um homem bondoso, que liga para o sofrimento humano, que tem aquela vontade de curar, de aliviar, de enxugar as lágrimas. Mas vamos supor que você esteja no meio de pessoas que não ligam nem um pouco para isso, que nem sabem o que é isso. Não é que elas sejam contra as suas qualidades; elas não percebem as suas qualidades. Elas têm outras expectativas em relação a você, e, se você tenta ser aquilo que você quer ser, elas não entendem. Você é como o personagem que entrou na peça errada. Nesse caso, você terá de fazer uma extensão do seu enredo, para que ele abarque aquela situação específica. Vai ter de fazer uma variação do seu enredo, de modo que a unidade final do resultado predomine sobre a variedade e a confusão das situações externas. Quer dizer, os sub-enredos vão ter de ser inseridos ali com muita inteligência, com uma certa esperteza. Se você rejeitar a situação, o que vai fazer? Vai fugir para o mundo da fantasia? Ou vai abdicar de ser você mesmo e tentar se adaptar à situação? Na verdade, não dá para fazer nem um coisa nem outra: nós estamos num estado de tensão permanente entre a unidade daquilo a que nós queremos chegar a ser e a variedade das situações, que nos puxam para outras direções que não têm nada a ver com aquilo.(PAG 16) 

Note que nem sempre elas são antagônicas, quando são antagônicas, às vezes isso até ajuda. Por exemplo, se você quer ser um homem bom, mas pessoas estão te ensinando que você tem de ser mau, isso te ajuda a se definir, porque você diz “não, eu não quero isso”. Mas e se você está no meio de pessoas que sequer percebem se você é bom ou mau? Elas estão interessadas, por exemplo, em saber se você é bonito ou feio, rico ou pobre, inteligente ou burro, popular ou impopular? Essas categorias não se aplicam ao seu sonho, e você está sendo julgado por elas. Então você está ali, não como um pregador entre infiéis (como um jesuíta que foi pregar na terra dos muçulmanos, sabendo que eles não gostam do que você vai falar e são hostis), mas como o Padre Manoel da Nóbrega, que foi parar, não entre os muçulmanos, mas entre os índios do Brasil, que simplesmente não sabiam do que ele estava falando. Eles nunca tinham ouvido uma pregação religiosa, não sabiam o que era. É claro que levou meses para ele poder se adaptar a essa nova situação, depois de ter tido inúmeras desilusões. Por exemplo: ele notou que os índios concordavam imediatamente com tudo que ele tinha falado, mas concordavam sem ter entendido nada. Convertiam-se ao cristianismo, mas, no dia seguinte, se esqueciam. Como você faz para falar da fé em um lugar onde não existem os conceitos da fé e da anti-fé? Os índios nem acreditavam, e nem não acreditavam. É como se você pegasse todo o sentido da vida do Padre Manoel da Nóbrega e jogasse numa situação onde esse sentido não podia se realizar  de maneira alguma, por falta até dos elementos antagônicos. Isso nos acontece com freqüência.(PAG 16)

Nesse caso, a sua história vai ter de ter um desvio, mas para se emendar lá adiante. Você vai ter de absorver elementos que são totalmente heterogêneos. Se você quiser aliviar essa tensão, aí está acabado, porque essa tensão é a sua vida. Você tem um projeto, um plano, e tem em volta os elementos antagônicos. Às vezes, você pode estar numa situação tão primitiva, que os materiais que você precisa para construir a sua vida ainda não existem, precisam também ser individualmente construídos um a um. Isso pode acontecer. Outras vezes, não é tão difícil assim.(PAG 16) 

Reparem nos seus próprios necrológios. Se vocês estão fazendo esse curso de filosofia, é porque isso tem algo a ver com o que vocês querem ser quando crescer. Ou seja, a aquisição de uma certa habilidade filosófica é um elemento básico para você realizar o que você quer ser. Por outro lado, na filosofia também há elementos que são estranhos ao que você quer ser, que não têm nada a ver com aquilo, e que vão parecer te desviar do caminho (mas não vão desviar). Quando isso acontecer ,se isso acontecer , nós podemos empacar em certos problemas técnicos filosóficos por meses.(PAG 16) 

