Ideia principal: os três tipos de Educação
O tema de hoje é o seguinte: em circunstâncias normais, numa sociedade na qual você tem ideia de como ela funciona, quais são as instituições que existem, quais são os valores e critérios, quais são os hábitos consolidados; você normalmente estuda para obter um lugar dentro de um quadro que você mais ou menos já conhece. Existindo as várias profissões intelectuais, existindo as funções públicas, profissionais ou não, associadas à vida intelectual, você quer um lugar dentro delas. Essa condição não se cumpre no Brasil de hoje. A sociedade está numa mudança tão acelerada e existe uma decomposição tão rápida dos padrões da vida intelectual que, simplesmente, não há postos a serem preenchidos. Nós vamos ter que criar novas funções, criar novas identidades públicas, criar novos papéis dentro do cenário da vida intelectual e, de fato, nós vamos ter de criar a própria vida intelectual brasileira que não existe mais. Esta é uma situação muito peculiar que vai exigir de nós uma modalidade de ensino completamente diferente do que seria em outras circunstâncias. Por isso, tudo o que se faz aqui nos EUA, em matéria do que eles chamam liberal education, para a circunstância brasileira já não serve. Claro que nós vamos ter de aproveitar o que eles fizeram, mas de fato isso não resolve o nosso problema, nós precisamos de algo a mais. Em geral, a educação abrange os seguintes aspectos: em primeiro lugar, a educação da personalidade, das emoções, das reações básicas, dos valores etc. Isso é feito, em geral, quase tudo na educação doméstica. Quer dizer, é na sua casa, no meio de sua família, que você vai receber aqueles valores primários que, de alguma maneira, vão lhe orientar para o resto de sua vida, quer você permaneça fiel a eles, quer você os mude depois. Mas, de qualquer modo, eles são o quadro inicial de referência, é onde se forma realmente a sua personalidade. Não há comparação entre a função da escola e a função da família no tocante à formação da personalidade. A escola pode depois interferir em alguns hábitos, alguns valores, mas são hábitos e valores que dizem respeito mais à vida pública do sujeito. A personalidade de base, nós podemos dizer, já está formada quando você vai para a escola. Hoje em dia a tendência é mandar o sujeito para escola cada vez mais cedo, para que a própria escola molde a personalidade de base. Já não somente os códigos sociais e os valores que vão orientar a convivência na sociedade maior mas desde as próprias reações íntimas do sujeito. Hoje a tendência é fazer com que a própria escola as molde.(PAG 1)
O que eu estava dizendo é o seguinte: hoje em dia, a tendência é mandar as crianças para a escola cada vez mais cedo, de maneira que a escola, sobretudo a escola pública, possa exercer sobre as crianças a mesma função da família: formar a sua personalidade de base. A personalidade de base é o mundo emocional que você vai carregar o resto da sua vida. Já não somente aqueles valores, hábitos e códigos que servem para a convivência social no plano da sociedade maior, mas até aquelas reações elementares de natureza quase inconscientes,que estão profundamente arraigadas em você. Hoje, a tendência é fazer com que até isso seja moldado pela escola. Mas esse processo não se consumou ainda, por enquanto ainda é a família a responsável pela formação da personalidade de base.(PAG 2) Depois dessa educação, que chamaremos de educação moral(o que é só uma convenção, não é um nome técnico), em seguida, começa a formação do cidadão para a convivência social, que naturalmente é feita na escola. Na escola é que você, pela primeira vez, vai receber regras formais que são válidas para toda uma comunidade. Essas regras são muito diferentes daquelas que você recebe em casa. Em casa você tem a autoridade do pai e da mãe que lhe dá certas ordens, coloca certas obrigações e coloca certas proibições, mas que só valem naquele contexto imediato, e que seria bem diferente do que você observaria numa outra casa. Neste plano você vê a infinidade de diferentes códigos familiares que podem existir. Eu me lembro, por exemplo, que, quando era criança, eu praticamente jamais apanhava, e ficava horrorizado de ver como as mães dos meus amiguinhos batiam neles com uma frequência extraordinária. A minha mãe era muito boazinha, além de ser uma mulher muito bonita. E eu às vezes olhava as mães dos meus colegas, elas eram feias, brutais e cruéis, viviam batendo neles, fazendo ameaças terroríficas. Eu me considerava um sujeito muito afortunado, eu falava: “Estou no paraíso aqui.” Havia esse contraste.(PAG 2)
Agora, quando você ia para a escola, não. Você começava a receber códigos que eram válidos para toda uma comunidade de mil, duas mil, três mil, dez mil pessoas. Ali começava a tal da formação para a cidadania. Ser um cidadão é você estar submetido às mesmas regras que valem para toda a sociedade. Então, em um colégio grande com três ou quatro mil alunos, você tinha uma sociedade em miniatura, na qual o tratamento já não era direto e pessoal. Por exemplo, ninguém ia gritar com você como as mães, que às vezes tinham crises histéricas com as crianças. Algumas mães choravam, faziam chantagem emocional e se desesperavam quando os filhos não as obedeciam, o que era até pior do que bater neles. Você não via nada disso na escola, o tratamento era muito mais impessoal. Se você cometesse uma infração qualquer, ninguém descarregaria sobre você as suas emoções pessoais, simplesmente o castigariam, suspenderiam, expulsariam ou você seria exposto alguma humilhação pública, mas era uma coisa impessoal e mais ou menos mecânica. Muito pior, é claro, do que a coisa doméstica, porque a sua mãe, por mais brava e histérica que ela seja, você também pode fazer a chantagem emocional em cima dela, mas ali no colégio chantagem emocional não ia funcionar, eles estavam pouco se lixando para você. As suas emoções pessoais já não contavam, contavam apenas os seus direitos e deveres iguais aos direitos e deveres de todas as outras crianças. Esse era um segundo tipo de educação.(PAG 2 e 3)
Essa educação não somente ia passar os direitos e deveres, mas ia passar certo número de códigos que permitiam que você agisse, que se virasse dentro da sociedade e aprendesse a obter dali aquilo que desejava e que era possível nas circunstâncias. Então, essa educação é o conjunto de habilidades práticas requeridas para a vida em sociedade. Inclusive já com até alguns rudimentos de vida comercial. Por exemplo, eu me lembro que a gente podia abrir uma conta no bar da escola para comer um sanduíche, mas você tinha de pagar. Você começava a entender que existe isso: você contrai uma dívida, você tem um prazo para pagar. Você começava a entender tudo isto. Aos poucos essa educação social, vamos chamar social, se transfigurava numa educação propriamente intelectual: o adestramento para as ciências, para a linguagem etc. De início, essa educação também tinha um caráter puramente disciplinar, eles lhe ensinavam regras que você tinha de cumprir. Então, eu digo que ainda não era uma educação, mas apenas um adestramento. A educação do intelecto propriamente dito começa na hora em que se requer de você uma compreensão e uma elaboração mais pessoal das coisas. Isso, de fato, não só não era exigido como era até proibido.