Pior ainda: esses problemas podem nos chegar numa linguagem estranha, que parece muito distante das nossas preocupações, dos nossos objetivos pessoais. Então aí você pode sentir que está totalmente deslocado dentro da filosofia, mas isso é um engano. Tudo, tudo o que a filosofia pode te dar será útil para realizar sua vida – e, o que não for, simplesmente será esquecido no devido tempo.(PAG 17)

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Olavo de Carvalho: resumo da aula 2 do COF

IDEIAS PRINCIPAIS:  

1)NECROLÓGIO  

2) ENCONTRAR A PRÓPRIA A VOZ  

Esse exercício (necrológio) não é nem para mim, nem para o curso: é para você  mesmo. Se você fizer para mim, não vai funcionar. Você tem de fazer para você  mesmo, e portanto tem de ser uma coisa verdadeira e sincera. É a imagem do que  você quer ser quando crescer e, depois de crescer, a imagem do que você quer ter sido  depois de morrer.(PAG 2 )  

Isso (necrológio) vai servir para você como uma espécie de baliza ao longo da vida,  com a qual você vai medir os seus objetivos e a situação real que você está  enfrentando. A nossa vida é sempre uma equação entre o que nós queremos ser e os  instrumentos e os obstáculos que o mundo coloca para nós. Essa equação é que vai  resolver o que você realmente vai ser. Ao longo da vida você verá que as circunstâncias  nas quais você vive, as situações que você atravessa, as pessoas que você conhece, e  as oportunidades que você tem, só raramente coincidem com os meios adequados  para a realização do que você quer ser. O mundo não foi moldado para você: ele é um  mundo só para todos, e ninguém tem controle total sobre o que acontece, de modo que  você vai ter de fazer sempre novos arranjos e acordos entre o que é desejável e o que  é possível. Esses arranjos têm de ser conduzidos de tal modo que, no final, o desejável  prevaleça de algum modo, pelo menos em 51%.(PAG 2)  

Esse exercício (necrológio) se inspira em várias coisas. Uma delas é esse verso do  Mallarmé que eu citei, outra é esta frase de Alfred de Vigny: “ uma grande vida é um  sonho de juventude realizado na idade madura” . Sonhos de juventude todo mundo  tem; mas por não ter colocado esse sonho claramente para si mesmo, você não  consegue transformá-lo em um projeto operacional. E se você não o transforma em um  projeto, você não pode fazer as negociações que são exigidas pelas diferentes  situações, e o seu sonho acaba se apagando, se dissolvendo no meio da multiplicidade  das situações vividas.Aí se trata efetivamente de um confronto entre unidade e  multiplicidade: na medida em que você tem um sonho, um objetivo, e consegue desenhá-lo como se fosse uma imagem unitária, então ele se torna o fator unificante da  sua vida consciente.(PAG 2)  

Isso mostra que se você estiver firmemente disposto a ser quem você quer ser, e  se você não ficar contando sempre com circunstâncias favoráveis, mas aceitar  de bom coração as circunstâncias desfavoráveis e tentar sempre integrá-las e  negociar com elas, você acaba absorvendo todos esses elementos.(PAG 3)  

Existe uma terceira frase, de Ortega y Gasset, que também serviu de inspiração para  este exercício: “a reabsorção da circunstância é o destino concreto do ser  humano” . Prestem atenção: a reabsorção da circunstância. Há a famosa regra dele:  “yo soy yo y mi circunstancias”, ou seja, eu só escolho uma parte do que eu sou, e a  outra parte eu recebo de fora, como da minha hereditariedade, por exemplo.(PAG 3)  

O que eu quero nesse exercício é que você fixe da maneira mais clara possível o fator  unificante da sua vida, ou aquilo que você pretende que seja o fator unificante, para  que você, tendo a máxima consciência disso, possa mais facilmente fazer os arranjos  necessários.(PAG 4)  