A partir dos anos 60, em que as universidades são ocupadas por esse pessoal militante, gramsciano etc., aí é que se torna assim. Pior ainda, porque o objetivo ali não é despertar efetivamente a capacidade intelectual do sujeito, mas moldá-la para que ele se comporte desta ou daquela maneira. Para que ele se integre no grupo, diga as mesmas coisas que o grupo está dizendo, sinta as mesmas coisas e seja facilmente mobilizável para esta ou aquela reivindicação ou organização política etc. Podemos dizer que, no Brasil, praticamente toda a educação se transformou em educação social e adestramento.(PAG 3) Quando você vê as coisas que aconteceram na semana passada na USP, aqueles movimentos reivindicatórios, aquela coisa toda. Em nenhum momento aparece na cabeça daquelas pessoas a idéia de que aquilo é uma universidade pública e, portanto, eles não pagam nada pelo que estão recebendo, é tudo de graça. E tudo o que é de graça foi extraído dos impostos pagos não por moleques, mas por pessoas de 40, de 50 anos que estão trabalhando — que vão desde a classe média até o operariado mesmo — está todo mundo ali pagando imposto. Você não compra nada, não compra um maço de cigarro sem pagar imposto, não compra um saco de feijão sem pagar imposto. Todo mundo está pagando imposto, menos aqueles camaradas, eles só estão recebendo, quer dizer, eles não estão fazendo nada pela sociedade, eles estão recebendo tudo e de graça. E na hora em que um sujeito desses sente que tem direito a reivindicar, ele já se transformou num bandido automaticamente. Ele não tem direito de reivindicar nada, nada, nada. Quem está recebendo de graça tem de calar a boca e fazer o que lhe mandam. Quem tem o direito de reivindicar é quem está trabalhando, é quem está produzindo.(PAG 4)
Curiosamente, embora esse tipo de atitude induza o indivíduo ao servilismo grupal mais extremo, ao ponto dele sentir que quem não pertence ao seu grupo não presta, é um fascista etc. Acabo de ver o documentário da USP, o pessoal chamando os outros de fascistas só porque os outros não queriam entrar na greve também, não queriam entrar no movimento também, até batendo nos caras. Essas pessoas foram adestradas para não saber onde estão, não saber qual é a sua verdadeira posição social, mas saber o que eles têm de fazer para serem aceitos no grupo. Embora essa educação concebida assim seja extremamente autoritária , o máximo do autoritarismo possível, onde tentar compreender a realidade é proibido e a única coisa permitida é comportar-se do jeito que se espera que você se comporte, as pessoas acreditam que, ao contrário, elas estão lutando pela liberdade. Quando chega nesse ponto está tudo perdido, as pessoas intelectualmente se transformaram em lixo e dali nunca vai sair nada.Para um sujeito desses um dia começar a raciocinar criticamente — eles falam tanto em pensamento crítico, análise crítica etc., mas onde eles exercem essa crítica? Eles exercem essa crítica sobre coisas que nunca viram, e jamais raciocinam criticamente sobre a sua própria situação.(PAG 5)
Quando você não tem ideia de si próprio como agente produtor da situação, então você está totalmente alienado, porque, às vezes, nós não entendemos como é que a sociedade funciona e o que está acontecendo, mas, pelo menos, nós temos de saber o que nós estamos fazendo, quais são as conseqüências das nossas ações e qual é o peso delas dentro do contexto.(…….)(PAG 5)
Eu vejo quando eu escrevo alguma coisa contra um sujeito, por exemplo, quando houve aquele problema com o Quartim de Moraes, quando ele disse que havia sido condenado por um crime de homicídio e eu disse que ele era um homicida, condenado, ele ficou bravo. Eu me limitei a reproduzir o que ele disse, e então ele disse que eu sou um caluniador fascista, um perseguidor fascista. Houve uma manifestação de quase dois mil professores da USP, todos indignados; organizações inteiras reunidas para defender o Quartim de Moraes e eu, sozinho, do outro lado. E eles achando que eu sou o opressor fascista, que eu estou oprimindo toda essa gente. Isso aí é uma fantasia psicótica tão óbvia! Como poderia eu oprimi-los? Eu tenho uma organização do meu lado, tenho as tropas policiais, eu tenho o aparelho do Estado? Tenho nada! Eles é que têm tudo. Um sujeito falando alguma coisinha contra um deles se torna automaticamente o opressor fascista e, eles, heroicamente, se reúnem.(PAG 6)
Quando você vê as pessoas interpretando a sua própria situação existencial de uma maneira tão deslocada da sua própria realidade, nós temos de nos perguntar: onde é que começou isso? Isto começa exatamente na educação. No momento em que o que deveria ser educação intelectual se transforma somente em educação disciplinar, o indivíduo que está acostumado a raciocinar não de acordo com os cânones do conhecimento, mas com os cânones de uma conduta socialmente aprovada, daí para adiante ele sempre vai pensar não para conhecer, mas para adequar-se ao que os outros esperam dele. Ele vai usar o pensamento, o conhecimento (a imitação de conhecimento) como um meio de obter a aprovação, o amor, os bons sentimentos, os bons favores do seu grupo de referência. Ou seja, todo seu pensamento adquire uma estrutura mentirosa. E se o indivíduo continuar fazendo a mesma coisa e se adequar bem a isto, ele pode até se transformar em professor universitário. Prestem atenção: todos os professores de Filosofia e ciências humanas da USP que eu conheço raciocinam assim. Eles só querem mostrar que são bons meninos para o grupo que os aprova. Eles não têm nenhum interesse por conhecer nada.(PAG 6)
No Brasil não existe intelectuais tentanto compreender a Realidade
Não existe no Brasil uma categoria de intelectuais que estão tentando analisar a realidade, compreendê-la e esclarecê-la de algum modo. Isto simplesmente não existe mais, são apenas pessoas tentando mostrar bom-mocismo para seu grupo de referência e tentando demonizar a aparência de um adversário freqüentemente inexistente, totalmente imaginário! Como nosso objetivo não é entrar nessa pantomima, mas justamente estourá-la, nós vamos ter de criar novos papéis sociais ligados ao exercício efetivo da vida intelectual. Como este exercício efetivo não existe no Brasil, e essa é uma situação específica do Brasil que não se repete nem mesmo aqui nos EUA.Aqui, até mesmo os professores ativistas das universidades têm noção do que é vida intelectual, porque eles já tiveram isto desde o ensino secundário. Eles sabem o que é estudar, o que é a busca da verdade etc. Tanto que entre essas pessoas você vê um grupo bem maior de enganos bem intencionados do que no Brasil. São pessoas que efetivamente erraram no seu diagnóstico da realidade. Mas eu garanto para você que em geral, estes esquerdistas que tem por aqui, eles aceitam conversar, discutir e, se você provar o seu ponto, em geral, eles cedem, não que vão ceder no todo, que vão mudar, mas naquele ponto que você está discutindo eles cedem. Isto eu já testemunhei várias vezes. No Brasil não.(PAG 7)