Isso, evidentemente, nos coloca já na pista de um elemento fundamental para o  estudo da filosofia: a filosofia não é uma disciplina escolar que você possa  aprender tal como você aprende outras disciplinas, simplesmente assimilando o  legado de conhecimentos e de descobertas que as compõem. A filosofia  realmente não é assim . Para você compreender, por exemplo, a história da biologia,  você não precisa ser um biólogo de maneira alguma, pois as investigações e  conclusões dos biólogos ao longo do tempo compõem um estado de coisas na ciência  atual que pode ser assimilado por mera informação. Você não precisa praticar a  biologia para entender aquelas coisas. Mas no caso da filosofia realmente não é assim.  A aquisição da cultura filosófica é sem dúvida um elemento importante no estudo da  filosofia, mas eu não creio que ela ocupe mais de 10% do território.(PAG 6)  

No caso, perceba que os dados com que você vai lidar são dados que só você  conhece, ou seja, de todos os bilhões de pessoas que vivem no planeta, só uma pode  lhe dar as informações que você precisa para fazer esse exercício, e essa uma é você  mesmo.(……)Não há testemunha externa para quem você possa apelar, não há manual  que você possa consultar, ou enciclopédia na qual você possa encontrar isso aí pronto.  Esse exercício também tem a vantagem de acostumá-lo a lidar com esse tipo de  informações de natureza estritamente pessoal.(PAG 7) 

Se não nos adestrarmos para nos tornar testemunhas fidedignas do que nós  assistimos, vivenciamos e fazemos, todo o universo da filosofia estará fechado para  nós, como um cofre forte do qual se perdeu a chave e o segredo, e que, se você  estourar com dinamite, as riquezas que estão lá dentro serão destruídas também.  Então é absolutamente fantástico que tantas pessoas acreditem poder estudar filosofia  sem terem antes se adestrado nesse ponto.(PAG 8)  

Como preliminar ao ingresso nas questões filosóficas nós temos então esse duplo  adestramento, que é exatamente do que eu estou tratando nessas primeiras aulas: o  adestramento da linguagem e o adestramento do testemunho. Isto ainda não é uma  temática propriamente filosófica ,se bem que possa ser, sob certo aspecto , mas é um  preliminar. Sem esse preliminar nada se pode fazer. (PAG 9)  

Acontece que a própria experiência sensorial é estritamente individual, ninguém vê com  os seus olhos, ninguém ouve com os seus ouvidos e ninguém toca os objetos com as  suas mãos; cada um o faz com as próprias, mas na transposição disto para a memória  já existe a intervenção do elemento externo de ordem coletiva. Nós retemos mais  facilmente imagens de objetos dos quais já vimos alguma representação (alguma figura  desenhada, alguma fotografia etc.), porque nós fazemos analogias. Mas se você está  vendo um objeto que você jamais viu representado, jamais viu desenhado, jamais viu  fotografado, você vai ter que fazer o serviço inteiro, e aí já não é tão fácil. Isso quer  dizer que na simples passagem da nossa percepção para a nossa memória, já existe a  intervenção de um elemento cultural. Isso quer dizer que, daquilo que você viu e  percebeu pessoalmente, você vai reter com mais facilidade aqueles mesmos  elementos que já foram enfatizados nas imagens fornecidas pela cultura. E aí já existe  uma interpretação. Aí você já tem uma distinção a fazer entre o que foi a experiência  direta, e o que foi a transformação daquilo em imagem de memória com a ajuda dos  elementos culturais fornecidos. Ora, você teve a experiência direta, e você tem os  análogos culturais com os quais você tenta expressar, não verbalmente, mas expressar  para si mesmo através da sua memória,o essencial daquela imagem que deseja reter.  Mas como aí já houve uma interpretação vinda de fora, essa interpretação pode não  ser exatamente a que confere com a sua experiência pessoal. Aí já há um elemento de  tensão entre a experiência direta e as formas culturais que você usa como elemento  auxiliar para reter essa experiência na memória.(PAG 10e 11)  

Para a prática da filosofia isto é algo absolutamente essencial: aprender a  distinguir entre o que foi que você viu e o que foi que a cultura o ajudou a reter. E  aí você vai ver que às vezes existem abismos. Só que para isso, você vai precisar  aprimorar a sua linguagem de maneira que você consiga expressar a experiência  tal como ela realmente apareceu. Quando você vai se expressar em palavras, as  palavras também vem de fora ,elas também são elementos culturais  consolidados que você recebe,e você vai ter que aprender a manejá-las de tal  modo que elas digam o que você quer, e não o que a cultura em torno  habitualmente permite que você diga.(PAG 11)  