No Brasil, o pessoal que representa a classe intelectual (as “Marilenas Chauís, os Giannottis, os Safatles, os Emir Sader”),este pessoal vive não só na mentira efetiva, mas na mentira existencial total. Eles estão mentindo para eles mesmos, não sabem o que são e não querem saber. Toda sua vida é um jogo de esconde-esconde para que não percebam o que estão fazendo. Isto é uma coisa tão deprimente, tão horrível, que nós temos de examinar este fenômeno com certo cuidado, com certa prudência. Existe uma dose máxima de exposição a este fenômeno além da qual aquilo começa a exercer um efeito entorpecente, venenoso e possivelmente letal para a sua inteligência. Eu, em outras épocas, tive mais resistência para ler este tipo de coisa. O que eu li de besteira na vida, eu acho que sou recordista. Por exemplo, o livro da Marilena Chauí sobre Espinosa, eu garanto que fui o único sujeito que leu aquele livro. Por quê? Porque todos os críticos que elogiavam o livro, diziam que o livro estava acima de sua capacidade de julgamento, quer dizer: eles não entenderam. Todos eles diziam isso. E eu li o livro inteiro e raciocinei sobre tal. Ninguém foi mais bondoso com a Marilena Chauí do que eu. Li o livro dela inteiro , li este, li O que é Ideologia? e li o livro sobre a Repressão Sexual , eu li três livros da mulher! Puxa vida, então vão reclamar de mim? Nem a mãe dela leu! Eu acho que mãe dela é falecida ( eu conheci a mãe dela, muito boa pessoa), o pai dela que também era meu amigo, já falecido, Nicolau Chauí, eu garanto que ele não leria, pois não ia entender uma palavra daquilo.(PAG 7)
No Brasil, este tipo de coisa é normal: você vai elogiar o livro não porque você o leu e o compreendeu, mas porque a pessoa pertence ao seu grupo de referência que é o grupo do que você imagina que são os bons — os bons e heróicos combatentes em luta contra o fascismo. Quando nós chegamos a este ponto, fique sabendo então que dentro deste mesmo curso, nós vamos ter de dar uma boa parte da sua educação social, mas eu não posso dá-la sob modalidade disciplinar. Não é possível. A educação disciplinar você só pode dar com aquelas pessoas reunidas e tendo um sistema de punições e recompensas; você tem um corpo de funcionários capazes de aplicar estas punições e recompensas, ou seja, precisa ter uma escola fisicamente instalada; então isto não é possível e, mais ainda, eu não tenho nenhuma vocação em educação disciplinar. A educação disciplinar consiste em você repetir cinqüenta vezes a mesma ordem e cada vez que o sujeito descumpre você o manda de castigo. Eu não tenho a mínima paciência para fazer isto. Aqui nós vamos ter de passar a educação social sob a forma de uma meditação crítica sobre a sua própria experiência: aquilo que você aprendeu, aquilo que a você foi acostumado e recolocar a questão de se é isto o que você quer, se é isto o que você aceita e se era isto que você queria ser quando crescer.(PAG 8)
Quanto à educação intelectual propriamente dita, o que nós estamos fazendo aqui é, evidentemente, uma coisa que não se pode encontrar em nenhuma escola brasileira, porque o que nós queremos é despertar a sua inteligência, mostrar a sua capacidade de compreender a realidade da experiência. Esta é uma experiência que a maior parte das pessoas nunca teve. É incrível! Eu já dei aula para milhares, dezenas de milhares de pessoas e, muitas vezes, eu tive este feedback. As pessoas me diziam: “Ah, então dá para fazer isto?” Mas é claro que dá! O ser humano nasceu para fazer isto. Nós temos esta capacidade. Ou seja, você vai olhar a situação com os seus próprios olhos e vai entendê-la. E, em geral, você vai entender da mesma maneira que outro sujeito que examinou a situação e a enxergou. E isto não é milagre nenhum, sempre foi assim. A capacidade intelectual mínima, a experiência da capacidade intelectual é algo do qual todos vocês foram privados na escola, desde o primário e até mesmo universidade. É claro que isto tudo configura um crime. Hoje, quando o Estado já está educando as crianças para a prática da pedofilia, isto é, transformando as crianças em clientela de pedófilos e proclamando que a pedofilia consentida não é crime etc. (já existe sentença do STF nesse sentido), é isso que está sendo ensinado na escola. E daqui uns anos, eu aviso a vocês, o uso da palavra pedófilo será proibido. Você não poderá chamar a um pedófilo de pedófilo. Assim como hoje não se pode chamar um abortista de abortista, não será permitido chamar um pedófilo de pedófilo, pois você irá para a cadeia se fizer isso. Isso está sendo programado e será feito. Já que é nessa sociedade que vocês vão viver, não há nenhuma possibilidade de adquirir uma formação intelectual para se encaixar harmonicamente, pacificamente dentro dessa sociedade, porque ela é incompatível com o exercício da vida intelectual. Vocês estão recebendo aqui um tipo de educação que vai colocá-los em uma situação conflitiva e, evidentemente, vocês não vão entrar neste conflito para perder: vão entrar para se imporem como verdadeiros conhecedores do assunto, como autoridade e mandar aos outros calarem a boca. Esta é a sua função: tentar se transformarem em intelectuais sérios e criar um novo modelo de conduta que a sociedade desconhece e vão ter que impor este modelo. Para impor este novo modelo é necessário que vocês comecem a examinar desde a sua formação emocional de base para ver se ela os qualificou para isso. Porque o normal na situação brasileira de hoje é ser educado para se tornar um pusilânime, um covarde. Isto é a norma.(PAG 8)
Quando a ameaça não vem da realidade, mas vem do seu imaginário, então não há limite para o medo que você pode ter. Você pode ter medo de respirar. E é assim que se mantém as pessoas sob domínio: espalhando um vago temor não definido e de fato jamais concluindo a ameaça, porque se ela se cumpre, você vai ver que não era ameaça, não é tão grave assim. Por exemplo: por que o pessoal tem medo dessas organizações de esquerda? O que elas podem fazer contra você? O que elas podem fazer contra mim? Elas podem falar mal, mas eu posso falar mal delas também. Elas vão me olhar feio, elas não vão gostar de mim e dizer: “agora eu não gosto mais de você”. E quem quer o amor delas? As pessoas são educadas para se tornarem carentes afetivas e estar sempre esmolando amor e compreensão. Então eu sugiro: qual é o antídoto contra isto? Você faz a lista das pessoas que você gosta e respeita e diz: eu quero que estas pessoas aqui gostem de mim e os outros não. Agora, se você vê que um desses começa com chantagem emocional… Porque quem gosta de você quer que você se desenvolva e se realize e que você se torne forte, independente e capaz — não é isto? Agora, se quer te manter na escravidão, é claro que não é teu amigo, então este você corta da lista.(PAG 9)
(….)O exercício da vida intelectual, sobretudo da Filosofia, não é compatível com nenhuma espécie de covardia; nem covardia física, nem moral, muito menos covardia intelectual ,medo de saber como as coisas são mesmo. Nós vamos ter de rever tudo isto. Nesse sentido, é um problema para mim, porque eu não posso entrar direto numa formação intelectual partindo do princípio de que as pessoas estão emocionalmente e socialmente prontas para aquilo, porque não estão.(…..)
Como os brasileiros ,por terem recebido a educação emocional que eu mencionei,são pessoas medrosas, carentes afetivas, incapazes de lutar por si mesmas e sempre necessitadas de um apoio, de uma aprovação social, é precisamente isso que elas buscam na leitura também. Elas querem sentir que pertencem a um grupo, que são amadas, que são aceitas, que encontraram seus semelhantes, é só isto que estão procurando. Ora, essas funções todas de integração grupal são problemas que qualquer cachorro, coelho, esquilo ou rato tem. Todos eles têm necessidade de um grupo de referência. Quando um cachorro sai cheirando a bunda dos outros cachorros, ele está querendo saber quem é esse cara, de onde ele vem, se ele é amigo ou inimigo etc. Então é uma função puramente animal.A possibilidade de saltar disso para o mundo cognitivo, que é o mundo da objetividade, da realidade, é nula. E o mundo da realidade está para essa experiência da identificação grupal mais ou menos como o oceano está para uma poça d´água. Você está acostumado com aquilo como um girino está acostumado a nadar na poça d´água, e de repente alguém te bota o mar na frente.(PAG 11)
Agora, se você vai discutir com o seu colega de faculdade, com o seu colega de trabalho, com o pessoal da sua família, para que você está fazendo isto? Você não vai trazer nenhum benefício para eles, nem para você, nem para terceiro. Você está apenas tentando conquistar a adesão deles a você, para que eles gostem de você, e isto está profundamente errado. Porque você está caindo de novo na mesma armadilha. Caiu de novo na armadilha da busca da aprovação social. Só que você se tornou um cara diferente e quer que eles aprovem o diferente. A resposta para isso é muito simples: “Vai procurar a sua turma.” Quem é a sua turma? São os outros estudantes do Seminário. Tem um montão, aqui tem centenas. Você não vai se sentir sozinho porque há aqui outras 400 pessoas que estão buscando aquilo que você está buscando, e isso é a base da amizade. São Tomás de Aquino dizia que a amizade consiste em querer as mesmas coisas e rejeitar as mesmas coisas. Aqui nos Estados Unidos as pessoas compreendem isto, porque a rede de amizades aqui costuma formar-se pela afinidade na busca de certas coisas. Há, por exemplo, pessoas que gostam de caçar, então você vai lá e faz amizade no círculo de caçadores. Aqui está cheio, aqui na Virginia está cheio. Ah, você não gosta de caçar, mas gosta de poesia, então tem lá o clube de poesia; os caras vão lá recitar poesia e você faz amizade ali. Ou seja, a amizade não é feita na base da pura simpatia pessoal momentânea que é totalmente enganosa, meu filho. Você pode simpatizar com uma pessoa, mas você não sabe quem é ela realmente. Então aqui, nos Estados Unidos, esse problema está resolvido. As amizades aqui são mais sólidas por causa disso. No Brasil, o que é a amizade? O sujeito ser seu amigo significa o seguinte: ele está no seu círculo de amizade, no seu círculo de convivência, então ele adquiriu o direito de falar mal de você. Todos nós sabemos que é isto. Isto é o máximo que você vai obter de um amigo. Agora experimenta pedir um dinheiro emprestado para o desgraçado que você vai ver que a amizade acaba naquele mesmo momento. Você está lá desesperado, sem emprego, sua mulher está doente, seus filhos estão sem leite pra tomar, e você vai pedir um dinheiro pro sujeito. O que ele faz? Ele não lhe dá o dinheiro e ainda lhe dá um discurso moral. Dá uma série de conselhos onde ele prova por A + B que você é um irresponsável, moleque etc., e você sai dali muito grato e mais necessitado do que nunca da aprovação daquele sujeito. É isto que é a amizade no Brasil. Vocês sabem, vocês têm a experiência disso.Se você tenta discutir com essas pessoas é porque quer a aprovação delas. Só é lícito começar a discutir e começar a falar em público quando você está realmente empenhado numa missão e não espera mais a aprovação das pessoas, e você não quer isto. Se você quiser a aprovação delas você já está numa posição fraca. Quando eu começo a falar ou discutir em público com um sujeito qualquer, eu não quero a aprovação dele, eu digo: “Se você me aprovar, isto é vantagem para você. Eu não vou ganhar nada com isso.” Se você disser: “Ah, agora você mudou minha idéia, agora entendi, agora estou acreditando em você.” Eu digo: “Bom para você, porque para mim você só vai fazer uma coisa: você vai começar a mandar e-mail, fazer perguntas, vai começar a me encher o saco. É isso o que eu ganhei de convencer você. Agora, você não, meu filho, você ganhou uma nova perspectiva, uma nova vida. Então, sorte sua que acreditou em mim.”