A aquisição de uma linguagem pessoal é o elemento fundamental para você conseguir  ser fiel à sua experiência direta, em vez de simplesmente repetir o que a sociedade  ensinou a dizer a respeito daquelas coisas. Esta dificuldade entra em cena antes  mesmo da expressão verbal. Quando você vê, por exemplo, o que se passa em uma  sessão de hipnose, onde as palavras do hipnotizador fazem o paciente recordar não  aquilo que ele viu, mas aquilo que o hipnotizador sugeriu, você percebe como é fácil  separar uma pessoa da sua experiência real e colocar dentro da memória dela uma  experiência substitutiva. Mas não é preciso uma hipnose para que você passe por isso;  nós passamos por isso freqüentemente. Na maior parte dos casos, isso não é um  problema, porque a cultura em torno não está a fim de te sacanear, e os elementos que  ela te fornece realmente te ajudam a expressar para você mesmo o que você viu. Mas  quando há um antagonismo, o antagonismo é decidido em favor da cultura e não em  favor da individualidade. E se acontece isso, a sua atividade filosófica acabou naquele  mesmo momento, porque você não pode refletir com clareza partindo de elementos de  experiência que já são falsificados e alterados.(PAG 11)  

Isso quer dizer que existe na origem da atividade filosófica uma atividade por assim  dizer confessional, que é a atividade da testemunha que relata para si mesma de  maneira fiel aquilo que viu, sentiu, e pensou; em suma, o mundo inteiro da experiência  direta que ela teve. Essa experiência direta pode ser difícil de expressar, às vezes  impossível, porém ela é o material genuíno que você tem, porque o resto é tudo criação  cultural, e as criações culturais, embora possam ter nascido de experiências genuínas  também, podem ter nascido de outra coisa. Então esta noção da experiência genuína é  fundamental, porque é daí que vão sair os poucos elementos de certeza que nós  podemos ter, que são elementos de certeza precisamente porque você os viu  pessoalmente. Você não precisa acreditar que você viu tudo, que a sua experiência é  completa, mas você tem a certeza de que aqueles aspectos que você viu não foi você  que inventou. Se você vê um crime, por exemplo, vê um sujeito matar outro, não foi  você que o matou, não foi uma historinha que você criou, e neste caso você percebe  claramente a diferença entre o observar (receber uma Informação) e o criar uma  informação.(PAG 12) 

É justamente quando a pessoa viveu esse tipo de experiência durante muito tempo que  ela acaba acreditando que não existe a realidade e que não existe verdade. Para ela  não existe, porque ela não teve jamais a experiência do conhecimento genuíno,  descoberto por ela mesma. Ela jamais é testemunha, tudo o que ela sabe é por ouvir  falar. Com o tempo, todas as suas experiências diretas vão sendo substituídas por seus  análogos culturais, e daqui há pouco ela só é capaz de pensar sobre si mesma nos  termos que ouviu na escola ,na televisão ou leu nos jornais. E esses termos não foram  feitos para esclarecê-la, mas foram inventados com algum propósito específico,  utilitário, de vender determinados produtos, eleger determinados candidatos, favorecer  determinada força política, criar determinados ídolos e assim por diante.(PAG 14)  

(….)Essas pessoas que conseguem aprender sozinhas são muito raras, e Deus as  inventa para tampar o rombo das tradições de ensino que foram rompidas. Essas  pessoas só servem para isso, elas tampão o rombo. Se não existissem essas pessoas  o conhecimento seria, na verdade, impossível. Para você aprender filosofia só há duas  chances: com alguém que representa ou personifica uma tradição vivente, ou com uma  dessas pessoas que consegue aprender sozinha. Agora, se você perguntar quais são  os livros que você precisa, eu respondo a você: meu filho, você é capaz de aprender  filosofia com livros? Sem um filósofo vivo que te mostre como é que faz? Se você é  capaz disto, então você é uma destas pessoas capaz de restaurar uma tradição. E se  você é uma pessoa capaz de restaurar uma tradição, você não precisa nem de livros,  você vai aprender mesmo que você viva numa ilha deserta, sem nunca ter aprendido a  ler. E nesse caso você tem que se virar, e não ficar perguntando as coisas para mim.  Se você precisa de alguém que te ensine, você não vai aprender com os livros.Só  existe ensino da filosofia onde há um filósofo vivo exercendo-a e mostrando para você  como é que faz. Se você é capaz de aprender em livros, então você não precisa de  professor.(PAG 15)  