Eu realmente não preciso mais da aprovação dessas pessoas. Não preciso da aprovação de mais ninguém. Eu tenho algo a dar para vocês. Se pegarem, sorte sua, bom para vocês. Se não pegarem, problema seu. Eu me sinto amplamente recompensado simplesmente por estar fazendo o que estou fazendo, porque é algo que eu planejava fazer a minha vida inteira. Então você, no curso da sua formação intelectual, moral e social que vai adquirir aqui mesmo, sábado após sábado você vai consolidando estas coisas, você vai ficar muito mais forte do que está. E vai adquirir aquele tipo de respeito por si mesmo, aquela consciência clara daquilo que está fazendo que lhe permitirá adotar, como eu mesmo adotei, a divisa do Dom Quixote: “Yo sé quien soy”. Eu sei quem eu sou, eu sei o que estou fazendo, eu sei quando eu estou certo, eu sei quando eu estou errado e a sua opinião a meu respeito, para mim não significa nada, nada, nada. Só que para isso você tem de adquirir a condição de objetividade. A condição de reconhecimento da realidade, e isto é um treino. Vai muito tempo para adquirir isto. A vida intelectual, compreendida tal como estamos compreendendo aqui, ou seja, como a condensação e um upgrade da educação social e do adestramento que você recebeu, ela significa a conquista da maturidade. Aristóteles já dizia que o homem ideal para o estudo da filosofia é o homem maduro(…..).(PAG 13)
Para você progredir na vida intelectual e lembre-se, toda essa fase desse curso é uma fase introdutória, uma fase de preparação do imaginário, de aprimoramento da sua maturidade ou conquista da maturidade para que quando nós tomarmos as questões filosóficas substantivas, vocês tenham a atitude certa, que é atitude de sincero interesse pela verdade e não de busca de uma pura auto-satisfação. A auto-satifação deve ser buscada na atividade em si e não no conteúdo das respostas buscadas. Você deve estar disposto a aceitar qualquer verdade. Diz que Maomé rezava sempre assim: “Deus, me mostra as coisas como são.” Eu acho isso maravilhoso. O que quer que você pense de Maomé sobre outros aspectos (…) Esta prece é exemplar. E eu, antes mesmo de saber isto, eu me lembro que na juventude eu li os livros de uma psiquiatra, psicanalista chamada Karen Horney, A Personalidade Neurótica do Nosso Tempo e vários livros clássicos da psicanálise. Eu não me lembro de quase nada, mas eu me lembro que ela mostrava muito bem o que eram as racionalizações ou auto-enganos. Eu, quando vi aquilo, falei: “Meu deus do céu, esse negócio é realmente perigoso! Eu me enrolo a mim mesmo de uma maneira fantástica. A nossa tendência é nos enrolar. Só que se eu me enrolo eu obtenho aquela satisfação momentânea, mas eu estou cada vez mais pulando fora da realidade e isto pode ser perigoso.” Quer dizer, eu andar em minha própria companhia é muito perigoso. Minha mãe sempre dizia para eu evitar as más companhias, mas eu dizia: “Eu não posso mãe, eu estou comigo mesmo o dia inteiro aqui.”(pag 14)
Então, eu, desde muito cedo, desenvolvi essa coisa de tentar descobrir qual é o meu auto-engano. E, sobretudo, eu lembro que na hora em que eu ia dormir, eu me deitava um pouco antes de ficar com sono, e falava: “Olha, eu vou permitir que venha de dentro de mim qualquer informação que tenha aqui. Por mais decepcionante, vergonhosa ou temível que seja, eu quero saber. Eu estou aqui deitado, tranqüilo, não vai me acontecer nada, se eu descobrir as piores coisas a meu respeito ninguém vai saber. Estou aqui, comigo mesmo, em perfeita segurança. Eu quero saber a verdade a meu respeito.” Quantas vezes eu não vi que durante o dia eu tinha enrolado as pessoas, tinha enganado, milhares de vezes. De tanto você ver isso, você começa a perceber isso nos outros também. E isso significa que dali para diante você não tem mais que mostrar que você é melhor do que as pessoas, porque você não é. De fato você não é, você é apenas mais um. E se alguma vantagem você tem é porque você começou a descobrir em você mesmo a raiz do mal, da mentira, da falsificação etc. A vantagem que você tem é essa qualidade a mais que os outros não têm, ou seja, você conhece a sua maldade.(pag 14)
Eu não sei onde eu li, quem falou, eu não lembro se foi León Bloy, ou Jules Barbey d’Aurevilly, eu não lembro. Barbey d’Aurevilly é um escritor maravilhoso do século XIX, que pouca gente leu, mas é incrível. É tão bom quanto Balzac. E ele dizia o seguinte: o mundo se compõe de dois tipos de pessoas: pessoas boas que acham que são más e pessoas más que acham que são boas. Isto aqui é para você guardar na sua cabeça o resto da sua vida. [Se] o nego está querendo se fazer de bonzinho, mostrar bom-mocismo, mostrar bons sentimentos é porque ele não presta. Fuja disso aí. Sobretudo quando você lê esses artigos de jornal e vê aquela exibição, aquele esforço para agradar a certos grupos, mostrar certos serviços para certos grupos, você está lidando com hipócritas, bandidos, mentirosos, gente perigosa mesmo. Se o sujeito começar a querer se mostrar muito mal demais também está mentindo, é porque ele está fazendo diabolismo, ele está fazendo a apologia do mal, o prestígio do mal. Tipo Marquês de Sade, Jean Jacques-Rosseau, Jean-Paul Sartre faz isso. Esse também está com treta.(PAG 15)
Existem inúmeros livros que você pode ler e que irão ajudá-lo nesta aventura do autoconhecimento. O primeiro são as Confissões de Santo Agostinho. Aquele é o modelo: naquelas confissões, pela primeira vez, e não antes, o homem ocidental adquire a noção da sua responsabilidade por tudo o que se passa dentro da sua alma. Esta foi uma conquista da civilização e não algo que veio naturalmente. Claro que todo homem tem a capacidade para realizar esta confissão, pelo simples fato de ser homem. Porém, o confronto com a realidade existencial da sua própria vida não é uma idéia que ocorra naturalmente aos seres humanos. Quando Agostinho começa a fazer isso já havia quatro séculos de experiência da confissão cristã. A confissão é um sacramento, mas ela também é uma arte, e também é uma técnica, e esta foi se aprimorando com o tempo.
PREPARAÇÃO PARA A CONFISSÃO: “COMPENDIO DE TEOLOGIA ASCÉTICA e MÍSTICA“
Eu me lembro, por exemplo, que havia o livro do Adolphe Tanquerey: COMPÊNDIO DE TEOLOGIA ASCÉTICA E MÍSTICA. Neste livro, ele ensinava a preparação para a confissão. E o que é esta preparação? É o que se chama exame de consciência. Esta é uma prática que tem dois mil anos! E o primeiro que fez a confissão não acertou tudo: ele teve que ir aprendendo.A confissão, claro, tem um lado puramente ritual. É um rito pelo qual o sacerdote, investido do mandato divino para isto, concede a absolvição dos seus pecados. Porém, existe a articulação entre este lado exterior ritual e o lado interior. O sacerdote o absolve dos seus pecados desde que a confissão tenha sido sincera. Entretanto, a confissão sincera é um problema gravíssimo, porque freqüentemente nós não sabemos sequer o que é e o que não é pecado. Freqüentemente, estamos confusos com relação a nossa vida interior. Além disso, você não pode ir ao confessionário e lá permanecer por dez dias fazendo as “confissões de Santo Agostinho” , isto não é possível! Então, você vai ter de agrupar os seus pecados por gêneros e espécies e mencioná-los ali de forma mais ou menos genérica. Mas, para isso, você precisa saber quais são eles.Havia no livro do Adolphe Tanquerey a técnica do exame de consciência, que é uma técnica muito simples. Você tem dez mandamentos a cumprir e, então, com relação a cada um desses dez mandamentos, você vai responder a uma série de perguntas para si mesmo: eu fiz “isto”; eu fiz “aquilo”; eu pensei “aquilo outro”; eu tive “tal e qual” intenção. Era algo maravilhoso! O sujeito respondia a cem perguntas e, convenhamos: é impossível fazer isso e não sair sabendo algo sobre si mesmo, mas desde que se faça isso não com um espírito masoquista, porque é quase inevitável que se introduza dentro desta prática aquela hipocrisia de querer parecer um bom menino perante o próprio Deus. Entenda: você precisa ter em mente que não está lá para ser aprovado por Deus, pois Ele já te desaprovou! Pois existe o pecado original, que significa o seguinte: estamos todos ferrados! Ninguém presta! Ninguém, ninguém, ninguém! Tirando Jesus Cristo e Nossa Senhora, ninguém presta. Não adianta você querer agradar a Deus, porque você já desagradou. Ele não está ali para aprová-lo. Ele está ali para quebrar o seu galho. Fazer um discurso de auto-acusação perante Deus também não vai resolver seu problema, porque Ele sabe muito mais do que você sabe. Esta prática é para que você fique sabendo, de si mesmo, algumas coisas que Deus já sabe. É uma prática de abertura e de tomada de consciência. Ela tem de ser feita com certa tranqüilidade e neutralidade. Não é para você ficar batendo no peito: “Eu sei que sou um filho da puta, eu sou isso, eu sou aquilo…” Não é isso! Se fizer assim, você já inverteu tudo. Aquilo deve ser feito com serenidade e até com certa alegria, porque você sabe que, descubra você o que descobrir a respeito de si mesmo, por mais decepcionante que seja…(PAG 16)
Refazer as três etapas da Educação
Para chegar a dominar com proveito os instrumentos da vida intelectual e os conteúdos todos que você pode adquirir, sobretudo do estudo da própria filosofia, você vai precisar refazer as três etapas da educação: a educação moral, a educação social e, finalmente, o adestramento intelectual e a educação intelectual propriamente dita. Eu chamo de adestramento a aquisição das simples técnicas repetitivas. É tal como, por exemplo, quando você vai aprender uma língua, você decorar os tempos verbais etc. Em cima disso é que vem a educação intelectual propriamente dita. Você vai ter de refazer estas três etapas. E como é que você as refaz? A educação moral você refaz a partir da prática da confissão. Todos têm de fazer esta prática. Não é que você tenha de ser católico. Pode ser budista, protestante, judeu, qualquer outra coisa, e mesmo assim vai lhe fazer bem. E, sobretudo: não há outra técnica.(pag 16)
Não há outra modalidade de autoconhecimento a não ser a técnica da confissão. É claro que você mesmo pode completá-la, mas apenas acrescentando, sem jamais tirar nada! Eu sugiro esse livro do Adolphe Tanquerey: COMPÊNDIO DE TEOLOGIA ASCÉTICA E MÍSTICA, do qual há uma tradução portuguesa antiga. Se não a encontrarem não se preocupem, pois em breve nós a colocaremos em circulação, ou ao menos este trecho, seja sob forma impressa ou como arquivo PDF.(pag 17)
É através da confissão que você vai corrigir as inumeráveis distorções da sua educação primeira. Preste atenção! Isto não está incluído nas perguntas do Tanquerey, mas adaptando à situação brasileira específica, preste atenção ao seguinte: na sutil indução de covardia que houve desde que você era pequeno. Você é induzido, em primeiro lugar, à busca de segurança, à busca de proteção. É incrível! As pessoas estão mais preocupadas com que você se autoproteja, em vez de estar preocupadas com que você vença. Eu, por exemplo, não eduquei meus filhos para que eles se protegessem, mas para que vencessem. Quando eles querem enfrentar um desafio, eu sou o primeiro a incentivá-los. Eu digo: “Vai! Toma cuidado, mas vai!”. Eu vejo que, na sociedade brasileira, existe essa indução a uma autoproteção excessiva e à busca de proteção e de aprovação. Preste muita atenção nisso: onde você procurar dentro de você, irá encontrar mecanismos que você possui para cortejar a aprovação ou de um grupo de referência, ou do chefe, ou de alguma outra pessoa.(PAG 17)