Se você perde a música do idioma, você perde um dos principais elementos  expressivos. E quando acontece isso, ou seja, quando você está falando uma  coisa mas não percebe que aquilo soa mal ,é claro que você está encobrindo as  suas experiências reais .Você está encobrindo a experiência real da qual você  está falando porque você está encobrindo a experiência real de estar falando. Se  na produção da sua fala você não está presente com total consciência, incluindo  a sensibilidade auditiva, o conteúdo do que você fala também fica  deslocado.(PAG 20)  

ENCONTRAR A PRÓPRIA VOZ 

Esse tipo de coisa que eu estou lhes passando aqui é a formação de um equipamento.  Por um lado é um equipamento de experiências humanas, e por outro lado um  equipamento lingüístico e simbólico, não só para você se expressar para os outros,  mas para você se expressar para si mesmo.E se você se exercitar, chega um dia em  que o intervalo que existe entre a sua experiência real e o seu modo de falar, ou até  mesmo o seu modo de pensar, a linguagem muda com o que você fala,desaparece. E  aí você tem a certeza de que você é você mesmo: você encontrou a sua própria  voz.(PAG 20)  

Em certos casos, esta expressão “encontrar a sua própria voz” é metafórica, e  significa encontrar o seu jeito de se expressar. Em outros casos, porém, ela não é  metafórica, e sim literal. Há pessoas cuja voz, no sentido físico da coisa, está tão  deslocada da sua experiência real que elas não podem dizer o que pensam e o que  sentem: elas só podem dizer outras coisas.(PAG 21)  

O que eu estou fazendo aqui também é uma atividade profissional ,e espero que  muitos consigam mais tarde exercer uma atividade profissional mais ou menos  parecida com esta, à sua maneira, mas partindo disto aqui. Isso quer dizer que você  terá de fazer a sua atividade profissional coincidir com a sua expressão pessoal. Isso  corresponde àquilo que dizia Ortega y Gasset: “ gênio é aquele que inventa a sua  própria profissão”. Um certo aspecto de gênio vocês vão ter de cultivar em  vocês.(PAG 22)  

Se deste curso saírem trezentos gênios, eu certamente me sentirei recompensado. Eu  garanto a vocês que vocês vão sair muito mais inteligentes do que entraram,muito  mais.Vocês não vão nem se reconhecer.Vocês vão olhar para trás e vão dizer: “Eu era  uma besta quadrada”. Não, você não era uma besta quadrada; você era um brasileiro  comum e você subiu, fez um upgrade, mas você sentirá que era uma besta quadrada.  O que quer dizer “besta quadrada”? Besta quadrada é um sujeito que só pensa fora da  realidade, fora da sua experiência genuína. Tem umas bestas quadradas disfarçadas:  sujeitos que conseguem a raciocinar em cima de coisas que eles não viram, não  sentiram e não sabem, usando uma certa linguagem, um certo esquema aprendido  com outros, de modo a serem profissionalmente aceitos como altas impressões de  cultura. Esses são os piores de todos, porque a besta quadrada simples ainda tem  cura, mas esses não têm.Depois que você escreveu um monte de besteiras e fez  sucesso com elas, você não vai mais desistir.(PAG 22)  