(……)Você tem de se preparar. Entre na briga apenas quando estiver seguro de que o está fazendo por motivo moralmente relevante e não por auto-satisfação. Isto pode levar o tempo que for necessário, mas não saia por aí convencendo ninguém, nem saia por aí fazendo revistinha universitária, não precisa e é inútil fazer isso agora. Se você fizer isso a sociedade vai convertê-los nos mesmos simulacros que já estão por aí. Eu lembro que aqueles alunos que fizeram o jornalzinho “O INDIVÍDUO”, eu não tinha dito para eles fazer jornal nenhum, nunca mandei ninguém fazer isso. Para que eu iria incentivá-los a fazer jornal de estudante?! Pelo amor de Deus, pô! Se eu fosse um partido político, eu iria formar militantes.Militantes a gente atira na briga para que eles se ferrem. Eu não faria isso com meus alunos. Eu quero que meus alunos se preparem, se transformem em intelectuais de peso e, mais tarde, prestem um serviço bom. Mas aqueles estudantes publicaram aquele jornal, arrumaram uma encrenca e então vieram pedir socorro. Mas quem mandou fazer aquela porcaria? Foram cutucar a onça com vara curta, sem envergadura para enfrentar a PUC do Rio de Janeiro. Eu tenho envergadura! Eu vou lá e calo a boca daquele reitor, ele fica quietinho! O sujeito acabou de entrar numa academia de boxe e vai subir no ringue para lutar com o Mike Tyson?! Mas é louco! Você se omitir e recuar,durante um tempo para a sua formação não é será covardia nenhuma.Você está se preparando para a briga. Você vai entrar, não só quando estiver preparado, mas quando entender que o principal de sua preparação é de ordem moral e consiste em excluir de suas motivações qualquer necessidade afetiva que tenha. Você entrará quando fizer isso como um ato de amor ao próximo sem esperança de recompensa ou somente pela recompensa divina. Eu quero que Deus aprove o que eu estou fazendo! Vocês, o público e, sobretudo, os outros, pouco me interessa.(PAG 20)
Eu lembro que quando era moleque fiquei muito doente e tive de tomar injeção de benzetacil diariamente. Tomei benzetacil todos os dias de minha vida e minha bunda dói até hoje. Eu gostava daquilo? Eu adorava o médico e o enfermeiro que vinham dar injeção? Meu pai aplicava injeção e eu ficava grato a ele? Claro que não! Eu odiava tudo aquilo e, no entanto, salvaram minha vida. A função intelectual é essa! Você está fazendo um trabalho de salvação pública! Se a pessoa gosta ou não gosta não é o problema. Você não está lá para agradá-las. Você está fazendo o bem para elas, mas se elas não reconhecerem… É como uma criança que toma injeção e esperneia. Você vai querer saber a opinião dela? O médico vai perguntar: você está gostando meu filho? Claro que não! O médico precisa de minha afeição? Não! Ele só quer me curar, quer que eu fique bom. Se eu odiá-lo o resto da vida, isto não o afeta. É assim que vocês têm de trabalhar.(PAG 20)
Em segundo lugar, além desse problema da educação moral, temos o problema da educação social; quer dizer: qual é a posição social que vocês vão desfrutar? Não pensem que vocês vão encontrar dentro de uma sociedade já estruturada os lugares prontos para vocês ocuparem. Não! Esses lugares não existem, vocês vão ter de abri-los a cotoveladas. José de Ortega y Gasset dizia o seguinte: “Gênio é aquele que inventa a sua própria profissão”. Cada um de vocês vai ter de fazer isso. Ou seja, cada um de vocês vai ter que ocupar um lugar socialmente inexistente. Vocês têm um precedente, que sou eu; eu estou fazendo isso. Se eu fiz, cada um de vocês pode fazer também. Vocês vão ter de descobrir novas fórmulas de atuação, novos meios de subsistência, novos meios de atuação profissional, comercial etc. Cada um de vocês vai ter de pensar uma forma original. E, prestem bem atenção: garanto para vocês que fazer isto é muito mais rentável do que qualquer emprego, sobretudo emprego universitário. Eu não sou nenhum milionário, nenhum sujeito rico, mas eu ganho mais do que qualquer professor universitário no Brasil.(……)(PAG 21)
Minha tia, que era professora primária, vivia dizendo: “A imitação é a mãe do aprendizado.” Na época eu não entendia o que ela queria dizer, mas hoje eu entendo. Só que a imitação é para o aprendizado! Não é imitação para imitação. Se você se tornar um especialista em imitação, isso faz de você um ator. (É aquele negócio do Charlton Heston: seu filho perguntou o que ele fazia, ele explicou mais ou menos, daí o filho disse: “Ah, entendi! Você finge que é as pessoas”.) Daí você está treinando para ser um ator. A imitação é a especialidade do ator, mas para nós ela é um meio de aprendizado. Você vai imitar algo para tornar-se aquilo. Por exemplo, eu mesmo dei um exercício de imitação: vocês têm de imitar estilisticamente os escritores. Se estiver lendo Graciliano Ramos, Camilo Castelo Branco, você vai aprender a escrever igualzinho a esses caras, como se você fosse eles. Só que depois você vai imitar outro, e outro, e outro, e outro. É a imitação como aquisição de uma habilidade, não a imitação como instrumento para adquirir um brilho social. Ao contrário! Se você conseguiu escrever igualzinho ao Graciliano Ramos, sabe o que você faz? Joga fora! Não deixa ninguém ler isso, isso é exercício escolar. Mais tarde você vai aprender a escrever como você mesmo, vai conceber o seu arsenal de recursos estilísticos, de recursos expressivos, e isto de acertar a sua própria voz dá um trabalho maluco. A sua própria voz tem de ser ao mesmo tempo a impressão que você quer dar, e ela tem de ser a expressão real do que você é. Isto aí é um equilíbrio que se alcança muito gradativamente e de maneira muito trabalhosa. A imitação é como um instrumento de aprendizado. Se você for a uma escola de artes marciais, o que o seu professor vai fazer? Ele vai mostra os gestos e dizer: “Você faz assim, assim…”, e você vai imitá-lo. Quer dizer, você vai parecer estar fazendo aquilo, mas de fato você não está; entre você imitar o gesto dele e você ser capaz de fazer a mesma coisa… É uma coisa completamente diferente. Quando você se tornar capaz de fazer o gesto, você não vai se lembrar mais do seu professor; aí não é uma imitação mais: você estará fazendo de fato.(PAG 21)