Ajustar a sua própria voz, primeiro no seu diálogo interior e depois na expressão  exterior, garante que você poderá lidar com os materiais genuínos da sua experiência. E você poderá então adquirir essa coisa que é uma delícia: saber que você sabe  alguma coisa, ainda que você não possa provar essa coisa para ninguém.  Normalmente nós desistimos das coisas que não podemos provar para ninguém e só  ligamos para as verdades públicas, que são aceitas como tais por todo mundo, mas  isso é o contrário da filosofia. Na filosofia, as melhores coisas que você vai saber são  aquelas que você não vai conseguir contar para ninguém. Você vai ter certeza delas, e  não será uma certeza de crença, subjetiva, mas uma certeza de testemunha.(PAG 23)  

Nós estamos em uma época tão idiota que as pessoas acreditam que tudo aquilo que  só um sujeito pode saber é subjetivo, e só é objetivo aquilo que todo mundo pode  confirmar ao mesmo tempo. Ora, qualquer coisa que todo mundo possa confirmar ao  mesmo tempo jamais é uma verdade: é apenas um recorte esquemático que simboliza  remotamente uma verdade.A verdade, para ser verdade, tem de ser verdade na  realidade.Por exemplo: eu vi um sujeito matando outro. Onde está a verdade disso?  Está no próprio fato. Você está assistindo a um crime verdadeiro, praticado por um  assassino verdadeiro,sobre uma vítima verdadeira. A verdade está ali. Quando você  narra isso,você está se reportando a uma verdade primária que você conhece. Aquelas  coisas que podem ser verificadas por todo mundo só são verificadas logicamente, não  por experiência genuína.(PAG 23)  

Outro aspecto deste curso é o seguinte: a realização da pessoa humana não é  um elemento que exista como um valor na sociedade brasileira. Ninguém liga  para isso. Isso não é importante para as pessoas. Importante para as pessoas é  arrumar um bom emprego, só.Não interessa o quanto o emprego seja inadequado  para ela; o que interessa é quanto ela vai ganhar no fim do mês, mesmo que ela  faça algo totalmente fora da sua vocação. O aspecto meramente “dinheirístico”  da coisa predomina demais sobre os outros, e é claro que isso é uma ilusão:  dinheirista, no Brasil, todo mundo é, mas quantos são ricos? Se o amor ao  dinheiro metesse dinheiro no seu bolso, estava todo mundo rico.Se desejo por  dinheiro, obsessão por dinheiro, metesse dinheiro no bolso, estava todo mundo  milionário. O Brasil é uma prova de que estas coisas não funcionam.(PAG 26)  

Mas se isto se aplica até ao seu modo de falar, quanto mais no modo de você conduzir  a sua vida.É preciso que você vá adquirindo clareza quanto ao rumo que você quer dar  à sua vida.Não estou pedindo para você ter toda a clareza agora; este é só o primeiro  passo.Mas depois de você ter esta visão geral, você pode subdividi-la: “O que eu quero  fazer no próximo ano, no próximo mês, no próximo dia, no próximo minuto?” Quando  você chega no minuto, você já não faz mais nada que você não quer. Você pega um  “estilo”, e já pode dizer que é alguém. Pode ser que você não faça nada na vida, mas você já é alguém,achou a sua voz, achou o seu jeito.E, portanto, você é uma  testemunha fidedigna.(PAG 28)  

Uma vez vi uma conferência do Julián Marías de que nunca me esqueçi. Foi uma  conferência memorável, do melhor orador filosófico que eu vi na minha vida. Ele  também falava de improviso, e o fazia muito melhor do que eu, porque eu falo à  brasileira, páro as frases no meio, corto, recomeço, enquanto ele falava tudo  bonitinho, dava para transcrever igual. Na conferência ele fez uma pergunta  assim: “E se nós tivéssemos que colocar a pergunta ‘quem sou eu?’ em face da  morte?” Ele disse: “Eu sou aquelas coisas que eu escolhi, e que valem a  despeito da morte, em face da morte. Com morte ou sem morte, eu quero isso.” E  então isso é importante, porque são as coisas que vão para além da morte: é  nessas coisas que você tem de basear sua vida.(PAG 43)  

Se você não quer raciocinar em termos religiosos, pense também a mesma coisa:  algo que a morte não invalide. Apagar, ela vai apagar: todos nós seremos  esquecidos e só Deus vai lembrar de nós. Mas busque basear a sua vida em algo  que a morte, em si, não invalide.(…..)(PAG 43)

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