Na parte de educação moral, procurem ver o que há de mimético em vocês; mimético, mal intencionado e querendo fingir aparência, não o mimetismo pedagógico. E, na parte da educação mais intelectual, cultivem mais esse elemento, e o cultivem em tudo o que vocês fazem. Por exemplo, se você está aprendendo a tocar piano, você não vai ouvir os grandes pianistas? Não vai ouvir Wilhelm Kepff Kuzinsky? — para ver como é que eles tocam uma nota, qual é a velocidade que eles dão, como movem os dedos? Você não vai fazer tudo isso? Claro! Você vai imitar! Mas vai imitar um e dois e três e quatro, e, no fim, você vai ter um conjunto de recursos que vai usar quando for tocar. Na medida em que você cultiva a imitação como meio de aprendizado, você se livra da imitação como neurose. O que vai te livrar do mimetismo neurótico brasileiro é a imitação consciente, usada como instrumento pedagógico. É por isso que eu dou esse exercício: você vai imitar os escritores, e no que quer que faça, imite os melhores. Mas não imite um só, imite um, dois, três, quatro. Mas um de cada vez. Enquanto você não dominar o instrumento daquele, não passe para o seguinte. Você vai ver no fim que, por exemplo, tem alguns que são facilmente imitáveis. Um dos primeiros que eu imitei foi o Graciliano Ramos. Ele escreve simplezinho, ele é um escritor de poucos recursos, muito pobre, de certa maneira, mas ele sabe lidar tão bem com aquele negócio, que é um dos mais fáceis de a gente imitar. Mais tarde você vai ver: imitar um Camilo Castelo Branco, ah, meu filho! Imitar Aquilino Ribeiro… você está lascado. Eu não consegui ainda. Há essas três etapas da educação, e você vai ter de percorrer as três.(PAG 21 E 22)
(…..)O material deste primeiro ano é muito mais literário do que filosófico,vá devagar para não dar ejaculação precoce, não dar a cristalização prematura da inteligência. As obras de índole teórica são todas alquimicamente correspondentes ao enxofre, todas elas. Elas vão estruturar o caos. Mas nós não temos o caos ainda. Primeiro é preciso ter aquela multidão. Leibniz dizia o seguinte: o sujeito que tivesse visto mais figurinhas, ainda que fossem todas imaginárias, saberia mais coisas. Porque ele tem aquela massa imensa de experiência imaginativa. É isto que vamos ter de fazer primeiro, temos que enriquecer, enriquecer, enriquecer. Se não fica como aquele negócio da economia socialista de dividir a miséria. Se ficarmos todos bastante ricos, nem precisa dividir nada, porque cada um já tem o que precisa. Aqui nos Estados Unidos é ridículo você pensar nesse negócio socialista, porque aqui o pobre tem casa, tem três carros, mais isso e mais aquilo. Dividir o quê? Você quer tanto dinheiro quanto o Rockfeller? Para que me serviria todo o dinheiro dele? Eu não saberia nem gastar essa porcaria. Estou satisfeito com o que tenho. Tenho lá a minha casa, tenho os carros, está tudo bem. Agora, no socialismo, os caras dividem o que não tem. Onde tem uma casa de dois quartos, colocam-se quinze famílias lá dentro. É o MST. Pega uma fazenda que está produzindo, divide aquilo tudo para ela parar de produzir, mata todas as vacas, toca fogo na plantação e vai pedir dinheiro para o governo. É uma entidade agrícola que vive de receber dinheiro do governo. Como é que pode? O que eles plantam e produzem? Nada, a produção do MST é ridícula. Então nós não vamos fazer a mesma coisa aqui. Prestem bem atenção: todas as obras de índole propriamente filosófica, obras de natureza conceitual, analítica etc, são o enxofre, são elementos cristalizadores. Não fornecem material, elas o cristalizam.(PAG 31)
Até hoje eu agradeço porque meu interesse por Filosofia, de fato, foi tardio. Quando fui me interessar por filosofia, eu já tinha muita coisa de literatura, história, artes. Tinha tudo isso.Nada mais deplorável do que o sujeito tentado lidar conceitualmente com um universo cognitivo que ele não tem. É o que acontece com o senhor Vladimir Safatle e outros deste tipo. Deve ter lido um livro de filosofia, leu Lacan com doze anos e ficou assim. Deixa o Bernard Lonergan um pouco para depois. Ele vai te ensinar a meditar sobre a experiência, mas é preciso ter a experiência. Faça o que eu estou dizendo. Por exemplo, a experiência de você imitar escritores, de ler devagarzinho. Por exemplo: Aristóteles pode ser excelente para você ler assim. Além disso, para que você tem de ler um filósofo mais recente, se a filosofia tem uma história? Tudo na filosofia é baseado na história. Tudo o que acontece de bom na filosofia resulta da colaboração entre pessoas de épocas diferentes. A ordem das leituras pode até acompanhar a ordem histórica. Não vai fazer mal nenhum. Se for para ler livros de filosofia dê preferência aos mais antigos: Platão, Aristóteles etc.(PAG 31)
Porque eu estou acostumado com o mundo do meu imaginário, que é constituído de Platão, de Aristóteles, de Shakespeare, de Goethe, de Dante Alighieri. É gente desta estatura que eu estou acostumado a ler. Neste nível, estes probleminhas existenciais dos intelectuais brasileiros não existem. Imagine Dante escrevendo aquele poema no qual ele joga até meia dúzia de Papas no inferno. Você imagina se ele estava pensando na opinião que os caras iam ter dele: “Ah, mas o padre não vai gostar!”, isso não passou na cabeça de Dante, nem por um minuto. A hipótese de adquirir algum conforto social com aquele poema jamais lhe passou pela cabeça, e é por isso mesmo que os caras o respeitavam. Se você quer ser amado por pessoas mesquinhas, idiotas e cretinas, então será outro igual a eles. Você tem de querer ser amado e respeitado pelos grandes. No meu tempo, eu conheci pelo menos dois grandes intelectos: o Bruno Tolentino e o falecido Doutor Miguel Reale eram dois gênios, sem sombra de dúvida. Se estes gostavam do que eu estava fazendo, eu lá estou querendo saber dos outros? Vou perguntar a opinião da Marilena Chauí? Ela é boa para escrever livros de cozinha! E não foi nem ela que fez, eu sei que aquelas receitas todas são da mãe dela, que é uma cozinheira excelente. Então, ela escreveu um livro de cozinha. Não venha me amolar. Não tenho tempo para perder com besteira. Eu quero a opinião dos sábios. No meu tempo havia um grande escritor vivo que era Herberto Sales, um mestre da língua. Este eu respeito. No dia em que ele disse: “eu aprecio o seu estilo admirável”, eu falei: “Pronto! Acabou!”. Não quero saber a opinião de mais ninguém: “Você não gosta do que eu escrevi? Vá chupar prego!” O Herberto Sales gostou? Pronto.(PAG 32)
Preste atenção: você não tem de perguntar o que os outros acham de você. Tem de perguntar o que eu acho de você. Outro dia veio um rapaz que ficou aqui, eu o observei bem durante uns dois meses, no dia em que ele saiu eu falei: “Olha, você é um homem de valor. Você não é um boiola como esses.” O cara falou: “Não quero saber a opinião de mais ninguém.” Respondi: “E está muito certo você!”(PAG 32)